João Leal Amado

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra         

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1.  A suspensão do contrato no Código do Trabalho

É sabido que, sendo um contrato duradouro, o contrato de trabalho pode ficar transitoriamente suspenso, isto é, o contrato pode não se extinguir, não terminar, não morrer, mas manter‑se como que em estado latente, vivo, mas adormecido, em “hibernação jurídica”. A suspensão do contrato de trabalho consiste precisamente, nas palavras de Jorge Leite, na coexistência temporária da subsistência do vínculo contratual com a paralisação de algum ou alguns dos principais direitos e deveres dele emergentes. Trata‑se de um instituto que se filia no princípio da conservação do contrato, traduzindo‑se numa manifestação do direito à estabilidade no emprego, através da garantia do chamado “direito ao lugar”.

Quanto aos efeitos da suspensão do contrato, o art. 295.º do Código do Trabalho (CT) determina que: i) durante a suspensão, mantêm‑se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho (n.º 1); ii) o tempo de suspensão conta‑se para efeitos de antiguidade (n.º 2) e a suspensão não tem efeitos no decurso do prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais (n.º 3); iii) terminado o período de suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efetiva prestação de trabalho (n.º 4).

Importa, porém, distinguir as várias modalidadesde suspensão do contrato, previstas pelo CT. Ora, a este respeito, decorre do art. 294.º que a suspensão do contrato de trabalho poderá fundamentar‑se na impossibilidade temporária de prestação de trabalho por facto relativo ao trabalhador (suspensão individual, em caso de doença ou acidente sofrido pelo trabalhador, por exemplo) ou por facto relativo ao empregador (suspensão coletiva, em caso de encerramento temporário do estabelecimento, por exemplo). Também o acordo entre as partes poderá originar a suspensão do vínculo (suspensão consensual, como sucede na licença sem retribuição ou na pré-reforma). E o CT prevê ainda uma hipótese, algo atípica, de suspensão do contrato por iniciativa do trabalhador, fundada na falta de pagamento pontual da respetiva retribuição (suspensão pelo trabalhador em situação de “salário em atraso”), bem como uma outra, também peculiar, resultante do fenómeno da violência doméstica (suspensão do contrato pelo trabalhador que seja vítima de violência doméstica, caso não exista outro estabelecimento da empresa para o qual possa ser transferido ou até que ocorra tal transferência).

2.  Suspensão em situações de crise empresarial, à luz do Código do Trabalho

Nos termos do n.º 1 do art. 298.º do CT, o empregador poderá suspender os contratos de trabalho «por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afetado gravemente a atividade normal da empresa, desde que tal medida seja indispensável para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho».

Quando tal suceda, o empregador deverá comunicar a sua intenção de suspender a prestação do trabalho à estrutura representativa dos trabalhadores ou, na sua falta, a cada trabalhador a abranger, disponibilizando, para consulta, os documentos em que suporta a alegação de situação de crise empresarial, designadamente de natureza contabilística e financeira (art. 299.º), após o que se abre uma fase de informações e de negociação entre as partes, com vista à obtenção de um acordo sobre a matéria (art. 300.º). A suspensão do contrato deve ter uma duração previamente definida, não superior a seis meses (o prazo de suspensão pode ser de um ano, em caso de catástrofe ou outra ocorrência que tenha afetado gravemente a atividade normal da empresa), prazo que poderá ser prorrogado por mais seis meses, mediante decisão escrita e fundamentada do empregador (art. 301.º).

