Daniel Bessa de Melo

Advogado do Departamento de Civil da Cerejeira Namora, Marinho Falcão.

Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto.


Do Trespasse de Estabelecimento Comercial é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado desde de 2 de Fevereiro de 2025.

Consulte a obra neste link.


Os acidentes de viação são uma circunstância profícua para o surgimento de danos relacionados com a privação do uso.

Ocorrendo um sinistro rodoviário, a responsabilidade da seguradora (pressupondo-se a existência de seguro válido de responsabilidade automóvel nos termos do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto) não se esgota na indemnização do custo de reparação da viatura ou do valor da perda total. Acrescendo a tal dano material, ter-se-á de atender ao dano económico indireto resultante do facto de, durante certo período, o usuário da viatura estar desprovido da possibilidade da sua utilização. Este prejuízo económico nem sempre é negligenciável e casos existem em que ele suplanta o custo de reparação.

O dano da privação do uso contabiliza-se desde a data do sinistro, supondo-se que este tenha determinado a paralisação da viatura, até ao momento em que a reparação é concluída ou o valor da perda total é colocado à disposição do lesado. Em caso de atraso na reparação da viatura, desde que se relacione com circunstâncias próprias do funcionamento da oficina e não com contingências gerais de mercado (como uma escassez de peças), ter-se-á de fazer a seguinte destrinça: (i) se a oficina for livremente escolhida pelo lesado, corre por conta deste o risco de qualquer atraso; (ii) se a oficina for diretamente designada pela própria seguradora ou por esta sugerida, nomeadamente por integrar a sua rede de prestadores convencionados, o atraso será contabilizado no cálculo da indemnização devida.

Tratando-se de uma viatura de uso particular, a jurisprudência fixa a indemnização em valores relativamente comedidos, relevando fatores como o valor comercial da viatura e o número de deslocações que o proprietário efetua. Geralmente, a generosidade dos Tribunais não ultrapassa a atribuição de quinze euros por cada dia de paralisação. Caso, pelo contrário, estivermos a falar de viaturas utilizadas na prossecução da atividade económica do lesado (pensemos no taxista ou, no caso aqui em apreço, de um operador TVDE), a indemnização legalmente devida assumirá uma dimensão mais significativa, correspondendo aos rendimentos que o agente deixou de auferir durante o período de paralisação (os designados lucros cessantes).

A indemnização da privação do uso terá uma predisposição para resvalar para montantes bastante elevados caso a seguradora declinar a responsabilidade pelo sinistro, consequentemente recusando-se a custear a reparação da viatura ou a liquidar o valor da perda total. O lesado, em tese, não tem qualquer dever de se substituir ao responsável pelo dano (a seguradora) na reparação da viatura, avançando com capital próprio na esperança de ser posteriormente reembolsado. Apenas circunstâncias excecionais – sendo para tal imprescindível a demonstração da existência de margem financeira para pagar as reparações – poderão inverter esse princípio. Consequentemente, o agravamento do dano da paralisação pela não assunção de responsabilidade por parte da seguradora reverte em seu desfavor.

Conforme acima aludimos, a indemnização devida identifica-se com os rendimentos que, por causa da paralisação da viatura, o lesado deixou de auferir. Na prática, nem sempre será fácil apurar com a devida exatidão quais serão esses rendimentos gorados. Reconhecendo que ao lesado não devem ser impostos encargos probatórios desproporcionais, a jurisprudência portuguesa tendencialmente permite a prova de rendimentos mediante recurso à margem de lucro expetável em determinado mercado. No caso de operadores TVDE, pode-se estimar o prejuízo atendendo-se aos valores auferidos pela viatura nos meses anteriores ao sinistro, embora se deva advertir que existem períodos do ano (desde logo, o Verão) caracterizados por maiores níveis de faturação. Outra possível via de cálculo passa pelo recurso aos valores faturados por uma viatura semelhante da frota que operou no decurso do período de paralisação.

A fim de agilizar a atribuição da indemnização pelo custo de paralisação em fase extrajudicial, evitando litígios circunscritos à mera quantificação do dano, entre a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e a Associação Empresarial de Operadores TVDE (AEOTVDE) foi celebrado um Acordo de Paralisação que estabelece valores diários de compensação consoante o número de lugares da viatura e a periodicidade da sua circulação. Caso assumam a responsabilidade pelo sinistro, as seguradoras ter-se-ão de cingir a esses valores na formulação da sua proposta razoável de indemnização. Sucede que o número de entidades associadas da AEOTVDE é consideravelmente reduzido e, ao que apuramos, esta deixou de ter atividade efetiva há vários anos. Mesmo assim, os Tribunais entendem que os valores contidos no Acordo de Paralisação são um parâmetro relevante para a determinação da indemnização razoável, ainda que o operador TVDE não seja associado da AEOTVDE.