Natália Santos

Licenciada em Direito pela Universidade do Minho.
Mestre em Direito Tributário pela Universidade do Minho.
Advogada


Impostos e Futebol – As Leis do Jogo é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponível no mercado desde 4 de Maio de 2023.

Consulte a obra neste link.


Um dos principais sujeitos nas relações jurídicas desportivas é o empresário desportivo, na medida que é esta figura que faz a ponte de contacto entre dois outros grandes sujeitos/entidades: os praticantes desportivos (vulgarmente denominados de atletas) e os clubes desportivos. Esta figura, cujo destaque iniciou-se nos anos 60 nos EUA, é já reconhecida pelo ordenamento jurídico português, sendo mencionada em vários diplomas legislativos. Neste domínio, ganha aqui particular destaque a sua referência na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, no seu artigo 37.º, onde se pode ler a definição do empresário desportivo.

Existem várias definições para esta figura que tanto pode representar clubes como atletas. No entanto, no entendimento da autoridade tributária o empresário desportivo é a pessoa singular ou coletiva que, devidamente credenciada, exerce a atividade de intermediação ou representação, de forma ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos 1. Ou seja, esta definição vai de encontro àquela que se encontra estabelecida no artigo 37.º da LBAFD. Assim, no que respeita à tributação destes agentes desportivos, mais concretamente quando estes exercem a sua atividade como pessoas singulares, podemos encontrar dois cenários: podemos ter um empresário desportivo que exerce a sua atividade por conta de outrem, ou seja, mediante um contrato de trabalho, ou então, podemos encontrar o empresário desportivo que atua em nome individual. Estes dois cenários vão acarretar consequências tributárias distintas.

Na primeira situação o sujeito passivo irá estar sujeito à tributação em sede da categoria A do IRS, que respeita à tributação do trabalho dependente. Por sua vez, na segunda situação, o sujeito passivo irá estar sujeito à tributação em sede da categoria B do IRS, respeitante à tributação dos rendimentos empresariais e profissionais. É nesta segunda situação que nos iremos focar, pois para a AT a atividade dos empresários desportivos enquadra-se na tabela de atividades sujeitas a IRS 2 com o código “1323 – Desportistas”, uma vez que se trata de uma atividade conexa com o desporto 3. Pois bem, este entendimento traz consequências práticas, nomeadamente na aplicação dos coeficientes do artigo 31.º do CIRS, respeitantes ao momento do cálculo do rendimento líquido destes sujeitos passivos, através do regime simplificado de tributação. Ou seja, seguindo este entendimento, para se obter o rendimento líquido terá que ser aplicado um coeficiente de 0,75 ao rendimento bruto destes sujeitos, o que é o mesmo que dizer que do rendimento bruto, 75% será considerado para efeitos de IRS. Isto assim é, pois, o artigo 31.º, n.º 1, al. b) do CIRS prescreve que deve ser aplicado aquele coeficiente aos rendimentos derivados das atividades profissionais especificamente previstas na tabela de atividades sujeitas a IRS. É dado ênfase à palavra “especificamente”, pois na verdade a tabela ao prever o código “1323 Desportistas” não se refere de forma específica aos empresários desportivos, mas parece antes querer referir-se aos praticantes desportivos. Acontece que o CAAD 4 já se pronunciou sobre esta questão, dizendo que a atividade do empresário desportivo não se enquadra de forma específica na tabela de atividades sujeitas a IRS, pois deve atender-se à atividade que é real e efetivamente exercida. Pelo que, seguindo este raciocínio, nunca poderia enquadrar-se a atividade do empresário desportivo nos termos ditados pela AT.

Sendo assim, tem necessariamente que se aplicar um coeficiente de 0,35 quando se pretenda obter o rendimento líquido de um empresário desportivo através do regime simplificado de tributação, isto por conta da al. c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS. Ou seja, do rendimento bruto, apenas 35% será tido em consideração para efeitos de IRS.

Esta linha de pensamento aplica-se ainda nos casos em que existe obrigação de retenção na fonte, nos termos do artigo 101.º do CIRS. Ou seja, pela linha de pensamento da AT estará em causa uma retenção na fonte de 25%, caso se siga o entendimento vertido pelos tribunais, então estará em causa uma tributação de 11,5%. Estamos, mais uma vez, perante duas soluções que apresentam dois resultados práticos bastante distintos, principalmente se tivermos em consideração que os empresários desportivos prestam os seus serviços não só aos atletas desportivos, mas também às sociedades desportivas. Se quanto aos primeiros não existiria obrigação de retenção na fonte (pois geralmente não possuem contabilidade organizada), quanto às segundas sim, uma vez que estas têm que possuir contabilidade organizada.

Ora, estes dois entendimentos (AT/Tribunais) apresentam soluções bastantes dispares entre si, podendo estar aqui uma forma de planeamento fiscal por parte destes sujeitos passivos, uma vez que é um direito legítimo destes. Com efeito, o princípio da autonomia da vontade atribui aos sujeitos passivos alguma liberdade na condução das suas vidas, nomeadamente no que respeita à sua atuação perante o Estado fiscal, de maneira a escolherem a atuação fiscalmente menos onerosa. Isto claro, sempre dentro dos limites impostos pela lei. Na situação em apreço, a opção pela atuação que apresenta resultados fiscais mais favoráveis, parece perfeitamente legítima, a qual deveria ser alvo de atenção por estes sujeitos passivos, uma vez que é uma forma legal de diminuírem a sua carga fiscal, obtendo-se assim a tão desejada poupança fiscal.

Este e outros temas que se relacionam com matérias relativas à tributação de agentes desportivos (englobando-se aqui os atletas, os empresários e as sociedades desportivas) serão abordados de forma mais extensiva na obra “Impostos e Futebol: as leis do jogo”, que irá ser publicada em maio deste ano pela editora Almedina.

1 Cf. com a Circular n.º 15/2011 da DGI.

2 Anexo da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto.

3 Cf. informação vinculativa emitida no âmbito do processo n.º 7/2018.

4 Veja-se a decisão do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 22/2020-T relativamente a esta questão. Nesse processo o sujeito passivo exercia a profissão de árbitro, mas pode ser seguida a mesma linha de pensamento para os empresários desportivos.