Glória Teixeira

Glória Teixeira (Doutoramento QMC/Universidade de Londres), Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Joaquim Ribeiro

Licenciatura em Economia (Faculdade de Economia do Porto)
MBA (Universidade Nova de Lisboa)
Pós-graduação em Investimento Imobiliário (City University, Londres)
Carreira profissional em grupo privado, no setor imobiliário


Consulte a sua obra da Glória Teixeira neste link.


Em artigo anterior citamos Sir Keir Starmer, primeiro-ministro inglês, que, entre outros, atacou as “forças de bloqueio” no setor público inglês – os “reguladores”, os “burocratas” que travam o desenvolvimento do país.

Na nossa leitura, ligamos esse tema a uma insatisfação mais generalizada com a expansão de regulação introduzida nas últimas décadas nos Estados modernos. Sendo que há quem diga que é esse excesso de regulamentação que explica a falta de dinamismo e crescimento que se tem verificado nas nossas economias.

Na Europa, esta insatisfação está muito ligada ao papel e à estratégia a nível de União Europeia, dado que essa é a maior fonte de regulação para qualquer estado-membro.

Em tese, se a regulação está a travar o crescimento económico, isso pode acontecer por três vias.

Pode acontecer que haja regulamentação excessiva, que introduz proibições e sobrecustos desnecessários e até nocivos no tecido económico.

Pode ser que a regulamentação não seja excessiva, mas seja mal desenhada e, por essa via tenha esses efeitos nocivos.

Ou pode acontecer que a regulamentação não seja nem excessiva nem mal elaborada, mas seja aplicada de modo inflexível, cego, ou excessivo pelos órgãos de autoridade – funcionalismo público, reguladores, tribunais.

Sir Keir Starmer está a apontar a esta última hipótese, mas as três situações podem acontecer. Há, porém, uma quarta razão que pode explicar esta insatisfação com o excesso de regulação.

É que o Estado hoje em dia só sabe “proibir” e “complicar” (regulação) e deixou de estar interessado em “fazer”. E essa pode ser a real fonte de insatisfação do eleitorado perante o Estado. Ora, não foi sempre assim.

No período do pós-guerra, a visão dominante na Europa defendia uma intervenção ativa do Estado na economia. O Estado intervinha diretamente através de empresas públicas em vários setores produtivos. Noutros setores considerados críticos, o Estado pretendia identificar e apoiar empresas que fossem “campeões” no setor. Foi o período das chamadas políticas industriais.

O resultado não foi positivo. O Estado não sabe gerir bem empresas, e tem dificuldade em identificar “campeões”. Essas intervenções geraram muitas perdas em operação, e muitos investimentos que se revelaram ruinosos.

Na década de 70, iniciou-se o longo processo de reversão dessa abordagem – privatização, liberalização, e a adoção de medidas indiretas para orientar as economias. As medidas indiretas foram de dois tipos: medidas positivas, por exemplo para estimular o investimento (redução de impostos) e medidas negativas para orientar as economias em determinados sentidos (regulação).

Esse modelo revelou-se positivo, em termos de resultados económicos, e ganhou mais força com a queda do Muro de Berlim e o aprofundamento da globalização. Mas todos os modelos, se não evoluírem, entram em disfunção com o passar do tempo. Há uma questão de disfunção interna, e há uma questão de adaptação à envolvente exterior.

Primeiro, as medidas económicas são como os medicamentos – à medida que aumenta o seu uso, a sua eficácia reduz-se ou torna-se negativa. Por exemplo, as reduções de impostos perdem eficácia à medida que a taxa de imposto baixa. Noutro âmbito, a regulação começa a ser contraprodutiva quando passa a ser excessiva.

A segunda razão da crise do atual modelo é simples – é que os outros países estão a adotar políticas industriais, nomeadamente os asiáticos. Foi assim que a Coreia do Sul se desenvolveu nos anos 80 e 90. Foi assim que a China se tornou dominante em vários setores industriais nos últimos anos.

A Europa tem preferido continuar o modelo de não-intervenção e, pelo contrário, tem apostado num reforço fortíssimo da regulação.

Se a política industrial se revelou ineficaz no passado, porque é que pode fazer sentido agora?

