Mercília Pereira Gonçalves

Licenciada em Direito (2019), Mestre em Direito dos Contratos e da Empresa (2021)


O Notário e a Atividade Notarial – Certeza e Segurança Jurídica é a recente obra de sua autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado desde 9 de Junho 2022.

Consulte a obra neste link.


1. O princípio da legalidade

A segurança jurídica concretiza-se no âmbito notarial no fundo, com o controlo da legalidade que o notário realiza. A fase do controlo da legalidade é extremamente importante no campo da segurança jurídica preventiva[1]. Esta prevenção surge associada ao campo da eliminação de um conflito, do evitar do despoletar de um conflito, porque os notários agem de acordo com a firmeza necessária para a eliminação do conflito à posteriori.

O princípio da legalidade encontra-se expresso no art. 11.º do Estatuto do Notariado, começando por prescrever o seguinte: “O notário deve apreciar a viabilidade de todos os atos cuja prática lhe é requerida, em face das disposições legais aplicáveis e dos documentos apresentados ou exibidos, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal e substancial dos referidos documentos e a legalidade substancial do ato solicitado.” Tal significa que o notário analisa todos os atos que lhe são requeridos, incluindo os termos de autenticação e os reconhecimentos cuja legalidade lhe é pedida e isso é inegável, porque a certeza e a segurança que o notário aprecia serve como uma porta-chaves para a garantia da segurança jurídica preventiva.

 O art. 11.º é dos princípios mais marcantes da função notarial e com ele existe uma apreciação formal e substancial dos títulos[2] O princípio da legalidade exige um controlo das formalidades legais e do conteúdo do negócio que se contém no documento[3]. Mas, o art. 4.º do Estatuto do Notariado desempenha uma função maior e mais exigente, o notário redige o instrumento público de acordo com a vontade dos interessados, devendo indagá-la, interpretá-la e adequá-la ao ordenamento jurídico, esclarecendo-os do seu valor e alcance e exercer todas as demais competências exercidas por lei. Esta parte normativa representa o controlo notarial em sentido positivo caraterizado pela autorização do negócio jurídico e na sua essência a atribuição de fé pública notarial, controlo esse positivo que lhe chama Barea Martínez[4], sendo que a autora divide o controlo notarial positivo em três parâmetros: conselho e assistência, o dever de informação e a assessoria propriamente dita.

2. O conselho e assistência

Em resumo, no conselho e assistência, o notário informa os outorgantes dos seus direitos e obrigações, assim como das consequências das suas escolhas, oferecendo um conselho adequado[5].O dever de conselho surge quando o notário tem de oferecer uma escolha entre as várias soluções de direito[6] e por essa razão, o dever de conselho é visto como um “dever de assistência imparcial”, imparcialidade essa que subjaz a toda a função notarial, apresentando uma ligação forte com a imparcialidade típica da função notarial.

3. A assessoria propriamente dita

Por sua vez, a assessoria respeita ao trabalho do notário na transposição no instrumento público das declarações de vontade dos outorgantes de acordo com a lei. Nesta fase, o notário leva as partes à solução jurídica mais adequada, de maneira que o negócio jurídico seja eficaz. Também a assessoria se cinge ao controlo notarial em sentido positivo que lhe demos, o notário não se limita a um controlo notarial em sentido negativo na perspetiva da recusa da prática do ato notarial, mas ao diálogo jurídico entre as partes para a boa solução do caso em concreto. A assessoria afigura-se como uma etapa fundamental no notariado, porque as pessoas nem sempre têm o discurso no bom rigor das palavras perfeito e por essa razão, o notário auxilia na interpretação jurídica necessária à transposição das declarações de vontade dos outorgantes, mas que não é limitado a uma mera apreensão daquelas declarações de vontade, é todo o resultado de um árduo trabalho interpretativo, de recolha dessas declarações. A assessoria propriamente dita digamos que é a etapa mais importante, porque engloba o próprio dever de informação e no fundo, o conselho e a assistência, pelo que estimula a uma simples e pacífica concretização do direito[7], gerando a atividade notarial a dita segurança jurídica preventiva.