Quanto aos direitos e deveres das partes durante o período de suspensão, a lei estabelece que o trabalhador terá direito «a auferir mensalmente um montante mínimo igual a dois terços da sua retribuição normal ilíquida, ou o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondente ao seu período normal de trabalho, consoante o que for mais elevado» (art. 305.º, n.º 1, al. a)) ─ assim se garantindo ao trabalhador um rendimento equivalente à retribuição mínima garantida ou a 2/3 da remuneração que ele auferia normalmente, conforme o que for mais alto ─, bem como a exercer outra atividade remunerada (art. 305.º, n.º 1, al. c)). Durante esse período, o trabalhador tem direito a compensação retributiva na medida do necessário para, conjuntamente com a retribuição do trabalho prestado na empresa (no caso de o lay-off implicar, apenas, redução de atividade) ou fora dela, assegurar aquele mínimo, mas com o limite máximo do triplo da retribuição mínima mensal garantida (n.º 3 do art. 305.º). Caso exerça atividade remunerada fora da empresa, o trabalhador deverá comunicar esse facto ao empregador, sob pena de perder o direito à compensação retributiva e de cometer uma infração disciplinar grave (art. 304.º, n.º 1, al. b), e n.º 2). O montante da compensação retributiva é, pois, variável, podendo até reduzir‑se a nada, desde logo em função daquilo que o trabalhador suspenso receba por trabalho prestado a outra entidade empregadora. Por outro lado, pode registar-se uma majoração, quando o trabalhador abrangido frequente cursos de formação profissional, aprovados administrativamente, que aumentem a sua empregabilidade ou contribuam para a viabilidade da empresa, nos termos do n.º 5 do art. 305.º Registe‑se ainda que a suspensão do contrato não afeta os direitos do trabalhador em matéria de férias e de subsídio de Natal (art. 306.º).

Sobre o empregador recaem diversas obrigações, elencadas no art. 303.º, n.º 1, destinadas a evitar que se frustrem os objetivos da medida tomada, designadamente a de efetuar pontualmente o pagamento da compensação retributiva e das contribuições para a segurança social, a de não distribuir lucros nem aumentar as remunerações dos titulares dos corpos sociais, bem como a de não admitir novos trabalhadores nem renovar contratos a termo para postos de trabalho suscetíveis de ser ocupados por trabalhadores afetados pela suspensão. Por fim, o empregador não pode fazer cessar os contratos dos trabalhadores abrangidos pela medida, salvo no caso de comissão de serviço, de caducidade de contrato a termo ou de despedimento com justa causa (n.º 2 do art. 303.º).

A decisão de suspender os contratos de trabalho, com a inerente redução dos custos salariais, emana do empregador e não depende de qualquer autorização administrativa. Para aquele, os custos salariais reduzem‑se por uma dupla via: por um lado, porque a compensação retributiva a pagar ao trabalhador será de montante inferior à sua retribuição normal; por outro, porque a segurança social comparticipa nessa compensação retributiva suportando 70% da mesma, cabendo os restantes 30% ao empregador (art. 305.º, n.º 4).

Por último, e em matéria de lay-off, registe-se que o CT prevê uma outra hipótese, uma outra modalidade, não suspensiva. Com efeito, em alternativa à suspensão do contrato, o empregador poderá optar pela medida, menos gravosa, de redução dos períodos normais de trabalho, nos moldes amplos permitidos pelo n.º 2 do art. 298.º: i) interrupção da atividade por um ou mais períodos normais de trabalho, diários ou semanais, podendo abranger diferentes grupos de trabalhadores, rotativamente; ii) diminuição do número de horas do período normal de trabalho, diário ou semanal.

3. O lay-off na pandemia da COVID-19

Através do DL n.º 10-G/2020, de 26 de março, o Governo veio estabelecer um conjunto de medidas excecionais e temporárias, definindo e regulamentando os termos e as condições de atribuição dos apoios destinados aos trabalhadores e às empresas afetados pela pandemia da COVID-19, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e a mitigação de situações de crise empresarial.

As medidas excecionais previstas no diploma aplicam-se aos empregadores de natureza privada e aos trabalhadores ao seu serviço, afetados pela pandemia da COVID-19 e que se encontrem, em consequência, em situação de crise empresarial, mediante requerimento eletrónico apresentado pela entidade empregadora junto dos serviços da Segurança Social. A situação de crise empresarial, pressuposto de aplicação destas medidas, encontra-se definida no art. 3.º, compreendendo, designadamente: i) o encerramento total ou parcial da empresa ou estabelecimento, decorrente do dever de encerramento de instalações e estabelecimentos; ii) a paragem total ou parcial da atividade da empresa ou estabelecimento que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais, ou da suspensão ou cancelamento de encomendas, que possam ser documentalmente comprovadas (pode tratar-se de uma paragem de atividade ainda não registada, mas tornada inevitável, em função do cancelamento de encomendas ou de reservas, dos quais resulte que a utilização da empresa ou da unidade afetada será reduzida em mais de 40 % da sua capacidade de produção ou de ocupação no mês seguinte ao do pedido de apoio); iii) a quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 % da faturação no período de trinta dias anterior ao do pedido junto dos serviços competentes da segurança social, com referência à média mensal dos dois meses anteriores a esse período, ou face ao período homólogo do ano anterior ou, ainda, para quem tenha iniciado a atividade há menos de 12 meses, à média desse período.

