Ana Corte Real

Advogada.

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 2020. 

Mestre em Direito Forense (Direito Civil e Processual Civil) pela Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, em 2022.


Consulte a sua obra da Ana Corte Real neste link.


            A necessidade de conceder uma tutela robusta aos promitentes-compradores tem sido uma temática amplamente discutida, em sede do Direito dos contratos e do Direito da insolvência, dada a predominância dos contratos-promessa de compra e venda no tráfego jurídico português e os perigos inerentes ao setor imobiliário que podem afetar a sua celebração (inflação, aumento das taxas de juro, especulação imobiliária, insolvência do promitente-vendedor, etc).

            O reconhecimento do direito de retenção ao promitente-comprador e a prevalência desta garantia real face à hipoteca[1], mesmo que anteriormente registada, foram algumas das alterações introduzidas pelo legislador, na década de 80, com o intuito de impedir a generalização das situações de incumprimento definitivo imputável aos promitentes-vendedores.

            Ora, esta intervenção legislativa, aparentemente “pacífica”, não convenceu minimamente a Doutrina que, ao ser confrontada com o alcance conferido à aplicação conjunta dos artigos 755.º, n.º 1, al. f) e 759.º, n.º 2 do CC, prontamente apresentou várias propostas a favor de uma interpretação restritiva. Destas, destacou-se a que veio considerar que, por se tratar de uma norma material de consumo, o art. 755.º/1, al. f) do CC devia ser interpretado restritivamente para beneficiar apenas o promitente-comprador consumidor.

            Esta restrição subjetiva foi igualmente transporta para o Direito da insolvência dado que, mediante a prolação dos AUJ n.º s 4/2014[2] e 4/2019[3], o STJ passou a reconhecer que, perante a recusa do administrador de insolvência em cumprir um contrato-promessa de compra e venda meramente obrigacional, sinalizado e com traditio, o direito de crédito do promitente-comprador consumidor (stricto sensu) estaria garantido por um direito de retenção. Os restantes promitentes-compradores estariam excluídos.

            Inevitavelmente, estes arestos foram bastante criticados pela Doutrina e pela Jurisprudência que, ao longo de vários anos, têm vindo a apontar múltiplas vicissitudes e a questionar a coerência da construção jurídica levada a cabo pela nossa mais elevada instância.

            Em 2021, o STJ, teve, uma vez mais, a oportunidade de esclarecer definitivamente as questões pendentes e colmatar as críticas inerentes aos arestos precedentes, com a prolação do AUJ n.º 3/2021[4]. No entanto, a possibilidade de se obter um almejado efeito apaziguador foi ofuscada pelo aparecimento de novas críticas e pela perceção crescente de uma eventual inconciliabilidade entre as soluções protagonizadas nos três arestos.

            Ora, o caminho sinuoso trilhado pelo STJ, ao longo dos últimos anos, tem inevitavelmente suscitado várias questões, destacando-se as seguintes:

  1. O direito de retenção (art. 755.º/1, al. f) do CC) deve ser reconhecido apenas ao promitente-comprador que seja consumidor (stricto sensu) e que destine o imóvel prometido adquirir a habitação própria e permanente?
  2. A restrição da atribuição do direito de retenção ao promitente-comprador consumidor só deve ser aplicável aos casos em que o administrador da insolvência recusa cumprir o contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, sinalizado e com traditio?
  • Existem razões legítimas para distinguir os promitentes-compradores e conferir-lhes uma tutela, mais ou menos, robusta em função da sua qualidade subjetiva ou esta deve ter um alcance geral e indiferenciado?
  1. Há uma verdadeira inconciliabilidade entre as soluções consagradas pelo STJ nos AUJ n.ºs 4/2014 e 3/2021? Se sim, quais são as consequências?

            Todas estas questões serão detalhadamente analisadas e respondidas, na obra “O direito de retenção e os novos desafios na perspetiva do consumidor – Proposta de uma visão renovada em matéria de tutela do promitente-comprador”, publicada pela editora Almedina.

[1] Recentemente, o DL n.º 48/2024, de 25 de julho, veio alterar o regime jurídico do direito de retenção sobre imóveis, limitando as situações em que este prevalece sobre a hipoteca anteriormente registada (Art. 759.º do CC). Este diploma passou a vigorar no ordenamento jurídico português, a partir do dia 24 de agosto de 2024 e, essencialmente, estabeleceu que o titular do direito de retenção sobre um imóvel só será pago com preferência sobre os restantes credores do devedor (incluindo o credor hipotecário) se o seu crédito assegurar o reembolso de benfeitorias necessárias e úteis que tiverem sido realizadas no imóvel para o conservar ou aumentar o seu valor.

[2] Cfr. AUJ n.º 4/2014, de 20/03/2014, proc. n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, pp.2882-2894.

[3] Cfr. AUJ n.º 4/2019, de 12/02/2019, proc. n.º 2384/08.3TBSTS-D.P1.S1-A, pp.22-41.

[4] Cfr. AUJ n.º 3/2021, de 27/04/2021, proc. n.º 872/10.0TYVNG-B.P1.S1-A, pp.30-55.