4. Controlo notarial negativo

O controlo notarial negativo diz respeito à recusa dos atos notariais que no fundo conduzem ao vício jurídico de nulidade e dessa maneira, contrários ao ordenamento jurídico[8]. A locução “não” exprime um desagrado jurídico expresso na recusa do ato notarial, mas esse “não” é necessário, para que a lei não seja violada, porque o notário não pode validar um ato jurídico que seja ferido de nulidade ou outro vício subjacente a esse, como as nulidades por vício de forma ou outros casos de nulidade que o próprio Código do Notariado contempla, mais precisamente nos artigos 70.º e 71.º do referido Código.

A nulidade formal é aquela que pode inquinar o instrumento notarial e não a substantiva, no sentido de que esta pode afetar o negócio jurídico que se contém no instrumento público. O negócio jurídico pode ser válido, mas o instrumento notarial pode não o ser, por apresentar um vício de forma, ou seja, uma nulidade formal, mas o notário tem na mesma de conhecer as normas civilísticas em que a formalização lhe é pedida, mas que o Código do Notariado não as traduz na íntegra, quem o faz é o Código Civil e o notário como bom jurista que é, estará mais que apto para as conhecer no rigor dos princípios. Um bom argumento que traduz a nossa afirmação assenta na recusa do ato notarial, nos termos do art. 173.º, n.º 1, a) do Código do Notariado que respeita a uma nulidade substantiva[9], no entanto se a nulidade for formal, o notário deve na mesma recusar a prática do ato notarial. O Código do Notariado anotado de 1967, em anotação ao art. 190.º que corresponde ao atual 173.º do Código do Notariado referia isto mesmo, continuando a fazer todo o sentido esta referência na atualidade[10].

 É totalmente adequado que o Código do Notariado se restrinja aos vícios de forma, uma vez que o Código Civil já se ocupa dos vícios substantivos, sendo certo que o regime de nulidades é diferente, dado que o instrumento notarial é inválido se for nulo, mas continua a ser válido se for anulável, devendo o notário consignar as advertências feitas para esse sentido, nos termos do art. 11.º, n.º 3 do Estatuto do Notariado e do art. 174.º, n.º 2 do Código do Notariado.

Diferentemente do Código Civil, as nulidades são sanadas, revalidadas ou confirmadas e por essa razão, não são verdadeiras nulidades de acordo com o regime jurídico típico do Código Civil. Às nulidades formais vem acrescentar-se a incompetência do notário, em razão da matéria ou do lugar, ou do seu impedimento, da incapacidade ou inabilidade dos intervenientes acidentais (art. 68.º do CN).

São estas nulidades as designadas por atípicas e tudo isto tem uma verdadeira explicação. Primeiro, o art. 71.º, n.º 1 do CN em conjugação com o art. 369.º, n.º 1 do CC vem explicar precisamente que o ato é nulo, mas é válido quanto ao seu conteúdo, isto é, quanto à sua natureza substancial[11]. O documento notarial autêntico é destruído na sua essência de força probatória plena e executiva, dando lugar ao simples documento particular, uma vez assinado pelas partes, o qual apresenta a mesma eficácia probatória do documento particular e semelhante valor, já que é lavrado por oficial público incompetente ou impedido por lei de o praticar.

5. Certeza e segurança jurídica no controlo da legalidade efetuado pelo notário

A certeza jurídica funda-se na certeza normativa de que o conteúdo do negócio jurídico é válido de acordo com o ordenamento jurídico. A ser assim, a certeza normativa conhece e bem o estipulado no art. 4.º, n.º 1 do Estatuto do Notariado, pelo que lhe é justificável ao nível da certeza, o conteúdo exarado pelo referido artigo. A certeza está na vontade dos interessados que se deve adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo o seu valor e alcance. Este valor e alcance para além de ser certo do ponto de vista da convicção normativa, é um valor ligado à preocupação de se compreender o que as partes evidentemente pretendem. Já o alcance reside precisamente nessa preocupação, que se esmera no fundo no até onde se pode ir para obtenção dos objetivos propostos, daí que o alcance seja fundamental do ponto de vista da interpretação jurídica.

A certeza que se quer, é a certeza da adequação da expressão da vontade das partes à lei e que reside no controlo notarial positivo que lhe demos inicialmente. Esse controlo notarial positivo garante esta certeza jurídica do querer e entender a vontade das partes, para a fim adequá-las à norma jurídica concreta. É um querer normativo que luta pelo alcance da realidade jurídica, do querer e entender aquilo que mais as partes ousam e querem ver publicado no instrumento público ou notarial.