Em tais situações de crise empresarial, o empregador poderá reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou suspender os contratos de trabalho, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no CT. A compensação retributiva a que o trabalhador tem direito é a prevista no n.º 3 do art. 305.º do CT, sendo paga pelo empregador, sendo que, durante o período de aplicação desta medida, a empresa tem direito a um apoio financeiro para efeitos de pagamento da referida compensação retributiva, nos termos do n.º 4 do art. 305.º do CT (apoio equivalente a 70% do respetivo montante).

Norma particularmente relevante é a contida no art. 13.º do diploma. Sob a epígrafe “Proibição do despedimento”, lê-se nesse art. 13.º: «Durante o período de aplicação das medidas de apoio previstas no presente decreto-lei, bem como nos 60 dias seguintes, o empregador abrangido por aquelas medidas não pode fazer cessar contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho, previstos nos artigos 359.º e 367.º do Código do Trabalho» (segundo a Declaração de Retificação n.º 14/2020, de 28 de março). E o art. 14.º fecha o círculo, prescrevendo que o incumprimento, por parte do empregador, das obrigações relativas aos apoios previstos na lei, implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição dos montantes já recebidos, quando se verifique, entre outras situações, a de «despedimento, exceto por facto imputável ao trabalhador» (n.º 1, al. a), do art. 14.º).

4. Lay-off, crise e desemprego: é proibido despedir?

A crise económica motivada pela pandemia da COVID-19 já foi classificada, creio que com acerto, como equivalente a um tsunami. E, sejamos francos, perante um tsunami as respostas do ordenamento jurídico sempre terão um alcance limitado e modesto. A lei não pode proibir o tsunami, como não pôde proibir a emergência do novo coronavírus e a pandemia da COVID-19. É claro que, neste contexto, os níveis de desemprego irão subir, quiçá dramaticamente, e que todos – a começar, decerto, pelos trabalhadores – irão sofrer.

Em qualquer caso, compreende-se o objetivo traçado pelo legislador, ao adaptar e simplificar o mecanismo do lay-off, nos termos previstos no DL n.º 10-G/2020. Durante os meses de crise pandémica, há que dotar as empresas de uma espécie de “balão de oxigénio” (com a duração de um mês, mas prorrogável mensalmente, até ao máximo de três meses), permitindo que as mesmas, paralisando total ou parcialmente a sua atividade, não lancem os trabalhadores no desemprego, antes apostem nesta alternativa, em que o trabalhador perde uma parte do salário (grosso modo, 1/3), sendo que, dos restantes 2/3, apenas 30% serão suportados pela entidade empregadora, cabendo o grosso dos custos à Segurança Social.

Neste contexto, compreende-se sem dificuldade que o Estado, ao mesmo tempo que concede às empresas privadas apoios extraordinários de diversa índole (apoio financeiro à manutenção de contrato de trabalho, assumindo o pagamento de parte da retribuição dos trabalhadores, plano extraordinário de formação, incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa, isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora), exija dessas empresas que não lancem os seus alegados “colaboradores” no desemprego. Para esse efeito, a lei prevê que, durante o período de aplicação das medidas de apoio previstas, bem como nos 60 dias seguintes, o empregador não possa fazer cessar contratos de trabalho através de despedimentos coletivos ou por extinção de posto de trabalho.

