Pedro Leitão Pais de Vasconcelos

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Professor Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola de Lisboa). Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Diretor adjunto da Revista de Direito Comercial.


O presente texto contém um breve resumo de alguns problemas da chamada Lei da Eutanásia, estritamente jurídicos. Note-se que existem mais problemas com a Lei em causa.

Em geral

  1. A Constituição não atribui ao Estado o direito nem o poder de decidir quem vive e quem morre, nem o Estado pode reivindicar esse Direito. A atribuição ao Estado do direito de decidir quem vive e quem morre correu sempre mal, ao longo de toda a História.
  2. Não sendo penalmente punível, continua a ser um ilícito penal (mas não punível) e, como tal, um ato ilícito, gerador de responsabilidade civil, e de violação de direitos de personalidade. Mesmo que fosse penalmente lícito, tal não significaria que seria civilmente lícito.
  3. Todo o procedimento deve ser notificado ao Ministério Público para garantia da sua legalidade. Atribuir aos médicos a tarefa de garantia da legalidade do procedimento é tão perigoso como atribuir ao Ministério Público a tarefa de tratar de doentes. Depois de praticada uma ilegalidade no procedimento, e terminado o mesmo, não haverá como repor a situação, sendo impossível reparar a ilegalidade.
  4. As assinaturas de todos os médicos e demais pessoal (enfermeiros, pessoal administrativo, outros técnicos, membros da Comissão de Verificação e Avaliação, etc.) devem ser certificadas de um modo que assegure que foram prestadas pessoalmente e que, também, certifique a data e local em que foram firmadas.
  5. No caso de pareceres negativos, deve ser assegurada a possibilidade de recurso aos Tribunais. A Lei, tal como está redigida, impede o doente de recorrer à Justiça, em violação da Constituição.
  6. Qualquer pessoa (e não apenas as referidas na Lei, nomeadamente no art. 10º, nº 3) que participe no procedimento a qualquer título, não deve poder herdar, ou obter qualquer ganho patrimonial ou diminuição de passivo ou de ónus ou encargos, direta ou indiretamente, devendo ser declaradas nulas as diminuições de passivo, e perdidos a favor do Estado os aumentos de ativo. Deve ser considerada como vantagem indireta aquela que abranja a pessoas referidas no art. 49º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
  7. Deve ser incluída uma regra para impedir conflitos de interesse, com obrigação de subscrição de declaração de inexistência de conflitos de interesse.
  8. Deve ser determinado que nenhuma pessoa que participe do processo tenha direito a qualquer aumento de vencimento, subsídio ou qualquer quantia ou vantagem, que possa promover a prática do ato, mesmo que paga pelo próprio Estado.
  9. A presente Lei devia ser colocada em consulta pública. O novo Código da Atividade Bancário, muito menos relevante do que a presente Lei, foi colocado em consulta pública, o que implica uma violação do princípio da proporcionalidade no processo legislativo.

Art. 2º, nº 2

  1. A disposição viola o Direito da União Europeia ao discriminar cidadãos de outros Estados Membros, dificultando a liberdade de circulação de pessoas e de serviços.
  2. A disposição não impõe que o pedido e os demais atos tenham de ser fisicamente praticados em Portugal, o que significa que podem ser efetuados por um português ou por residentes legais em Portugal, quando no estrangeiro. Esta situação determina a aplicação das competentes normas de conflitos. Em particular quanto à validade substancial dos atos, validade formal dos atos, e estatuto pessoal do doente.
  3. A disposição não estatui a aplicabilidade da Lei portuguesa como Lei competente para efeitos de estatuto pessoal, estatuto contratual, estatuto sucessório, estatuto real, representação voluntária, estatuto familiar e responsabilidade civil. Como tal, nos casos internacionais, não há garantia que várias disposições do diploma sejam aplicáveis, podendo ser aplicáveis normas de Estados estrangeiros com diferentes conteúdos.

Art. 3º, nº 1

  1. Não se exige o reconhecimento notarial da assinatura do requerente. A prova da liberdade no exercício da vontade é aferida, em qualquer negócio jurídico de relevância, através da certificação notarial do (pelo menos aparente) exercício livre da vontade. Este é um ato próprio de notários, e apenas pode ser licitamente praticado por quem tenha competências notariais, não podendo ser realizada por médicos.
  2. A prova da reiteração da vontade deve ser documental, através de documento autêntico, e deve ser definido o número de vezes e a periodicidade das declarações da qual resulta essa vontade. De outro modo, como se verifica e demonstra a reiteração da vontade?

Art. 3º, nº 2

  1. As assinaturas a rogo estão reguladas no Código do Notariado. Os médicos não têm competência legal, nem técnico-profissional, para assegurar o reconhecimento de assinaturas, muito menos a rogo.

Art. 3º, nº 6

  1. A disposição viola o princípio da igualdade, ao garantir cuidados paliativos aos doentes abrangidos por esta Lei, sem atribuir o mesmo direito a cuidados paliativos a outros doentes.

Art. 7º

  1. O parecer da Comissão de Verificação e Avaliação deve ser sujeita a homologação por Juiz de Direito ou, pelo menos, do Ministério Público. A decisão da República Portuguesa de permitir que uma pessoa mate outra pessoa, sem que ocorra qualquer punição penal, exige o exercício de poderes de soberania na atribuição de eficácia ao ato restritivo. Sendo é exigida sentença para a aplicação de um regime de acompanhamento de maior, deve também ser exigida sentença para a aplicação de um regime que implicará a morte de uma pessoa.

Art. 9º

  1. O procedimento de administração do fármaco deve ser efetuado na presença do Ministério Público, para assegurar a legalidade nesse momento em especial, e assegurar a defesa dos interesses da pessoa em causa até ao último momento da sua vida. A presença do Ministério Público evita também o conluio entre os demais presentes no momento de administração do fármaco.

Art. 20º

  1. A objeção de consciência deve abranger qualquer pessoa que participe no procedimento, incluindo as pessoas que tratam da parte administrativa, e outras que eventualmente o integrem de qualquer modo.

Art. 21º

  • A disposição viola o princípio da igualdade, pois exclui a responsabilidade disciplinar dos profissionais de saúde, mas não das demais pessoas que participem no processo.
  • Não se exclui a responsabilidade civil, pelo que todas as pessoas que participem no procedimento podem ser condenadas pelo dano morte causado às pessoas referidas nos art. 496º do Código Civil. Note-se que mesmo que se considere que não existe ilicitude penal, nem ilicitude disciplinar, tal não implica que não possa ocorrer ilicitude civil.

Art. 22º

  • A norma deve referir que opera, sem prejuízo da atividade do Ministério Público, dos órgãos com funções de polícia e das entidades reguladoras competentes.

Art. 28º (em geral)

  • Em razão da frequência da aplicabilidade de leis estrangeiras em matéria de seguros, deve ser atribuída a esta disposição a natureza de Norma de Aplicação Imediata.

Art. 28 º, nº 1

  • Deve ser impedido o aumento do valor dos prémios dos seguros e impedido o cancelamento do seguro (mesmo em caso de falta de pagamento, sem prejuízo da cobrabilidade do crédito) a partir do início do procedimento, e também com eficácia retroativa a 6 meses a contar da data do procedimento.

Art. 28º, nº 2

  • Apesar de a epígrafe do artigo se referir ao seguro de vida, o nº 3 não é expresso nesse sentido, ficando a dúvida sobre o que se pretende significar com “quaisquer prestações contratualizadas”.