O instrumento público é dotado de certeza jurídica e no limite de segurança jurídica, porque existe um controlo da legalidade efetuado pelo notário, no qual a validade do negócio jurídico é justificativa dessa mesma segurança. A validade reside também, na força probatória plena e executiva do documento notarial e quiçá na certeza dos factos e do conteúdo do documento notarial. A segurança jurídica prende-se com o princípio da proteção da confiança, ao contrário da certeza jurídica, uma vez que a segurança é a tutela da expetativa, a previsibilidade que pode ter o cidadão, ou seja, o destinatário do direito na ação do legislador[12] e não tem o mesmo significado, porque a segurança ao confiar no princípio da proteção da confiança contenta-se com deduções de probabilidade e já não com aquilo que é mais certo e até mesmo confiável sob o ponto de vista daquilo que é mais certo no momento e em termos jurídicos concretos.

O conceito de certeza jurídica prende-se com a certeza da efetivação da norma e do seu conteúdo, por essa razão é essencial que o notário se aperceba da dimensão normativa que tem em antemão, para poder concretizar a situação individual e concreta. A certeza jurídica está presente na fé pública que impõem para determinados atos o seu registo e dos termos em que são concretizados os negócios, através da formalização dos atos notariais destacando-se a usucapião (arts. 1287.º a 1301.º do CC) que impede que uma situação jurídica se torne incerteza, pois sem o recurso à usucapião, a coisa estaria na posse de alguém que não o seu real e verdadeiro proprietário[13].

Os valores de certeza e de segurança são efeitos da atividade notarial e concludentemente finalidades do direito e assentam no controlo da legalidade efetuado pelo notário, por ser mais certo e seguro o caminho levado a cabo por esse controlo. É um controlo simples, ao nível dos pressupostos formais e do respetivo conteúdo do negócio jurídico, mas simples não é contrário a eficácia e por isso mesmo, a eficácia tem lugar quando o controlo é realizado na sua plenitude. Este controlo também se verifica com o princípio da legalidade, pois a conformidade legal eleva o controlo normativo.

Na lógica de uma definição concreta para controlo da legalidade, podemos afirmar que ele é a auscultação, o exame, a interpretação, o conselho, o auxílio e a conformação legal, seguindo-se por escrito daquilo que se apreciou e foi devidamente apreendido com rigor e na lógica de cumprimento do princípio da legalidade consagrado no art. 11.º do Estatuto do Notariado[14]. Por isso mesmo, o notário autoriza atos que segundo a sua valoração são válidos de acordo com o ordenamento jurídico e recusa atos notariais inválidos na fama do art. 11.º, n.º 2 do Estatuto do Notariado.

A certeza jurídica faz exaltar a presunção da legalidade de que o negócio é conforme à lei e ao ordenamento jurídico. Com a certeza e a legalidade, mora uma noção de segurança jurídica, pois as validades formais e substanciais implicam uma confiança na lei e na própria função notarial[15].

Quer o controlo notarial positivo, quer o controlo notarial negativo fundam-se na certeza normativa, porque o notário conhece de antemão as normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto e por conhecê-las, não deixa que um ato notarial ferido de nulidade seja válido face ao ordenamento jurídico. A certeza normativa ou jurídica é um elemento forte para a concretização do direito, dela emanam uma concretização quase plena do direito e declaramos que é quase plena, na medida daquilo que é necessário para cada situação individual e concreta.

O contrato de compra e venda é o contrato mais típico dos cartórios notariais e a certeza que se quer oferecer reside muito nas posições em definitivo que o vendedor e comprador detêm e a tudo isso se deve uma explicação concreta e rigorosa dessas posições, que o notário garante como oficial público que é. A assinatura do notário é a chave da legalidade, nela residindo uma autorização do instrumento público e a atribuição de fé pública notarial[16].

A segurança contratual reside muito nas posições jurídicas que cada um detém, segurança essa que resulta de uma completa indagação, de uma interpretação jurídica e de uma análise ao nível da normatividade presente. Pode bem ser o negócio jurídico de tal cortesia, em que os interessados vão pela primeira vez, comprar casa e por isso mesmo, devem ser bem acompanhados e auxiliados na velha questão dos parâmetros que estão em jogo: o controlo da legalidade deve, pois, ser garantido e as partes devem pautar-se pelo auxílio desmedido do notário. A segurança jurídica reside, pois, bem nesse controlo notarial positivo e negativo que como sabemos acompanha a autorização e a recusa do ato notarial, mas são estas palavras-chave a luz do caminho desse controlo que deve ser preciso e coerente numa escolha da vontade das partes derramada no papel timbrado, falemos então, do instrumento público.

