José Casalta Nabais
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal – Volume VI é a mais recente obra de sua autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado a 1 de Dezembro de 2022.
Sumário:
1. O primado da pessoa humana; 2. Produzir e distribuir na economia de mercado; 3. A dimensão intergeracional; 4. Estado fiscal e não um estado taxador; 5. O dever fundamental de pagar impostos e o poder tributário; 6. A centralidade do contribuinte nas relações tributárias: 6.1. Sentido da centralidade do contribuinte nas relações tributárias; 6.2. A limitada consideração dessa centralidade na jurisprudência; 7. O dever fundamental de pagar impostos e os crimes tributários
Embora feitas a pretexto da publicação do Sexto Volume da nossa série «Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal», como será fácil de concluir, estas reflexões valem integralmente como denominador comum para a generalidade das nossas publicações em sede do amplo, diversificado e complexo direito dos impostos. O que é superlativamente observável no respeitante aos estudos que integram os diversos volumes da referida série, em que a suportabilidade do estado fiscal, para além de figurar no próprio título, serve de mote.
Pois bem, constituindo a suportabilidade, a seu modo, o lado subjectivo da sustentabilidade em sentido amplo, do estado fiscal e, mais amplamente do Estado[1], significa isto que estas reflexões se encontram centradas sobretudo nos contribuintes e demais sujeitos passivos dos impostos. O que, naturalmente, não impede que as coisas não sejam vistas em termos mais amplos, pois não nos podemos esquecer que quase todos os estudos de direito fiscal que vimos publicando comungam desse desiderato de conseguir um Estado fiscal que seja financeiramente suportável para cada um dos contribuintes e sustentável para a comunidade organizada no estado fiscal. Por isso, a generalidade dos meus estudos compartem essa ideia, partindo de precisos pressupostos, percorrendo caminhos bem delimitados e chegando a inequívocos resultados, seja em termos de crítica dos regimes vigentes, seja das alterações ou reformas que é preciso empreender. Tudo isto de molde a poder acomodar o verdadeiro imperativo do Estado de Direito que é o suporte financeiro do Estado ser constituído pela via do estado fiscal, o qual, para não se negar a si mesmo, tem de ser não só suportável para cada um dos membros da correspondente comunidade, como sustentável para a própria comunidade.
O que impõe algumas reflexões sobre o profundo sentido e alcance da ideia de estado fiscal enquanto assente no primado da pessoa humana face à sociedade e na primazia e separação e desta face ao Estado. O que não sendo mais do que uma decorrência da ordenação jurídico-constitucional das comunidades humanas, que repousa na ideia de constituição material, em que se encontra incrustado o Estado de Direito, constitui uma das mais importantes aquisições da Civilização Ocidental nos séculos XIX e XX. Aquisição civilizacional que teve o seu apogeu na segunda metade do século passado com o Estado de Direito Democrático e Social com que culminou a longa tradição, histórica e espiritual, do que é o conceito ocidental de constituição[2].
Por isso, nestas limitadas reflexões, vamos, num primeiro momento, cuidar do primado da pessoa humana, de um lado, e da primazia e separação da sociedade face ao Estado, em que àquela compete a distribuição primária e a este a distribuição secundária dos rendimentos, bens e riqueza, algo que não pode deixar de ser entendido também na sua dimensão intergeracional. Depois, num segundo momento, vamos tentar revelar como essas ideias fundacionais têm no estado fiscal a sua indiscutível materialização como resposta mais adequada à sustentação financeira do Estado. Por fim, num terceiro momento, vamos procurar ver que consequências específicas desencadeiam essas ideias fundacionais do Estado de Direito em alguns dos domínios estruturalmente mais relevantes do direito dos impostos, em que iremos cuidar sucessivamente da ligação da legitimidade do poder tributário também aos direitos e deveres fundamentais, da centralidade dos contribuintes nas relações tributárias e dos bens jurídicos dignos de proteção penal na fundamentação dos crimes tributários. Vejamos, então, cada um destes aspectos pela ordem que vem de ser referida.
