João Leal Amado

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.


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Milena Silva Rouxinol

Professora da Universidade Católica Portuguesa – Porto.


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O período experimental, ou período de prova, “corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”, conforme dispõe o art. 111.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT). Trata‑se, com efeito, da primeira fase do ciclo vital do contrato, fase em que o vínculo jurídico‑laboral revela ainda uma grande fragilidade, apresentando escassa consistência e sendo facilmente dissolúvel por qualquer das partes.

O período de experiência consiste numa figura cautelar, possibilitando uma certificação mútua: o empregador certifica‑se de que o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas; o trabalhador certifica‑se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua atividade profissional são as esperadas. Compreende‑se por isso que, em princípio, durante o período experimental qualquer das partes possa denunciar o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização (art. 114.º, n.º 1, do CT).

Do exposto supra já se retira o carácter formalmente bilateral da experiência. Com efeito, durante este período não é só o trabalhador que está à experiência. Esta é uma via com dois sentidos: assim, ao “período de experiência do trabalhador pelo patrão” junta‑se o “período de experiência do patrão em favor do trabalhador”, para usar as clássicas fórmulas de Raúl Ventura. Mas, dito isto, é fora de dúvida que, na prática, este instituto aproveita quase em exclusivo ao empregador, visto que apenas este, e não já o trabalhador, é afetado por consideráveis restrições no tocante à sua liberdade de desvinculação contratual, decorrido que seja o período de prova.

Deste modo, o período experimental assume‑se, basicamente, como um instituto limitador do risco empresarial, assegurando ao empregador uma certa margem de erro e representando, quiçá, o preço que o ordenamento jurídico terá de pagar a troco da garantia de estabilidade no emprego, surgindo assim em homenagem à parte patronal e como mecanismo destinado à salvaguarda dos seus interesses.

Pergunta‑se: terão as partes de incluir expressamente o período experimental no conteúdo do contrato, caso desejem institui‑lo? Ou, pelo contrário, terão de o afastar expressamente, caso não o desejem ver aparecer? Dito de outra forma: o período experimental é encarado como um elemento acidental ou como um elemento natural do contrato de trabalho? Nenhuma dúvida existia quanto a este ponto, antes de a chamada “agenda do trabalho digno” ser publicada, através da Lei n.º 13/2023, de 3 de abril: à luz do nosso ordenamento jurídico, o período experimental consistia num elemento natural do contrato, não carecendo de ser estipulado para existir, antes carecendo de ser expressamente excluído, por escrito, para não nascer, ex vi legis, juntamente com o contrato (art. 111.º, n.º 3, do CT)[1].

A reforma introduzida, nesta matéria, pela Lei n.º 13/2023 modificou um pouco os dados do problema. Com efeito, resulta agora da lei o seguinte regime, em matéria de dever de informação a cargo do empregador e respetivas consequências em sede de período experimental:

i) O empregador deve prestar ao trabalhador informações sobre a duração e as condições do período experimental, se aplicável (art. 106.º, n.º 3, al. o), do CT);

ii) A informação sobre esses elementos pode ser substituída pela referência às disposições pertinentes da lei, do instrumento de regulamentação coletiva aplicável ou do regulamento interno da empresa (art. 106.º, n.º 4);

iii) A informação deve ser prestada por escrito, considerando-se esse dever cumprido quando a mesma conste de contrato de trabalho reduzido a escrito (art. 107.º, n.º 3);

iv) A informação deve ser comunicada ao trabalhador até ao sétimo dia subsequente ao início da execução do contrato (art. 107.º, n.º 4, al. a);

v) Caso o empregador não cumpra o dever de comunicação previsto na al. o) do n.º 3 do art. 106.º no prazo previsto no n.º 4 do art. 107.º, presume-se que as partes acordaram na exclusão do período experimental (art. 111.º, n.º 4).

Pergunta-se: tendo em conta o novo regime jurídico instituído nesta matéria, será que o período experimental passou de elemento natural para elemento acidental do contrato de trabalho?

A resposta é, a nosso ver, negativa, mas nem por isso as mudanças regimentais deixam de ser significativas, neste ponto. Com efeito, agora, como antes, as partes podem introduzir uma “cláusula de experiência” no contrato, prevendo expressamente, por escrito, que haverá um período de prova nesse contrato, bem como a sua duração, igual ou inferior à aplicável nos termos da lei. Agora, como antes, as partes também podem estipular, por escrito, que naquele contrato não haverá qualquer período experimental, como resulta do n.º 3 do art. 111.º do CT. E, finalmente, se nada disto acontecer, agora, como antes, vigorará o período experimental previsto na lei. Contudo – e eis, no essencial, a novidade –, para assim ser, isto é, para que o contrato conte com esse período de prova, agora, ao contrário de antes, o empregador terá de prestar ao trabalhador informações sobre a duração e as condições do período experimental, informação esta que deverá ser prestada por escrito, em documento assinado por aquele, até ao sétimo dia subsequente ao início da execução do contrato. Se esse dever de informação não for cumprido no prazo previsto, “presume-se que as partes acordaram na exclusão do período experimental” (art. 111.º, n.º 4). Tal dever existe outrossim se as partes tiverem previsto no contrato distinto período experimental, mais curto, como permite o atual n.º 7 do art. 112.º. Mas, nesta hipótese, o dever de informação tem-se como cumprido em virtude da própria cláusula contratual. Assim resulta do art. 107.º, n.º 2.