O instrumento público é o resultado de toda uma certeza e segurança jurídica a que muito se deve o controlo da legalidade realizado pelo notário. O notário está bem certo nas questões que tem a resolver e dota o documento notarial de uma segurança infinita extrema, já que a sua presença caraterística da sua profissão de profissional liberal e oficial público o exige. Segurança jurídica no documento notarial? Interroguemo-nos e imediatamente respondemos à questão sem medo, o documento notarial é único, detém força probatória plena e executiva e está saciado de certeza, ao nível dos factos e do conteúdo documental.

Não haja dúvidas de que o notário realiza certeza e segurança jurídica na realização do controlo da legalidade inconfundível por este jurista, que é quem melhor elege esse controlo, por todas as suas caraterísticas e apoio incondicional à parte que o procura para a boa prática notarial. Só assim se luta pela boa realização do direito, pela concreta e pacífica realização desse direito.

Problemática sobre o duplo controlo da legalidade

No notariado espanhol surgiu uma discussão em torno do duplo controlo da legalidade há alguns anos, questão esta que acabou por se dispersar na maioria dos países europeus.

José González considera que o controlo da legalidade do registo traduz-se num segundo controlo da legalidade ou segunda qualificação, uma vez que a verificação do conservador apresenta critérios idênticos ao controlo realizado anteriormente pelo notário[17]. Mas, para Mouteira Guerreiro os controlos são distintos, apresentando finalidades e perspetivas diferentes[18]. Esta é a nossa posição, uma vez que o primeiro controlo diz respeito à formalização do ato notarial e o segundo controlo tem em vista a publicitação do direito no comércio jurídico imobiliário, ou seja, o registo. Seria uma contradição que a pessoa que formalizasse o ato notarial fosse exatamente a mesma a registá-lo.

 Estas funções devem continuar a ser exercidas por profissionais de direito distintos, o notário e o conservador. O princípio da imparcialidade subjaz a toda a atividade notarial e está aqui implícito, uma vez que o notário é imparcial na formalização do ato notarial. Trata-se de um conflito de interesses, dado que o notário que formalizasse o ato e procedesse de seguida, à sua análise em sede registal, não teria grande interesse que o seu ato fosse recusado ou registado provisoriamente por dúvidas[19]. Portanto, o controlo na fase do registo é sempre necessário.

Eliminação parcial do controlo notarial

A consequência do controlo notarial prende-se essencialmente com o seguinte: o notário que na formalização do ato procedesse a um controlo da legalidade, eximia-se o segundo controlo realizado pelo conservador, porque um deles basta, sendo, portanto, suficiente. No entanto, se existir apenas o controlo realizado pelo conservador, exime-se aqui também o primeiro de todos: o do notário. Quando o ato notarial é realizado por outros profissionais do direito: solicitador ou advogado existe apenas o controlo do conservador, o que não quer significar que estes dois juristas não o realizem. É claro que realizam, mas a perspetiva do notário não entra. Deste modo, impede-se um controlo duplo.

Diz Mercília Gonçalves que a fragilidade deste tema está precisamente na eliminação do controlo notarial e consequentemente, do documento autêntico notarial, da sua certeza e segurança jurídica[20]. Isto porque, o notário é um profissional do direito disciplinado e sobredotado nas questões prévias notariais. Devido a uma disputa entre o que é ou não necessário, o legislador português entendeu que o controlo na fase do registo é suficiente, pelo que eliminou a escritura pública, substituindo-a pelo documento particular autenticado. Tudo isto explica o facto de se terem atribuído competências às Conservatórias e Oficiais de registo, para titularem negócios sobre imóveis, através da criação do procedimento especial de transmissão, oneração e registo de prédios (Casa pronta), do Balcão das heranças e divórcios com partilha e da Empresa na hora[21].

O legislador eliminou parcialmente o controlo notarial, porque quem recorre ao notário continua a ter acesso à formalização dos atos por escritura pública, tratando-se de uma simples escolha, razão pela qual conotamos a designação de parcial.

Recusas

Dentro do controlo notarial negativo, o ato notarial é recusado nos termos do art. 173.º do Código do Notariado:

  • Se o ato padece do vício da nulidade.
  • Sempre que o notário não tiver competência ou se verifique um caso de impedimento legal.
  • Quando tenha “dúvidas” acerca da “integridade das faculdades mentais dos intervenientes”
  • “Se as partes não fizerem os devidos preparos”
  • Sempre que “a alguma das partes for vedada a intervenção como parte no negócio, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 37.º do Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, aprovado em anexo à Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto.

