Edgar Valles

Consulte a sua obra neste link.


Advogado e autor de vasta obra jurídica, incluindo o título Nacionalidade e Estrangeiros, publicado este ano.


André Ventura apresentou na Assembleia da República um projeto inédito: de retirada de nacionalidade portuguesa a quem a tenha adquirido por naturalização e seja definitivamente condenado a penas efetivas superiores a cinco anos. O projeto de lei defendia ainda a perda da nacionalidade de pessoas que se naturalizem e mantenham outra, caso “ofendam de forma ostensiva e notória, com objetivo de incentivar ao ódio ou humilhação da Nação, a História nacional e os seus símbolos nacionais”.

Como seria de esperar, o projeto não avançou, por ter sido considerado inconstitucional. No seu relatório apresentado na Comissão dos Assuntos Constitucionais, a deputada Constança Urbano de Sousa detetou nada menos do que 13 violações de normas constitucionais.

Não foi verificada uma outra violação: a da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade (entrou em vigor em Portugal em 1/02/2002), que não permite aos Estados retirar a nacionalidade a quem cometa crimes comuns. A imposição da perda ou retirada da nacionalidade, como consequência da aplicação de uma pena, viola o princípio legal ne bis in idem (ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pelo mesmo crime).

AFASTAMENTO COERCIVO DE ESTRANGEIROS

Diferente da retirada ou perda da nacionalidade, é a expulsão de estrangeiros, com título de residência, mais propriamente o seu afastamento coercivo.

O diretor do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) não tem poderes para afastar os estrangeiros do território nacional, sendo indispensável sentença do Tribunal, ainda que a instrução do processo de afastamento coercivo seja da competência do SEF.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul considerou, a este propósito, que:

«I – Nos termos do disposto no art. 135º da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, na redação dada pela Lei nº 29/2012, de 9.8, há três tipos de estrangeiros que, mesmo que se encontrem em situação irregular, não podem ser expulsos, salvo em caso de ameaça à segurança nacional e à ordem pública: (i) os imigrantes de segunda geração, que tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente; (ii) os que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; (iii) e, finalmente, os que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente. Estes estrangeiros (em situação conforme ou desconforme com a lei) gozam de uma proteção forte face à expulsão, exceto se constituírem uma ameaça à segurança nacional e à ordem pública, circunstância em que, pese embora preencherem algum dos limites à expulsão ainda assim podem ser expulsos (administrativa ou judicialmente). II – As três alíneas do artigo 135º da Lei nº 23/2007, de 4 de julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional) não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer – e, por maioria de razão, ter cometido – atos criminosos graves. RESIDÊNCIA EM PORTUGAL 169 III – O cidadão estrangeiro ao cometer crimes de homicídio qualificado, sequestro, roubo, dano e condução sem habilitação legal, por que foi condenado à pena única de 22 anos de prisão, atentou contra a ordem pública e cometeu crimes que, pelas molduras penais respetivas, são graves. IV – Pelo que não pode beneficiar o recorrido dos limites à expulsão do território nacional previstos no artigo 135º da Lei n° 23/2007, de 4.7, com as alterações introduzidas pela Lei nº 29/2012, de 9.8.» (Relatora Alda Nunes)

NATURALIZAÇÃO DE ESTRANGEIROS CONDENADOS

Na redação primitiva do art. 6º, nº1, al.e)  da Lei nº 37/81, de 3 de outubro, exigia-se, como um dos requisitos para a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização “idoneidade moral e civil”.

Posteriormente, a Lei nº 25/94, de 19 de agosto, substituiu este requisito por “idoneidade cívica”, expressão politicamente mais correta.

Mais tarde, a Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, introduziu outro critério, mais definido: “não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.

A Lei Orgânica nº 2/2018, de 5 de julho, aligeirou o requisito, introduzindo a seguinte formulação à alínea e): “não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a três anos”. Ou seja, os 3 anos passaram a reportar-se à condenação e não à moldura penal.

Que dizer de tais alterações? Não há dúvida que a exigência de “idoneidade moral e civil” permitia o exercício de um poder discricionário. A moral de uns pode não ser a moral de outros, pelo que é de saudar a substituição pelo requisito negativo de ausência de condenação judicial. Mas já não podemos concordar com o aligeiramento de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos para a condenação em pena de prisão com essa duração.

Com esta última alteração, alarga-se o número de estrangeiros, com condenações efetivas, a adquirir a nacionalidade portuguesa.

Que interesse tem Portugal em estender a nacionalidade portuguesa a tais indivíduos, com porte criminal acentuado?

É por causa de tais facilitismos que ganham popularidade projetos de cariz ultranacionalista, como é o caso do deputado André Ventura…