João Massano


Advogado e Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados


A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) é uma instituição estrutural, pelo que representa e pelo papel que tem para quem exerce a profissão. No âmbito de uma crise inesperada, profunda, que atingiu particularmente quem é profissional liberal, percebemos que a rede que nos poderia suportar na adversidade, afinal, não tinha essa capacidade e nos deixava desamparados, sem alternativas, obrigando-nos a trabalhar para encontrar soluções para o presente, mas também a preparar o futuro.

Só que, defendo, as decisões que agora tomamos, que terão consequências significativas a prazo, devem ter por base informação e não serem forçadas pela emoção de um estado de exceção que se prolonga.

Em primeiro lugar, a CPAS é uma instituição independente porque suporta uma atividade que tem na independência um dos seus eixos identitários; não se trata de um capricho, mas de uma forma de relacionamento com a comunidade, que, até, agora, se considerou fundamental.

Depois, traduz um contrato social selado com todos os advogados e solicitadores, que lhes permitirá ter uma pensão na hora da aposentação – entre outros benefícios sociais, embora estes sejam muito pouco significativos quando comparados com a Segurança Social, por exemplo.

Os momentos difíceis que a nossa classe enfrentou – e enfrenta – na sequência da pandemia, que persiste, deixaram evidentes as diversas fragilidades da CPAS, nomeadamente, na falta de soluções de apoio concreto perante a perda de rendimentos. Por exemplo, mesmo perante uma situação de perda total, os beneficiários foram/são obrigados a manter as contribuições, o que é inaceitável.

Temos um sistema muito pouco assistencialista e que tem uma fórmula de contribuições que não está diretamente indexada aos rendimentos dos beneficiários. Estes claros desajustes já tinham sido verificados antes, mas nunca como agora se revelaram tão gritantes.

Mais do que apontar o dedo a estas ou outras fragilidades da CPAS, importa realizar uma análise profunda e séria ao sistema, perceber quais os principais problemas e estudar as vantagens e desvantagens dos caminhos alternativos para o futuro. Ou seja, criar as condições para uma decisão informada, ainda que tenha de ser rápida, porque temos de alterar a situação existente, para que o desamparo não se repita.

Este trabalho ainda não foi feito e, na ausência deste estudo, enquanto Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, considero que se torna arriscada uma pronúncia consciente, informada e responsável, sobre qual será a melhor opção:


a. Melhorar a CPAS?

b. Reformular profundamente a CPAS?

c. Integrar a CPAS na Segurança Social?

Escolher sem informação é como optar entre um tiro no escuro e um tiro no escuro.

Os solicitadores já aprovaram o direito de opção da sua classe, caso a possibilidade de descontarem para a Segurança Social seja validada. Os advogados optaram por um passo intermédio: uma assembleia geral para decidir sobre a realização de um referendo sobre essa possibilidade de opção.

Contudo, uma decisão precipitada sobre o direito de opção ou uma escolha pela integração na Segurança Social, sem que se avaliem as consequências desta decisão, poderá, por um lado, ser um erro histórico sem possibilidade de regresso ou, por outro, uma oportunidade única.

Não existe um estudo comparativo aprofundado entre as condições da CPAS e da Segurança Social que permita perceber o valor das contribuições em cada um dos sistemas, o valor das pensões resultante dessas contribuições e os diferentes benefícios existentes nos dois regimes.

É importante sublinhar que a CPAS é um sistema de Previdência baseado num sistema de repartição e, como tal, não é possível alterá-lo de um dia para o outro. Exige-se uma adequada preparação para decisões conscientes dos seus beneficiários.

Todos os caminhos acima referidos têm vantagens e desvantagens e caberá aos que contribuem para este sistema a decisão sobre qual o melhor, mas certo é que escolher sem se perceber os custos efetivos de cada um dos caminhos seria profundamente errado e teria consequências irreversíveis.

É urgente escolher, é urgente termos opções para escolher, mas não podemos fazê-lo de olhos vendados!