1. O primado da pessoa humana
Constitui uma evidência que o estado fiscal, enquanto uma das infraestruturas fundacionais do Estado de Direito desenvolvido no Ocidente, implica uma certa ordem de prioridades, consubstanciando uma determinada forma de produção e de distribuição primária dos bens, serviços, riqueza e bem-estar, que tem por caraterística base assentar numa inequívoca ideia de liberdade, económica e social, dos membros da comunidade nacional. Um quadro de realização humana em que cabe a cada um de per si, ou enquanto integrado em grupos primários (família, associações civis, sociais, económicas, etc.), angariar os meios de subsistência e de realização pessoal. O que não passa do direito mais básico, que é simultaneamente um dever, inerente a todo o indivíduo enquanto ser livre e responsável como o impõe a iminente dignidade da pessoa humana. Direito e dever este que obviamente está antes da actuação da sociedade e, ainda mais, antes da actuação do Estado, tendo por base de fundo justamente esta ordem de referência em termos da seguinte cadeia de prioridades: indivíduo (pessoa) → sociedade → estado[3].
Significa isto que a produção dos bens e serviços, necessários à realização da pessoa humana, tem como inafastável decisivo ponto de partida uma separação essencial entre, de um lado, a esfera da sociedade, suporte da existência e funcionamento de uma economia livre ou de mercado, decorrente da actuação livre de cada um no quadro de uma ação de cooperação ou de colaboração económica e social entre todos os membros da comunidade, e, de outro lado, a esfera de actuação do Estado entendido como suporte da organização e funcionamento políticos da comunidade que corresponda àquela esfera económica de mercado, de modo a intervir económica e socialmente na medida em que assim o entenda em conformidade com os programas políticos do correspondente governo democraticamente eleito, conquanto se mantenha aquela separação essencial que, como a história do estado moderno de matriz ocidental dos séculos XIX e XX o comprova à saciedade, constitui um verdadeiro pressuposto do próprio Estado de Direito.
2. Produzir e distribuir na economia de mercado
O que vimos de dizer tem em devida conta a distinção entre produzir e distribuir numa sociedade assente na ideia de liberdade económica e social. Pois, num tal quadro, a produção dos bens e serviços e a distribuição primária dos rendimentos e ativos correspondentes cabe ao mercado, cuja existência e funcionando comportam ou asseguram um contexto de liberdade económica dos indivíduos e suas organizações, mormente empresariais, enquanto participantes cooperativos ou colaborativos nessa produção e distribuição, em que cada um oferece o correspondente fator ou meio de produção ou a própria organização das mesmas, recebendo a respetiva contrapartida, ou seja, salários, rendas, juros e lucros, de molde a proporcionar um adequado equilíbrio entre a participação de cada um na atividade económica e a respetiva contrapartida. Daí que ao estado[4], nesta sede, caiba fundamentalmente um decisivo papel de regulação de modo a que a economia em causa seja uma efetiva economia livre ou de mercado e não uma economia de cariz totalitário ou autoritário, que de mercado não tem nada[5], na medida em que algum ou alguns dos participantes na produção monopolizem as contrapartidas de todos os demais participantes.
Não admira assim que quanto mais equilibrada e equitativa for esta distribuição primária dos rendimentos e ativos, sobretudo correspondente à contrapartida paga aos trabalhadores (salários), menos espaço fica e, simultaneamente, se exige à distribuição secundária ou redistribuição desses rendimentos e ativos por parte do Estado. O que passa por uma regulação estadual forte e eficaz do mercado e do seu funcionamento de modo a evitar que algum ou alguns dos participantes na produção, distribuição e consumo de bens e serviços tenha vantagens excessivas ou desproporcionadas face à respetiva contribuição, obtendo assim rendas puras ou ganhos injustificados (windfall gains, windfall profits), porquanto sem qualquer ligação minimamente aceitável no que concerne à correspondente participação na atividade económica. Resultado este que, se e na medida em que não possa ou não se venha a verificar, por não ter sido eficazmente prevenido e evitado em sede da regulação, deve ser objeto de correção, designadamente por via de adequada tributação[6].
