
Cristiano Dias
Advogado.
Licenciatura em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Clássica).
Mestrado em Direito Comercial na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Clássica).
Pós-Graduação Avançada em M&A e Corporate Litigation (Clássica).
Consulte a sua obra neste link.
As disputas entre sócios são historicamente um dos problemas mais sérios nas empresas, sejam elas recentes ou tenham várias décadas de existência. No mundo empresarial encontramos, muitas vezes, empresas cujos sócios desconfiam uns dos outros ou onde o diálogo serve apenas para extremar ainda mais a posição de cada um. Este tipo de disputa pode ocorrer entre sócios que coexistem há vários anos na empresa, como entre esses sócios mais antigos e sócios que entraram recentemente na empresa. Não escolhem antiguidade, nem um sector do comércio. São transversais a todo o mundo empresarial.
Não é um tema nem problema recente, mas é evidente que foi agravado pelas recorrentes crises económico-financeiras que temos atravessado. Não é, por isso, surpreendente que os conflitos societários tenham crescido nos últimos anos e tenham dado origem a um acréscimo considerável dos litígios desta natureza em tribunal. Os tempos que se avizinham do ponto de vista económico potenciarão ainda mais este tipo de litígios.
A perda de confiança afeta invariavelmente a relação entre os sócios e
pode colocar em causa e prejudicar não só a sociedade, como também os trabalhadores e os credores
desta. Em muitos casos, a desconfiança surge porque um dos sócios
tem comportamentos tidos
como desleais. A deslealdade pode abranger condutas que
passam, por exemplo, (i) pela apropriação ilícita de bens da sociedade, (ii)
pela utilização, em benefício próprio, do património da sociedade, (iii) pelo aproveitamento, em benefício próprio,
de oportunidades de negócio da sociedade, (iv) pela
prática de atos de concorrência desleal, e/ou (v) pela revelação de segredos de
negócio da sociedade. Muitas vezes, essa desconfiança surge apenas de indícios
de condutas desleais mas outras
vezes os factos são claros no sentido da deslealdade.
Quando estamos perante casos em que há uma evidência de que um determinado sócio tem sido desleal para com os demais sócios e a sociedade, existem alguns mecanismos legais para colocar termo a esta situação.
Desde logo, a exclusão do sócio pode ser uma das soluções a considerar. Para tanto, não basta a vontade de exonerar o sócio, nem que a conduta desleal em causa seja censurável, é ainda necessário que essa conduta desleal perturbe seriamente o funcionamento da sociedade e cause prejuízos a esta. Os tribunais têm sido particularmente exigentes com o preenchimento destes requisitos. Por isso, só haverá possibilidade de a exoneração vir a ser decretada se a conduta desleal em causa for particularmente gravosa e se provocar prejuízos sérios à sociedade e demais sócios. Tem de ser clara a inexigibilidade de os restantes sócios suportarem a permanência do sócio desleal na sociedade. Importa salientar que esta solução terá de ter em conta o tipo societário em causa. Apenas se encontra previsto legalmente para as sociedades por quotas e é discutível a sua aplicabilidade nas sociedades anónimas.
Outra possibilidade a ponderar é a amortização da participação social do sócio desleal. A amortização só será possível se os estatutos da sociedade expressamente consagrarem que é possível o recurso à mesma em situações de deslealdade do sócio. Tipicamente, a amortização encontra-se prevista nos estatutos da sociedade para situações em que as participações se encontrem oneradas através de penhora ou arresto (ou por qualquer outro motivo, deixem de estar na livre disponibilidade do seu titular) ou em que o sócio seja declarado insolvente. Não é tão vulgar, mas, por vezes, os estatutos também consagram a possibilidade de amortização de participações sociais quando o sócio adote uma conduta desleal que cause prejuízos sérios à sociedade. Nesses casos, mediante o preenchimento dos seus requisitos, será possível avançar para a solução da amortização.
A exclusão e a amortização são duas soluções,
bastante exigentes, mas que podem ser adotadas sem a necessidade de qualquer
colaboração do sócio desleal e até mesmo contra a sua própria vontade. Por
outro lado, existem outras soluções que poderão precisar de algum tipo de
colaboração por parte sócio desleal ou, simplesmente, só poderão ser eficazes
sem a sua oposição.
Uma delas é a aquisição da participação social do sócio desleal. Esta solução permitiria afastar o sócio desleal, mas seria necessário que este colaborasse na solução, o que não é expectável na generalidade das situações. O recurso a esta solução poderá ser facilitado por eventuais cláusulas contratuais que possam existir num acordo parassocial celebrado entre as partes no sentido da contratação de uma opção de compra / venda obrigatória verificando-se determinadas condições.