É preciso perceber, de forma clara, transparente e – muito importante – sustentada, quais as consequências de cada uma das opções, nomeadamente, ao nível dos impactos:

  1. nas pensões
  2. nas responsabilidades da CPAS
  3. no património da CPAS

O que irá suceder aos beneficiários que ficarem na CPAS se 10% dos contribuintes atuais decidirem optar pela Segurança Social? É possível antecipar desde já uma consequência imediata da migração de alguns ou de uma percentagem – qualquer que seja – de contribuintes para a Segurança Social? Arriscamos um desequilíbrio das contas da CPAS e, provavelmente, a sua extinção a prazo?

Não sou contra nem a favor da CPAS, sou, e serei sempre, pelos Advogados e pelas Advogadas e pelas melhores condições para exercermos a nossa atividade.

O que defendo é uma solução que possa servir a maioria dos contribuintes e beneficiários da CPAS, mas com bases técnicas. E aqui importa responsabilizar quem já devia ter feito, há muito, este trabalho de casa: a direção da CPAS.

Os beneficiários da CPAS precisam de conhecer o que podem esperar da instituição. Um Relatório de Sustentabilidade a 20 anos, como o último apresentado, apenas responde aos beneficiários que têm atualmente 45 ou mais anos. E, ainda assim, parcialmente – se utilizarmos a esperança de vida média da população portuguesa – 83 anos – quase poderíamos dizer que apenas responde aos beneficiários que têm 63 ou mais anos.

Precisamos de estudos nos prazos utilizados pelas entidades que gerem sistemas de Previdência – a 40 e a 50 anos. Quem hoje tem 25, 30 ou 40 anos e contribui para a CPAS não tem qual ideia de qual será a contrapartida, na hora da reforma.

Haverá suficientes contribuintes para cobrir as pensões de todos os que vão reformar-se (acrescidos aos que já são pensionistas)?

E como vamos garantir que temos uma maior capacidade assistencialista em alturas de crise profunda como a que atravessamos?

São muitas as questões basilares que carecem de respostas concretas, para que possamos optar por um caminho de futuro.

Precisamos de mais transparência por parte da Direção da CPAS.

Vivemos um período em que os regimes de previdência, em Portugal e na Europa, estão em permanente mutação, adaptando-se às condições económicas e, mais importante, às demográficas – o desequilíbrio entre contribuintes e beneficiários tende a agravar-se, graças a dois fatores em particular: o aumento da esperança média de vida, que aumenta a duração das reformas, e a diminuição da natalidade, que introduz cada vez menos contribuintes nos sistemas.

A direção da CPAS já devia ter respondido e preparado melhor o futuro e, acima de tudo, ter um retrato mais completo da sua “população”. Não tem um plano estratégico para responder às diferentes solicitações dos contribuintes e não conhece os seus beneficiários. A prova disso é o anúncio, com pompa e circunstância, do novo seguro de Doença. Ainda que seja algo positivo – dado que acrescenta um benefício – a CPAS desconhece totalmente quantos beneficiários o poderão utilizar. 

Trata-se de uma reação à contestação e não o resultado de uma análise profunda das necessidades dos beneficiários. Este deveria ser um ato de gestão corrente, enquadrado num Plano Estratégico e não uma reação isolada.

Não conhecendo os seus beneficiários, a CPAS não conseguirá responder a outra questão fundamental para que possamos escolher um caminho: quais são os desafios, os custos, os problemas, as vantagens e as desvantagens por grupo de beneficiários de uma possível integração na Segurança Social. Não se trata de preparar a integração, mas sim de dar aos beneficiários toda a informação para uma decisão consciente de apoio às soluções que vierem a ser apresentadas.

E se a opção surgir como a mais favorável, que a CPAS e seus representantes estejam devidamente armados com estudos credíveis que suportem as negociações com a Segurança Social para boa defesa dos interesses das Advogadas e dos Advogados.

Só assim se poderá evitar aquele que poderá ser um erro histórico – o direito de opção – sem regresso. A não ser que, em alternativa, se conclua estarmos perante uma oportunidade única.

Não podemos construir o futuro tendo como pilares a inação e a falta de visão estratégica.