Por conseguinte, neste quadro de funcionamento das comunidades estaduais, o suporte financeiro do Estado tem por base o resultado positivo da produção, distribuição e consumo de bens e serviços proporcionado pela referida economia livre ou de mercado. O que significa que o Estado não se financia de forma autónoma como produtor, distribuidor e consumidor, como aconteceu e ainda acontece nos estados patrimoniais ou estados empresariais, mas de forma heterónoma, exigindo parte do resultado positivo proporcionado pela economia de mercado, ou seja, obtendo parte da contrapartida recebida por cada um dos fornecedores dos meios ou factores de produção (rendimentos) ou do valor dos bens e serviços aquando da sua produção, da sua propriedade ou do seu consumo ou transmissão. Ou seja, o Estado financia-se como estado fiscal, como um “estado parasita” da economia de mercado, ou seja, fundamentalmente através de tributos unilaterais ou impostos[7].
3. A dimensão intergeracional
Mas a visão das coisas que acabamos de referir, não pode deixar de ser também perspectivada em termos diacrónicos, ou seja, segundo uma ideia de responsabilidade ou de solidariedade intergeracional. Assim, neste quadro de sustentabilidade económico-financeira do Estado heterónoma, tem de se articular o momento presente, a geração presente, com o futuro, com a geração ou gerações futuras. Pelo que importa assinalar que, quando afirmamos que o estado fiscal se suporta financeiramente através de impostos, temos subjacente uma perspetiva diacrónica, que nos leva a precisar que o estado fiscal se suporta financeiramente através de impostos actuais e de impostos futuros, porquanto a outra receita efetiva do Estado, o recurso ao crédito contraindo empréstimos, tenham estes a forma e sofisticação financeiras que tenham, resulta inequivocamente em impostos futuros, isto é, impostos sobre as gerações futuras.
De facto, as receitas públicas são sempre impostos de hoje (os impostos) ou impostos de amanhã (os empréstimos), uma vez que os verdadeiros impostos acabam por ser, afinal de contas, sempre as despesas públicas, uma vez que o recurso ao crédito redunda quase sempre no exercício do poder tributário da comunidade estadual presente sobre as gerações vindouras. Por isso, o recurso ao crédito só faz sentido na medida em que as despesas a suportar com essas receitas públicas se repercutam beneficamente sobre essas gerações, de modo a que possa afirmar-se que ocorre uma verdadeira antecipação e não uma pura transferência de gastos, constituindo assim um investimento no futuro que deve ser suportado também pela geração ou gerações do futuro. Assim, as despesas de que beneficiam apenas ou fundamentalmente os membros da geração actual, devem ser satisfeitas por receitas provenientes de impostos de hoje, pelo que a sua cobertura por empréstimos, mormente de longo prazo, representa uma transferência inaceitável de encargos para as gerações futuras, que terão de saldar com impostos. Uma situação que mais não é do que uma verdadeira “hipoteca do futuro” para que nos alertam alguns autores preocupados com a efetiva garantia dos direitos das futuras gerações[8].
Por isso mesmo o suporte com os gastos da geração presente não devem ser transferidos para impostos a pagar pelas futuras gerações. Ideia que, obviamente, não obsta a que para estas sejam transmitidos os gastos que de algum modo respeitem ao desenvolvimento de serviços e políticas públicos que as tenham por efetivos destinatárias, suportando os correspondentes impostos. Situação que ocorrerá se e na medida em que as despesas públicas actuais, satisfeitas com recurso ao crédito, constituam despesas de investimento que se reportem à realização das necessidades públicas das gerações futuras, as quais, ao beneficiarem do crédito obtido pela geração presente, devem suportar a correspondente contrapartida, arcando com os encargos dos empréstimos através do pagamento dos correspondentes impostos.
Por conseguinte, o que importa combater é o recurso ao crédito público pela geração actual, que se destine apenas ou basicamente a despesas correntes desta geração, pois, nessa situação, a geração ou gerações futuras acabarão por suportar as despesas inerentes a esse crédito público que lhes são totalmente alheias. Uma realidade que é preciso combater, dado o grau de iniquidade, senão mesmo de crueldade, sobre a geração ou gerações futuras que constitui, o qual em nada é posto em causa, bem pelo contrário, pela narrativa superlativa – internacional, constitucional e legal – que, desde há alguns anos, vem sendo dirigida à proteção dos direitos fundamentais das gerações futuras.
Em suma, o suporte financeiro do Estado é um suporte heterónomo, constituído fundamentalmente por impostos – impostos sobre a geração presente e impostos sobre a geração ou gerações futuras.