A lei não deixa, claro, de suscitar diversos problemas, quer de interpretação, quer no tocante ao âmbito de proteção que confere aos trabalhadores, nestes tempos próximos de profunda crise económica. Assim, parece óbvio que a lei não impede as empresas que beneficiem desses apoios públicos extraordinários de lançar no desemprego os trabalhadores com vínculos precários (fazendo caducar os contratos a termo ou de trabalho temporário, denunciando os contratos durante o período experimental, etc.). A lei proíbe, apenas, o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho ─ mas creio que também proíbe o despedimento por inadaptação, visto que este não se traduz num despedimento por justa causa, disciplinar, por facto imputável ao trabalhador, única modalidade de despedimento autorizada, segundo resulta do art. 14.º Por outro lado, a proibição de despedimento aparece balizada no tempo (durante o período de aplicação das medidas de apoio previstas no diploma, bem como nos 60 dias seguintes), pelo que mais tarde, esgotados que sejam esses 60 dias, nada impedirá a entidade empregadora de recorrer a esses mecanismos extintivos da relação laboral, se entender que tal se justifica.

Ficam, contudo, dúvidas sobre a situação de entidades empregadoras que, antes de recorrerem a tais medidas de apoio público, tenham procedido ao despedimento “selvagem” de trabalhadores (sem respeitar os procedimentos, sem conceder pré-aviso, sem pagar as devidas compensações), sob a vaga motivação da crise e das suas consequências… Creio que, competindo às entidades públicas fiscalizar, a posteriori, as empresas beneficiárias dos apoios extraordinários, a comprovação de que tais despedimentos patentemente ilícitos terão ocorrido em plena crise pandémica, ainda que antes do requerimento de tais medidas de apoio extraordinário, deveria implicar a aplicação das consequências previstas no art. 14.º, em sede de incumprimento e restituição do apoio concedido. Se assim não for, os empregadores menos escrupulosos, aqueles que, logo no dealbar da crise, não hesitaram em abandonar os seus “colaboradores”, ainda que ilegalmente, acabarão, quiçá, por ser beneficiados pela sua presteza e total falta de “responsabilidade social”. Não pode ser. Não deveria poder ser. Vivemos tempos difíceis, em que todos teremos de fazer sacrifícios, mas nunca com benefício dos infratores mais lestos e despudorados. 

Enfim, em jeito de síntese, penso que o diploma poderia e deveria ser mais ousado, no tocante à garantia dos postos de trabalho existentes, tentando não deixar ninguém para trás, nestes dias negros que atravessamos, cujas consequências são ainda difíceis de antecipar com o mínimo de rigor. Esta lei concede, sobretudo, direitos e apoios aos empregadores e às empresas, só reflexa e eventualmente aos trabalhadores. Com efeito, a lei não suspende o decurso do prazo de caducidade dos contratos de trabalho a termo ou temporário, nem impede a denúncia do contrato durante o período experimental. A lei não deixa de fora das medidas de apoio empregadores que, logo no dealbar da pandemia, tenham despedido trabalhadores, decerto ilicitamente. A lei nem sequer impedia, na sua versão original, que empresas que recorressem ao lay-off e beneficiassem daquela panóplia de apoios públicos despedissem, concomitantemente, trabalhadores, por via do despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho. Apenas os trabalhadores a quem, concretamente, estivesse a ser aplicada, por decisão patronal, a medida do lay-off, apenas esses não poderiam ser alvo de tais despedimentos, durante o período de aplicação de tais medidas de apoio e nos 60 dias subsequentes ─ o que, aliás, já resultaria do próprio CT, por força do seu art. 303.º, n.º 2. Mas, note-se, esta falha foi prontamente corrigida pelo Governo, através da supramencionada Declaração de Retificação n.º 14/2020, de 28 de março, a qual não pode deixar de ser aplaudida.

Ainda assim, parece curto. Mais curto do que o que tem sido feito alhures, desde logo na vizinha Espanha. Certo, não sejamos ingénuos nem voluntaristas. Não há lei que pare o tsunami. A crise chegou, vai instalar-se e aprofundar-se, o desemprego vai disparar, por esta ou por aquela via. Em todo o caso, os dinheiros públicos devem ser, mais do que nunca, bem utilizados. Para apoiar empresas e empregadores, sim, mas contanto que estes resistam o mais possível a sacrificar os seus “colaboradores”. Também aos empregadores, sobretudo àqueles que solicitam e obtêm apoios públicos extraordinários de vária índole, se pede agora um esforço adicional, no sentido de não reduzirem custos mediante o alijamento da mão-de-obra ─ por isso mesmo que atrás da mão-de-obra se encontra, sempre, uma pessoa.