Edgar Valles
Advogado e autor de vasta obra jurídica.
A Elaboração de Regulamentos Municipais é a mais recente obra do Autor, publicada pelo Grupo Almedina, e disponibilizada no mercado desde 25 de Junho de 2024.
Sobretudo nos principais centros urbanos do país, o espaço público é afetado negativamente pela proliferação de propaganda política que, com inusitada frequência, não respeita regras básicas como a estética e a segurança, originando protestos de muitos cidadãos.
Impõe-se uma alteração legislativa que, mantendo a ampla liberdade inerente a uma democracia consolidada, consagre, de forma clara, a sujeição ao interesse público, permitindo também aos municípios a aprovação de regulamentos autárquicos adequados.
Reclamações
Um cidadão dirigiu à Câmara Municipal da sua área de residência uma reclamação, insurgindo-se contra a afixação de muppies no passeio, em determinada rotunda, os quais constituíam perigo para o trânsito, já que retiravam a visibilidade dos automobilistas. Os muppies tinham sido colocados por um partido político que, instado a retirá-los, recusou fazê-lo, com a invocação de que “a propaganda política é livre”. Esta recusa não teve resposta autárquica.
Mas em Lisboa não foi assim. “Quem puser um cartaz no Marquês de Pombal sabe que eu vou lá tirá-lo!”, declarou Carlos Moedas, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em outubro de 2022, decorrido um ano sobre a sua eleição. O processo de retirada de painéis com propaganda partidária iniciara-se em junho desse ano, tendo a Câmara municipal notificado 13 partidos e associações para retirarem por seus outdoors.
Lia-se no sítio institucional do Município de Lisboa:
“O Marquês de Pombal acordou com outra vista. Depois de ter notificado os partidos e associações para a remoção dos outdoors que ocupavam esta zona emblemática de Lisboa, as equipas da CML retiraram esta madrugada todos os cartazes”.
Alguns dos partidos políticos consideraram a retirada ilegal. O PCP classificou a ação de “antidemocrática”, tendo avançado com uma queixa no DIAP, e o Chega também se insurgiu, voltando a colocar cartazes. Também a Comissão Nacional de Eleições (CNE) considerou a ordem de retirada ilegal: “as autarquias não têm competência para regulamentar o exercício da liberdade de propaganda e a retirada de cartazes do espaço público tem de ser decretada pelo tribunal”.
A Câmara de Lisboa avançou, entretanto, com um procedimento de classificação do Marquês de Pombal e do Parque Eduardo VII como conjuntos de «interesse municipal» para fundamentar a retirada dos outdoors destes espaços públicos.
O objetivo é dar suporte à decisão de retirar os cartazes de propaganda política destes locais com o argumento de que estão abrangidos pela lei que regula a afixação de mensagens de propaganda, e que preceitua que a afixação não deve «prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas».
Que dizer sobre esta matéria?
Princípios gerais
A atividade de propaganda, incluindo a político-partidária, tenha ou não cariz eleitoral e seja qual for o meio utilizado, é livre e pode ser desenvolvida, fora ou dentro dos períodos de campanha, com ressalva das proibições e limitações expressamente previstas na lei.
“Entende-se que a aposição de mensagens de propaganda política, seja qual for o meio utilizado, não carece de autorização, licenciamento prévio ou comunicação, às autoridades administrativas, sob pena de se estar a sujeitar o exercício de um direito fundamental a um intolerável ato prévio e casuístico de licenciamento que, exatamente por ser arbitrário, pode conduzir a discriminações e situações de desigualdade das forças políticas intervenientes” (parecer da Procuradora Geral da República n.º 1/89 e acórdão do Tribunal Constitucional nº 07/88).
Legislação
A matéria de afixação de propaganda está regulada pela Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, que veio definir as condições básicas e os critérios de exercício das atividades de propaganda e de publicidade comercial, atribuindo às câmaras municipais a competência para fixarem, ouvidos os interessados, os prazos para a remoção da propriedade amovível.
A dificuldade reside no facto de a lei conter normas destinadas ao exercício da propaganda e ocupação do espaço público com mensagens de natureza comercial e incluir, também, a propaganda política.
De um modo geral, podemos dizer que, sendo livre, seja qual for o meio utilizado, a propaganda política deve respeitar os requisitos previstos no artigo 4.º da Lei n.º 97/88:
- Não provocar obstrução de perspetivas panorâmicas ou afetar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem;
- Não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas;
- Não causar prejuízos a terceiros;
- Não afetar a segurança das pessoas ou das coisas;
- Não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego;
- Não prejudicar a circulação de peões, designadamente dos deficientes.
Cremos que este artigo 4.º dá-nos resposta à reclamação e à questão anteriormente apresentadas (cidadão que reclamou dos muppies no passeio e Presidente da Câmara Municipal de Lisboa que ordenou a retirada de outdoors).
Como questão prévia, importa definir a competência da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Embora esta procure estender a sua ação ao domínio não eleitoral, o certo é que o Tribunal Constitucional firmou jurisprudência sobre os limites temporais dos poderes e competência da CNE no domínio da propaganda eleitoral fora do período eleitoral. Lê-se no acórdão n.º 312/2008:
“Na alínea d), do artigo 5.º da Lei n.º 71/78, incumbe-se a CNE de “assegurar a igualdade de oportunidades de ação e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais.
A referência expressa a que o objeto desta intervenção são as ações ocorridas durante as campanhas eleitorais e a de que os sujeitos destas ações são as candidaturas às respetivas eleições, delimita necessariamente a área de intervenção da CNE neste domínio, às ações de propaganda inseridas num determinado e concreto processo eleitoral.”
A doutrina
A doutrina tem convergido no entendimento de que os princípios gerais de direito eleitoral constitucionalmente consagrados “abrangem todo o período eleitoral (eleições e preparação das eleições), sendo especialmente relevantes, nesse plano, os direitos referidos à campanha eleitoral – como a igualdade de candidaturas e a imparcialidade das autoridades públicas perante elas -, que se entende não poderem limitar-se aos períodos de campanha propriamente ditos, mas que devem reportar-se a todo o procedimento eleitoral (Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros, tomo II, Coimbra Editora, 2006, pág. 285).
Em síntese, vigora o princípio geral, constitucionalmente consagrado, de livre propaganda política e partidária, mas também existem limitações decorrentes do respeito pelos requisitos enunciados no artigo 4.º da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto.
Se os privados devem submeter-se à disciplina do referido artigo 4.º, que impõe restrições à publicidade, não se justifica que os partidos políticos possam colocar a propaganda política a seu bel prazer, sem terem de respeitar o ordenamento paisagístico e as normas estéticas e de ordenamento do território. É indubitável que, por exemplo, o Largo do Marquês de Pombal, em Lisboa, ou a Avenida dos Aliados, no Porto, constituem zonas nobres, que devem ser preservadas, sem poluição visual. Aliás, a liberdade absoluta de propaganda política, sem respeito pelos princípios referidos, nem sequer beneficia os partidos políticos promotores, pois a sua mensagem acaba por ser associada a uma atuação negativa, de abuso de meios.
Por tais razões, é manifesta a necessidade de consagrar legislativamente a submissão da propaganda política ao interesse público, muito embora seja notório que o órgão legislativo por excelência não tenha apetência para tal…
Deste modo, os municípios poderão aprovar regulamentos sobre a ocupação do espaço público, publicidade e propaganda política sem as atuas limitações.