A História de Portugal foi marcada por um grande projeto nacional– a descoberta do caminho marítimo para a Índia. Um projeto desse tipo, que vai demorar décadas a ser executado, é o tipo de projeto que necessita de uma forte intervenção e apoio do Estado para ser bem-sucedido. Ora, a Europa, neste momento, enfrenta um desafio desse tipo – a transição energética.

Por vezes, pode pensar-se que gerir a transição climática é meramente uma questão de regulação – basta ajustar os termos da regulação das empresas elétricas, no sentido de aumentar a componente da geração de fontes renováveis e o problema fica resolvido. Nada mais errado.

Está claro que uma rede baseada em fontes renováveis vai necessitar de volumes significativos de meios de armazenamento de energia, par compensar períodos em que as fontes renováveis estão inativas. Armazenamento de energia passa por baterias. Mas não vão ser as empresas elétricas a investigar e investir em baterias – não têm competências para tal, são necessárias empresas especializadas. Mas quem dominar o setor das baterias (empresas ou países) ganha uma grande vantagem em termos de veículos elétricos.

E assim de repente, já não estamos a falar do setor elétrico, estamos a falar do maior setor industrial europeu – a indústria automóvel – que pode ficar em crise, e colocar todos os outros setores de componentes automóveis igualmente em crise.

Ou seja, a transição energética pode ter impactos profundos nas economias europeias. E onde estão os estados europeus, onde está a União Europeia nesse desafio? Não é claro.

Mas em toda essa incerteza, uma coisa é certa: não é através exclusivamente através de regulação que vamos enfrentar este desafio de décadas, desafio geracional, que vai ter impactos alargados em múltiplos setores económicos.

E esse talvez seja o maior problema ao enfocarmos em mais regulação: é que, enquanto a máquina do Estado (nacional ou na UE) está a discutir mais regulação, não está a discutir planos de ação, medidas de investigação, apoios a investimento, para defender as nossas economias face aos desafios que enfrentam.

E quando há planos concretos, não há uma discussão detalhada sobre a sua viabilidade ou relevância para os problemas de hoje.

No ano passado, houve muita discussão na Europa sobre o hidrogénio.

Este ano, temos os carros elétricos chineses a entrarem em força no mercado europeu, e as empresas automóveis europeias a anunciarem planos para despedir pessoal … E deixou de se falar em hidrogénio …

A União Europeia tem um de arquitetura institucional se quiser avançar para políticas industriais mais ativas. É que as políticas industriais a nível nacional são fortemente limitadas pela lei europeia (proibição de princípio às “ajudas de Estado”). Mas, por outro lado, a União Europeia em si não tem, nem recursos financeiros, nem recursos humanos (e pode-se argumentar que não tem mandato) para iniciar políticas industriais a nível europeu.

Mas nem tudo é negativo. Na realidade, a Europa tem um grande exemplo de projeto de política industrial muito bem-sucedido. É a Airbus, líder mundial da aviação civil, setor de alta tecnologia e que garante dezenas de milhares de empregos qualificados na Europa.

O caso da Airbus é interessante precisamente porque é um projeto de iniciativa / patrocínio de estados europeus, mas fora dos mecanismos e estruturas da UE. Basicamente, em 1967 a França, Alemanha e Inglaterra juntaram as suas empresas de aeronáutica (estatais ou com influência estatal) num consórcio para desenvolver um avião comercial, consórcio esse que se alargou a outros países e evoluiu depois para empresa cotada.

O seu sucesso comercial tem sido indiscutível, mas a Airbus mostra várias coisas relevantes para a nossa discussão.

Primeiro, mostra que é possível fazer política industrial na Europa.

Segundo, mostra que não é provável que seja a burocracia de Bruxelas a construir esse tipo de projetos, é necessário a vontade política a nível nacional.

Mas, terceiro, mostra também que essa vontade política tem faltado nos últimos anos.

Os políticos europeus que construíram um projeto empresarial de liderança mundial, puseram esse modelo de lado e passaram a preocupar-se com regulamentos de proteção de dados …

E talvez seja essa a verdadeira fonte de insatisfação dos eleitores na Europa.

Os eleitores querem mais projetos como a Airbus e menos regulação.