O art. 173.º vem no fundo repetir o art. 11.º, n.º 2 do EN, mas acrescenta duas alíneas, a d) e a e).

A alínea a) do n.º 1

O controlo notarial negativo diz respeito à nulidade substantiva, ou seja, a que afeta o negócio jurídico que contém o instrumento notarial, colocando em causa o conteúdo negocial e não propriamente a que inquina esse documento por padecer de um vício formal. Isto é, a nulidade substantiva prevalece sobre a nulidade formal, porque é a substantiva que abrange o instrumento notarial. As nulidades substanciais são extensas em catálogo, tornando-se importante que o notário tenha o devido conhecimento das normas de direito civil.

No Código Civil destacamos entre outras normas, (a) o art. 220.º – casos de nulidade por não ter sido observada a forma legal do negócio jurídico; (b) os negócios simulados (art. 240.º); os negócios jurídicos subordinados a “condição contrária à lei ou à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes” ou sujeitos a condição suspensiva que seja física ou legalmente impossível (art. 271.º); (d) os negócios jurídicos que tenham um objeto “física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável” ou os que sejam contrários à “ordem pública”, ou ofensivo dos bons costumes (art. 280.º); (e) os negócios jurídicos celebrados contra lei imperativa, a menos que outra solução resulte da lei (art. 294.º); (f) o contrato de compra e venda sobre bens alheios (art. 892.º); (g) a doação sobre bens alheios (art. 956.º); (h) o fracionamento de prédios rústicos em “parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do país (arts. 1376.º e 1379.º, n.º 1); (i) a alienação ou oneração sob o regime da compropriedade da “parte especificada da coisa comum” sem consentimento dos outros consortes (art. 1408.º); (j) a falta de pressupostos legais na constituição do regime da propriedade horizontal (arts. 1415.º e 1416.º); (k) a doação entre cônjuges casados sob o regime imperativo da separação de bens (art. 1762.º); (l) “o testamento feito por incapaz” (art. 2190.º); (m) os casos de indisponibilidade relativa (arts. 2192.º a 2198.º).

A alínea b) do n.º1

Quando o ato notarial se encontra fora da esfera da competência material ou territorial do notário ou se ele estiver impedido de o praticar, remete-se para o art. 4.º do CN e do EN, respeitante à competência dos notários e nos arts. 5.º e 6.ºº do CN, 13.º e 14.º do EN e 75.º e 76.º do EON que respeitam aos impedimentos legais, na égide do princípio da imparcialidade.

O controlo notarial negativo não remete de forma única para a recusa de atos nulos, mas reflete-se também na inobservância do princípio da imparcialidade, logo, no desrespeito da deontologia notarial e da própria função notarial que se rege pelo cumprimento efetivo dos princípios da sua atividade, o que pode originar infrações disciplinares graves.

A alínea c) do n.º1

Sempre que o notário tenha dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos intervenientes acidentais, podemos afirmar que estes deixam de constituir causa de recusa, se o ato notarial for lavrado com a intervenção de dois peritos médicos que sejam capazes de garantir a sanidade mental dos outorgantes, a pedido destes ou do notário (art.67.º, n.º4 do CN). Esta situação apenas se verifica se o notário tiver dúvidas, uma vez que senão hesitar e constatar que não tem capacidade, a prática deste ato conduzirá à nulidade, nos termos do art. 71.º do CN e não pode esta circunstância de maneira alguma ser ultrapassada pela intervenção médica na feitura do instrumento.

O recurso à intervenção médica no ato notarial exige que seja prestado um compromisso de honra pelos peritos médicos, com determinação das causas que designaram a sua intervenção (art. 46.º, n.º 1 do CN).

Alínea d) do n.º 1

No que se refere à alínea d) do n.º 1 do art. 173.º do CN, que diz respeito à recusa do notário quando as partes não façam os preparos devidos, é de evidenciar que nos termos do seu n.º 3, este fundamento de recusa não se verifica quando o ato se trate de testamento público ou instrumento de aprovação de testamento cerrado ou internacional.