Outra pode ser o recurso ao aumento de capital. Esta solução não levaria ao afastamento por completo do sócio desleal, mas tem o benefício de poder reduzir significativamente a sua participação e até transformar o sócio desleal num sócio minoritário. No entanto, o aumento de capital só será uma solução viável se o sócio desleal não tiver capacidade financeira que lhe permita acompanhar o aumento de capital e, assim, manter a sua participação inalterada. Esta é a razão pela qual o aumento de capital não é uma solução eficaz perante sócios desleais que tenham capacidade financeira.
Estas são as principais soluções a considerar. Mas ainda existem outras. Por exemplo, a transmissão da participação social por parte do sócio que se sente lesado, que pode ser dificultada em cenários de existência de regras que limitem a transmissão de participações a terceiros. Tais regras restritivas são muito frequentes quando estejamos perante sociedades em nome coletivo e em sociedades por quotas, mas também podem estar contratualmente consagradas, por via de estatutos ou acordo parassocial, em sociedades anónimas.
A exoneração do sócio que se
sente lesado pelo sócio desleal pode ser outra solução. A lei é bastante
restritiva quanto à possibilidade de exoneração do sócio da sociedade,
permitindo-a apenas em situações
em que a sociedade não avança para a exclusão
do sócio desleal,
apesar de haver justa causa para tal,
ou em situações em que o sócio tenha votado expressamente contra, por exemplo, um aumento de capital a subscrever
por terceiros, a mudança
do objeto social ou
a transferência da sede da sociedade para o estrangeiro. Estas soluções são de fuga da sociedade (visam a saída do sócio lesado
e não do sócio desleal),
sendo ainda mais complexas e dependem
da verificação de várias variáveis.
A opção por qualquer uma destas soluções dependerá sempre das particularidades de cada caso. O histórico da relação entre os sócios, as circunstâncias pessoais de cada um e as próprias perspetivas futuras para a sociedade serão importantes para delinear os passos a adotar. De igual forma, as regras consagradas nos estatutos da sociedade em causa e em eventuais acordos parassociais que tenham sido celebrados pelos sócios serão determinantes para escolher a melhor opção e saber quais os riscos associados a cada uma. Por exemplo, conforme salientado, eventuais regras sobre a amortização da participação social e a transmissão desta costumam constar dos estatutos e dos acordos parassociais e, por isso, poderão ser determinantes por serem mais extensivas ou restritivas em relação às regras legais. De igual modo, será sempre importante, com recurso a tais instrumentos, perceber se existem direitos especiais que tenham sido concedidos aos sócios. Caso existam e, independentemente da sua natureza e conteúdo, considerando que não podem ser retirados ao seu titular sem o seu próprio consentimento, podem ter um papel determinante para a solução a escolher.
Abordando o tema de outra perspetiva que não a do afastamento do sócio desleal ou do próprio sócio lesado, poderão ainda ser ponderadas outras alternativas que visem atenuar ou impedir a continuação dos comportamentos desleais do sócio ou obter uma compensação financeira pela prática de tais comportamentos.
De facto, perante um cenário em que o comportamento desleal do sócio cause um prejuízo iminente e irreversível à empresa, é possível equacionar o recurso aos tribunais para que seja decretada uma providência cautelar que vise impedir o sócio de continuar a praticar tais atos prejudiciais à empresa e aos sócios.
Na sequência do decretamento dessa providência cautelar ou de forma autónoma, poderá também equacionar-se a propositura de uma ação de responsabilidade civil contra o sócio de forma a obter uma compensação pelos danos que a sua conduta desleal causou. Neste caso, o objetivo será obter um ressarcimento pela perda de clientes, de fundos e/ou bens patrimoniais da empresa no seguimento da conduta do sócio desleal.
Por tudo isto, fica evidente que é indispensável o recurso ao
aconselhamento jurídico junto de um advogado especializado em contencioso societário antes de se colocar em marcha qualquer
opção para resolução do conflito. Os tribunais portugueses têm sido muito rígidos no preenchimento dos pressupostos, nomeadamente, quanto à exclusão e exoneração do sócio e quanto à amortização da participação social, e, por isso, é importante que se esteja ciente de todos os requisitos necessários para a adoção de cada uma destas soluções e, não menos importante, sobre todos os riscos associados a cada uma delas.