Francisca Moreira

Licenciatura em Direito pela Universidade de Coimbra e Mestrado Forense em Direito e Processo Penal pela Universidade Católica Portuguesa.
Curso de Especialização em Compliance pelo Instituto de Direito Económico e Europeu, Coimbra. Curso de Direito da Insolvências e Recuperação de Empresas pelo Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra.
Foi Advogada e Formadora entre 2021 e 2023. Atualmente é Auditora de Justiça do 40.º Curso de Formação do Centro de Estudos Judiciários, na vertente de Magistratura Judicial.


A Liberdade Condicional – O Efeito da Interiorização da Culpa e Reconhecimento da Prática do Crime na Mobilização do Instituto é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a partir de 18 de Abril de 2024.

Consulte a obra neste link.


Na sequência do cenário político vivido no nosso País, em sede de campanha eleitoral, chega mais uma vez à ribalta, entre outras questões, a discussão sobre razoabilidade e necessidade do aumento das penas aplicáveis, ou até do regresso da perpetuidade, a sua eficiência e até a suficiência do próprio sistema judicial.

A efetividade do cumprimento de uma pena atinge-se com o culminar das finalidades que o legislador a estas impôs e que, tantas vezes, parecem ser esquecidas. De facto, os holofotes desviam-se da fase executiva das penas e das medidas de segurança, quando é aqui que o condenado assume as vestes de ator principal no palco de justiça.

Dispõe o art. 40.º do Código Penal que “1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”. O legislador deixou assim claro que a condenação opera no nosso ordenamento jurídico numa ótica preventiva e não retributiva. Ultrapassado está, pois, o reflexo de castigo pelo “mal do crime” no processo penal.

Pergunta-se: poderá um indivíduo ressocializar-se totalmente isolado da sociedade? Não temos dúvidas que a resposta terá que ser, inevitavelmente, negativa. A pena serve o seu propósito preventivo, quer geral quer especial, precisamente quando assume, em prática, o que o legislador previu de forma inequívoca: o empenho do Estado e da justiça na verdadeira ressocialização e reintegração do indivíduo na comunidade. E isso opera por variadas formas, desde a condenação e primeiro minuto da execução da pena até à sua extinção.  

É precisamente neste prisma que o instituto da liberdade condicional opera, a qual integra e intensifica a execução da pena na vertente da ressocialização do condenado. A flexibilização da pena de prisão é uma componente primordial desta na reinserção do recluso na sociedade. Porém, infelizmente a desinformação acerca da sua ratio provoca, muitas vezes, equívocos quanto à sua aplicação, sobretudo diante dos desconhecedores da lei O cidadão continua a entendê-la como uma antecipação da libertação do condenado, pronunciando-se as mais das vozes pela sua ineficácia.

No entanto, a liberdade condicional não vislumbra a transformação dos condenados em pessoas dotados de um sentido ético imaculado, pelo que o legislador afastou da letra da lei requisitos como o arrependimento, a interiorização da culpa ou o reconhecimento da prática do crime enquanto pressupostos de mobilização deste instituto (chegando aliás a ter, por vezes, caráter obrigatório!). Ainda que a presente obra se não pronuncie pela radicalidade, não se pode entender a ausência destas referências como uma lacuna. Em bom rigor, não são o arrependimento nem a interiorização da culpa fatores decisivos, mas meras ferramentas. Os critérios no fundo serão a estagnação da personalidade do condenado desde o momento da prática do crime e o perigo de voltar a cometer crimes, esses sim, plasmados na lei.

Consideramos que o frequente e infeliz insucesso da condenação, traduzido nos números de reincidência que se verificam, não se motiva somente com más condições de operacionalização durante o cumprimento das penas no sistema carcerário. Não basta educar o agente para a comunidade, a comunidade também precisa de se consciencializar e adaptar-se para o regresso do indivíduo ao seu seio. Nas palavras de Brissot Warville, “o culpado é um doente ou um ignorante; torna-se necessário curá-lo, instruí-lo e não asfixia-lo”. Para que o sistema não o faça, terá que se dar as mãos à justiça, acreditar na sua eficiência, contribuir para a chegada à medalha da reintegração sem largar a mão do recluso a meio da corrida. Como concluímos na obra ora publicada, entendemos que a chave mestra para que a comunidade acredite na justiça, é começar por acreditar na comunidade.