A recusa da prática do ato notarial pode verificar-se quando as partes não efetuem o pagamento destes preparos, com exceção dos testamentos, por isso, pode o notário impor, “a título de provisão, quantias por conta dos honorários ou despesas” (art. 19.º, n. 4º do EN).

Alínea e) do n. º1

Quanto à alínea e) do n. º1 do art. 173.º do CN, sobre a recusa quando a alguma das partes for vedada a intervenção como parte no negócio, na sequência da alínea g) do n.º 1 do art. 37.º da Lei 89/2017, de 21 de agosto. Definamos Registo Central do Beneficiário Efetivo. O registo central do beneficiário efetivo é composto por uma base de dados cuja gerência pertence ao Instituto dos Registos e do Notariado e que contém a informação necessária, exata e atualizada “sobre a pessoa ou as pessoas singulares” que detêm a propriedade, ainda que indiretamente ou por intermédio de terceiro, “o controlo efetivo das entidades a ele sujeitas”. Ao Registo Central do Beneficiário Efetivo estão sujeitas as entidades elencadas no art. 3.º da referida Lei n.89/2017, que possuam número de contribuinte português, de entre as quais, entre outras pessoas coletivas, se sublinham as “associações”, cooperativas, fundações, sociedades civis e comerciais” e que devem prestar informação acerca dos seus beneficiários efetivos e sobre o interesse económico que detêm.

O art. 37.º, n.º 1, alínea g) declara de forma explícita que “enquanto não se verificar o cumprimento das obrigações declarativas e de retificação” previstas neste regime, mais propriamente, nos arts. 5.º a 16.º quanto às primeiras e arts. 25.º e 26.º quanto às segundas, as entidades que se apontaram são proibidas de “intervir como parte em qualquer negócio” cujo objeto seja a “transmissão da propriedade (onerosa ou gratuita) ou a “constituição, aquisição ou alienação de quaisquer outros direitos reais de gozo ou de garantia sobre quaisquer bens imóveis. Resulta do n.º4 do art. 173.º que no pleno cumprimento do disposto no art. 37.º, n.º1, alínea g), o notário tem mesmo de consultar o Registo Central do Beneficiário Efetivo, por via eletrónica.

O número 5

Como salienta o n.º 5 do art. 173.º do CN, a recusa tem lugar sempre que tal se revele necessário em “matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo”. Este número 5, foi adicionado ao Código do Notariado pela Lei n.º83/2017, de 18 de agosto que apresenta as medidas de combate ao então designado, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

Compete-nos salientar que é fundamental a recusa do notário quando as partes requeiram o pagamento em numerário, em valor igual ou superior a 3000 mil euros, nos termos do art. 63.º E, n.º1, tal como a recusa sobre o pagamento de impostos cujo valor fique acima dos 500 euros, conforme resulta do seu n.º5.


[1] Neste sentido, Garcia Más Javier – “O controlo da legalidade seu significado”, in O Notariado em Portugal, na Europa e no Mundo: O Notariado do Sec XXI – Desafios da Modernidade. Lisboa: Petrus, Ordem dos Notários Portugal, maio de 2007. No mesmo sentido, Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 46.

[2] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 46.

[3] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 29.

[4] Barea Martínez, Maria Teresa -“El Oficio de Notário y el Control Notarial de la Legalidad: Garantía de Libertad, Seguridad y Prosperidad”, in Discurso de Ingreso en la Real Academia de Jurisprudencia y Legislación de Granada, outubro de 2019, p. 22.

[5] Deckers, EricFunção notarial e deontologia. Coimbra: Almedina, 2005, p.31.

[6] DECKERS, Eric -Função notarial e deontologia. Coimbra: Almedina, 2005, p.31.

[7] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 69.

[8] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 71.

[9] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 74.

[10] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 75.

[11] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 76.

[12] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 22.

[13] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 24.

[14] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 59.

[15] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 59.

[16] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 60.

[17] González, José Alberto – Qualificação de actos registáveis com intervenção notarial (Duplo controlo da legalidade). Lisboa: Boletim dos Registos e do Notariado, n. º1, 2004, pp. 1-7.

[18] Neste sentido, Guerreiro, J. A. Mouteira – Temas de Registos e de Notariado. Coimbra: Almedina, 2010, p.620.

[19] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídica. Tese de Mestrado. Braga, junho de 2021, p. 53.

[20] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídicaop.cit., p. 56.

[21] Gonçalves, Mercília Pereira – O notário e a atividade notarial: certeza e segurança jurídicaop.cit., p. 56.