André Alfar Rodrigues

Advogado Associado na SRS Advogados.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Católica Portuguesa, Escola de Lisboa.
Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (PhD).

Foi Conselheiro Pedagógico da FDUL e Coordenador do Gabinete de Erasmus e Relações Internacionais da Associação Académica da FDUL.

É investigador no Nova Consumer Lab e no Nova Compliance Lab (Nova School of Law) e Investigador no Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal (CIDEEFF) da FDUL.


O Regime de Proteção dos Denunciantes (Whistleblowers) é a mais recente obra de sua autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado a 9 de Junho 2022.

Consulte a obra neste link.


A Diretiva 2019/1937, que visa garantir a proteção dos denunciantes/whistleblowers foi transposta para o ordenamento jurídico português, através da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, e entrará em vigor a 20 de junho de 2022.

O legislador português socorreu-se do facto da Diretiva Europeia de Whistleblowing ser uma Diretiva de harmonização mínima, para conferir à Lei n.º 93/2021, um caráter mais abrangente daquele que é exigido pelas normas europeias.

Os canais de denúncia permitem a apresentação de denúncias, anónimas ou com a identificação do denunciante, sejam elas efetuadas por escrito e/ou verbalmente. Estes canais devem ser operados internamente, para efeitos de receção e seguimento de denúncia, podendo ser operados externamente, somente para efeitos de receção das denúncias.

Deve ser garantido, a todo o tempo, a independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência do conflito de interesses no desempenho das funções de quem opera os canais de denúncia.

A denúncia pode ter por objeto infrações cometidas, que estejam a ser cometidas, ou cujo consentimento se possa razoavelmente prever, bem como tentativas de ocultação de tais infrações.

É obrigatório a implementação de um canal de denúncia, quando uma empresa tenha 50 ou mais trabalhadores ou, independentemente do número, se tratem de pessoas coletivas abrangidas por legislação relativa a serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. A sua implementação é opcional para as restantes empresas que, após avaliação do risco, considerem benéfica a existência de um canal de denúncia interna.

Consideram-se como infrações, o ato ou a omissão contrária a regras da União Europeia, referentes a:

  • • Contratação pública;
  • • Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;
  • • Segurança e conformidade dos produtos;
  • • Segurança dos transportes;
  • • Proteção do ambiente;
  • • Proteção contra radiações e segurança nuclear;
  • • Segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;
  • • Saúde pública;
  • • Defesa do consumidor;
  • • Proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e;
  • • Dos sistemas de informação.

São também consideradas como infrações, os atos ou omissões contrárias aos interesses financeiros da União Europeia, às regras do mercado interno, incluindo regras da concorrência, auxílios estatais e fiscalidade societária, bem como a criminalidade violenta, especialmente organizada e altamente organizada.

Poderão beneficiar da proteção conferida, as pessoas singulares que denunciem ou divulguem publicamente uma infração, com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da sua natureza, podendo ser considerados como denunciantes:

  • • Os trabalhadores do setor privado, público ou social;
  • • Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção;
  • • Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;
  • • Voluntários e estagiários, sejam estes remunerados ou não.

Só beneficia da proteção, a pessoa singular que, de boa-fé, e tendo fundamento sério para crer que as informações são, no momento da denúncia ou da divulgação pública, verdadeiras, denuncie ou divulgue publicamente uma infração. Também um denunciante anónimo, que seja identificado posteriormente, beneficia da proteção, caso preencha os requisitos enunciados.

O denunciante que apresente uma denúncia externa, só beneficia da proteção se, aquando da apresentação, ignorava, sem culpa, tais regras.

A proteção conferida é extensível a:

  • • Pessoas singulares que auxiliem o denunciante no procedimento de denúncia e cujo auxílio deva ser confidencial;
  • • Um terceiro que esteja ligado ao denunciante (ex: colega de trabalho ou familiar que também possa sofrer com retaliações);
  • • Pessoas coletivas ou entidades equiparadas que sejam detidas ou controladas pelo denunciante.

A qualidade de denunciante aplica-se também a pessoas singulares que tenham mantido uma relação profissional entretanto cessada (ex: ex-trabalhador) ou ainda a pessoas singulares que não tenham iniciado uma relação profissional, mas que obtiveram a informação numa fase de negociação pré-contratual.

As denúncias podem ser internas, externas ou divulgadas publicamente. O denunciante só pode socorrer-se de canais de denúncia externa quando:

  • • Não exista um canal de denúncia interna;
  • • O canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denuncias efetuadas por trabalhadores, não tendo o denunciante essa qualidade;
  • • Tenha motivos razoáveis para crer que a infração não será eficazmente conhecida ou resolvida, ou ainda que exista risco de retaliação;
  • • Tenha inicialmente apresentado uma denúncia interna, sem lhe terem sido comunicados as medidas previstas ou adotadas na sequência da denúncia nos prazos adequados; ou
  • • A infração constitua crime ou contraordenação punível com coima superior a €50.000,00.
  • • A denúncia só pode ser divulgada publicamente quando:
  • • Existam motivos razoáveis que a infração possa constituir um perigo iminente ou manifesto para o interesse público, ou que não possa ser eficazmente conhecida ou resolvida pelas autoridades competentes;
  • • Exista um risco de retaliação, inclusivamente em caso de denúncia externa; ou
  • • Quando o denunciante tenha apresentado uma denúncia interna e uma denúncia externa, sem que tenham sido adotadas as medidas adequadas.

As entidades obrigadas devem notificar, no prazo de sete (7) dias desde a receção da denúncia, o denunciante da receção da sua denúncia, devendo informá-lo, de forma clara e acessível, dos requisitos das autoridades competentes, da forma e da admissibilidade da denúncia externa.

No seguimento da denúncia, devem ser praticados todos os atos necessários à verificação das alegações contidas na denúncia apresentada.

As entidades obrigadas devem, no prazo máximo de três (3) meses, a contar da data de receção da denúncia, comunicar ao denunciante, as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia e respetiva fundamentação.

A violação das disposições contidas na Lei de Whistleblowing resultará na prática de contraordenações, a serem aplicadas pelo mecanismo nacional anticorrupção, puníveis com coimas que podem variar entre:

  • • € 1.000 a € 25.000 ou de € 10.000 a € 250.000, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva, no caso de contraordenação muito grave;
  • • € 500 a € 12.500 ou de € 1.000 a € 125.000, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva, no caso de contraordenação grave.

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (“CNPD”) no passado estabeleceu, através da Deliberação n.º 765 /2009, os princípios e condições gerais aplicáveis aos tratamentos de dados pessoais com a finalidade de Comunicação Interna de Atos de Gestão Financeira Irregular (Linhas de Ética). O tratamento destes dados não podia iniciar-se no passado, antes da obtenção da respetiva autorização da CNPD, a emitir nos termos e condições fixadas após notificação do tratamento a esta Comissão. Desta forma, em virtude da criação da Lei n.º 93/2021, as Orientações da CNPD terão de ser naturalmente revistas, sendo adaptadas às necessidades legais atuais.