A referida presunção legal é, claro, ilidível mediante prova em contrário, isto é, mediante prova de que as partes acordaram na existência de período experimental ─ talvez o assunto tenha sido objeto de conversas entre as partes, com testemunhas bastantes, ou talvez haja registo de comunicações entre elas, via sms, email, redes sociais, etc., comprovando que o período experimental foi previsto pelos sujeitos. Mas, muitas vezes, essa prova será difícil, quiçá até impossível.

O que temos por seguro é que, para ilidir a presunção, não bastará ao empregador invocar e demonstrar que as partes não excluíram, através de acordo escrito, a existência de período experimental, ao abrigo do n.º 3 do art. 111.º do CT. Com efeito, esta possibilidade de exclusão surge a montante da presunção, em momento anterior ao surgimento desta: se as partes excluírem, por acordo escrito, a existência de período experimental, não haverá, por certo, qualquer dever de informação do empregador ao trabalhador, quanto a este ponto[2]; ora, não havendo, in casu, qualquer dever de informação a este respeito, também não poderá haver, logicamente, qualquer incumprimento desse dever; e, não havendo incumprimento desse dever de comunicação, é claro que a presunção legal não opera.

Repete-se: a presunção só funciona, na verdade, quando o contrato seja silente sobre o período experimental (rectius, nos casos em que não haja estipulação escrita sobre a matéria), pois é nesses casos que a lei passou a estabelecer o dever de o empregador informar o trabalhador, por escrito, sobre a duração e as condições do período experimental. E só nesses casos, em que se registe o incumprimento desse dever de comunicação por parte do empregador, é que a lei presume que as partes acordaram na exclusão do período experimental.

Vale dizer, o período experimental, cremos, não se converteu num elemento acidental do contrato de trabalho, dado que a sua existência não passou a depender de uma estipulação contratual nesse sentido. Mas, permanecendo o período experimental como um elemento natural do contrato, talvez se possa dizer que agora esse período é um elemento “natural gaseificado” do contrato, visto que, se o empregador não cumprir o dever de prestar informação escrita sobre o ponto, no prazo devido, a lei presume que não haverá período experimental. E, repete-se, ilidir a presunção nem sempre será fácil, não bastando para o efeito, por certo, o empregador demonstrar que a existência de período experimental não foi excluída através de prévio acordo escrito entre as partes ─ se assim fosse, aliás, o novo n.º 4 do art. 111.º seria convertido em uma norma sem qualquer conteúdo útil, visto que, no fim de contas, tudo dependeria de ter ou não sido acordada, por escrito, a exclusão do período experimental, nos termos do n.º 3. Nesta leitura, este n.º 3 como que devoraria o n.º 4 do preceito, o que é totalmente inadmissível, até pela razão de que o n.º 4 é a norma mais recente, pelo que, a haver deglutição, seria do n.º 3 pelo n.º 4 e não o inverso.

Pela nossa parte, porém, nada disto sucede, isto é, o n.º 3 conserva, no novo contexto normativo, todas as suas virtualidades, operando a montante da presunção. Se as partes não fizerem uso dessa norma, excluindo o período experimental por acordo escrito, então sim surge o dever de informação sobre o ponto a cargo do empregador e, com ele, a hipótese de tal dever não ser cumprido e, daí, o funcionamento da presunção legal.

Em suma, estipular não é preciso, mas informar é – sob pena de, em princípio, não haver período experimental. À atenção dos empregadores, que tanto carinho devotam a este período…

João Leal Amado

Milena da Silva Rouxinol


[1]Salvo no que diz respeito aos contratos em comissão de serviço, onde o caráter acidental do período experimental resulta do art. 112.º, n.º 3, do CT. Trata‑se de uma solução que se compreende, atendendo a que qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço sem especiais dificuldades (art. 163.º do CT). Por razões diferentes, também em sede de contrato de trabalho desportivo o período experimental só existirá se for expressamente estipulado pelas partes (art. 10.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho).

[2] Decerto não por acaso, a lei ressalva esta possibilidade, em sede de dever de informação, pois sobre o empregador recai o dever de prestar informações ao trabalhador sobre “a duração e as condições do período experimental, se aplicável” (al. o) do n.º 3 do art. 106.º do CT, itálico nosso). “Se aplicável”, justamente, porque pode não haver qualquer período experimental, caso as partes tenham feito uso da faculdade de exclusão do mesmo, prevista no n.º 3 do art. 111.º.