David Falcão

Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Castelo Branco.
Doutor em Direito.


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David Falcão[1]

A Agenda do Trabalho Digno, aprovada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, materializou uma reforma de fundo no domínio laboral, cumprindo o desiderato de implementar um conjunto de medidas tendentes à melhoria das condições de trabalho e à promoção da conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, e assentou em cinco eixos principais: combate à precariedade; valorização dos jovens no mercado de trabalho; promoção da conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar; dinamização da negociação coletiva; e resposta às mudanças no trabalho induzidas pela transição digital.

Destarte, a referida Lei procedeu à transposição de duas diretivas da UE, respeitantes à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores[2] e às condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia[3]. Especificamente, da transposição da diretiva sobre condições de trabalho transparentes e previsíveis na UE resultou o reforço do direito dos trabalhadores à informação pré-contratual[4]. Com efeito, passou a integrar o elenco de elementos informativos pré-contratuais, a prestar pelo empregador ao trabalhador, a “duração e as condições do período experimental”[5][6][7]. Do incumprimento do dever de informação relativo às vicissitudes associadas ao período experimental, passou a operar uma presunção juris tantum de exclusão do período experimental[8][9].

Se é certo que até à entrada em vigor da Lei n.º 13/2023, de 3 de abril a exclusão do período experimental dependia de acordo escrito das partes, das alterações introduzidas pela referida Lei resultou uma solução diametralmente oposta: no silêncio das partes, presume-se que acordaram na sua exclusão. Portanto, urge questionar se o período experimental deixou de se tratar de um elemento natural do contrato de trabalho para passar a tratar-se de um elemento acidental daquele negócio jurídico[10].

A resposta tende a ser afirmativa[11].

Ora, se sobre o empregador impende o dever de informar o trabalhador, por escrito, na fase pré-contratual ou, no limite, até ao sétimo dia após o início da execução do contrato[12], sobre a duração e condições do período experimental, e se na pendência do incumprimento se presume a sua exclusão, não nos parece que seja de admitir que o período experimental não se tenha transformado num elemento acidental do contrato de trabalho[13], pois, operando a presunção de exclusão em benefício do trabalhador, a ilação depende, quase por inteiro, da sua bondade, dada a natureza (praticamente) impossível da prova. Aliás, é até legítimo levantar-se dúvidas sobre a utilidade atual do acordo de exclusão do período experimental, previsto no artigo 111.º, n.º 3 do CT, porque, por um lado, do silêncio das partes, opera a presunção de existência de tal acordo (artigo 111.º, n.º 4 do CT) e, por outro, é manifesta a dificuldade em demonstrar os factos suscetíveis de conduzir à sua ilação.

Portanto, e pese embora a inclusão do período experimental não tenha passado a depender de estipulação contratual, somos a entender que os argumentos aduzidos são bastantes para que se descure a ideia de eventual transformação do período experimental de naturalia negotii em accidentalia negotii do contrato de trabalho ou, no limite, num naturalia negotii condicional, é dizer, dependente do cumprimento do disposto no artigo 106.º, n.º 3, al. o) do CT ou da ilação da presunção a que o incumprimento da obrigação plasmada no referido artigo conduz.


[1] David Falcão. Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Castelo Branco. Doutor em Direito.

[2] Cfr. Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019.

[3] Cfr. Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019.

[4] Cfr. Artigo 4.º, n.º 2, al. g) da Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019.

[5] Cfr. Artigo 106.º, n.º 3, al. o) do CT.

[6] A Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019 estabelecia como limite para a comunicação do referido elemento informativo o sétimo dia de calendário, a contar do início da prestação de trabalho. O CT, passou, pois, no artigo 107.º, n.º 4, al. a), a prever o mesmo limite temporal para a referida comunicação.

[7] Cumpre sublinhar que a referida informação pode ser substituída pela referência às disposições pertinentes da lei, do ITCT aplicável ou do regulamento interno de empresa.

[8] Cfr. Artigo 111.º, n.º 4 do CT.

[9] Tal solução resulta da Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, especificamente, do artigo 15.º.

[10] A este respeito cfr. LEAL AMADO, João e ROUXINOL, Milena, “A “agenda do trabalho digno” e o período experimental”, Observatório Almedina, 2023. Disponível em https://observatorio.almedina.net/index.php/2023/05/03/a-agenda-do-trabalho-digno-e-o-periodo-experimental/

[11] Em sentido inverso cfr. LEAL AMADO, João e ROUXINOL, Milena, “A “agenda do trabalho digno” e o período experimental”, Observatório Almedina, 2023. Disponível em https://observatorio.almedina.net/index.php/2023/05/03/a-agenda-do-trabalho-digno-e-o-periodo-experimental/

[12] De realçar que se considera cumprida a obrigação de informação se constar de contrato de trabalho reduzido a escrito ou de promessa de contrato de trabalho, em conformidade com o artigo 107.º, n.º 3 do CT.

[13] Em sentido inverso cfr. LEAL AMADO, João e ROUXINOL, Milena, “A “agenda do trabalho digno” e o período experimental”, Observatório Almedina, 2023. Disponível em https://observatorio.almedina.net/index.php/2023/05/03/a-agenda-do-trabalho-digno-e-o-periodo-experimental/