4. Estado fiscal e não um estado taxador
Mas para esta conclusão – de que o suporte financeiro do Estado são fundamentalmente impostos ou tributos unilaterais – ser compreendida, impõe-se esclarecer que ela não decorre necessariamente da ideia do financiamento heterónomo do estado, porquanto sempre se poderia pensar na alternativa de o suporte financeiro do Estado ser, no essencial, constituído por tributos de estrutura bilateral, ou seja, através de taxas e de contribuições financeiras a favor de entidades públicas, no que se configuraria como um basicamente estado taxador. O que, todavia, não passas de uma falsa alternativa que apenas em teoria e de molde muito parcial pode ser acomodada.
De facto, o estado taxador constituiu uma ideia que chegou a entusiasmar alguns autores, não para a aplicar ao conjunto dos tributos e ao conjunto das despesas do estado, mas no respeitante a certos sectores ou segmentos da mais recente actuação do Estado, como é o relativo à tutela ou proteção do meio ambiente. De facto, no chamado domínio da proteção do meio ambiente, há quem defenda que as despesas ambientais podem e devem ser financiadas através de tributos bilaterais, através, portanto, de ecotaxas, em vez de ecoimpostos.
Mas, analisando mais especificamente este problema, devemos assinalar que, em rigor, nem em sede do financiamento geral do Estado, nem em sede do específico financiamento da proteção do meio ambiente, a figura das taxas está em condições de se apresentar como suporte financeiro principal do Estado nos tempos que correm. Em sede geral, uma tal opção encontra-se arredada porque há todo um conjunto de bens, os bens públicos, cujos custos não podem ser repartidos pelos respetivos utentes, antes têm de ser suportados pelo conjunto dos cidadãos, pelo universo nacional dos contribuintes. Entre tais bens temos, de um lado, um conjunto de bens, correspondentes às funções clássicas do Estado, às funções do Estado tout court, como os bens públicos constituídos pela defesa nacional, pela política externa, pela política económica, pela política financeira, pela segurança e proteção policiais, etc., os quais, porque são bens públicos cujos custos são insuscetíveis de divisão pelos que deles beneficiam não podem ser financiados por taxas, antes têm de ser suportados por impostos. Trata-se dos bens públicos por natureza que não podem, assim, ser financiados senão por impostos.
Por outro lado, temos no estado social um conjunto de bens públicos, que embora os seus custos possam ser repartidos pelos correspondentes utentes, como os relativos à justiça, à saúde, à educação, à habitação, à segurança social, ou seja, os relativos aos direitos sociais, o certo é que, por exigência das próprias constituições, esses direitos devem ser estendidos a todos os cidadãos, mesmo àqueles que não tenham condições de os realizar através do funcionamento da economia de mercado. Todo um conjunto de bens que não constituem bens públicos por natureza, antes se apresentam como bens públicos por imposição constitucional. Assim, por força da Constituição, os custos com esses bens, relativamente àqueles que os não possam realizar pela via da sua aquisição onerosa, designadamente no mercado, têm que ser suportados pela generalidade dos contribuintes[9].
O que vale também no respeitante ao domínio da proteção do meio ambiente. É certo que o princípio estruturante do direito ambiental, o princípio do poluidor-pagador, parece ir claramente no sentido de um “estado taxador”, uma vez que concretizaria a ideia de cada um suportar, pagar a poluição que produz, financiando-se as correspondentes despesas públicas através de taxas ecológicas em vez de impostos. Mas essa é uma maneira um pouco superficial de ver a realidade, já que a realização desse princípio depara-se com importantes obstáculos relativos à determinação do poluidor ou à exata imputação dos custos da poluição aos respetivos poluidores[10].
Obstáculos que, é preciso reconhecê-lo, podem, de algum modo, ser atenuados ou limitados com o desenvolvimento tecnológico que permita mais facilmente seja identificar o poluidor, seja possibilitar a medida do grau de poluição que, assim, lhe possa ser imputada, caso em que, obviamente, a figura tributária das taxas recupera o seu potencial de verdadeiro tributo com especial vocação ambiental cuja utilização não deve ser descartada. O que, todavia, não elimina, no essencial, a ideia de que, mesmo em sede da tutela do ambiente, a via de um estado taxador terá alcance algo limitado.
5. O dever fundamental de pagar impostos e o poder tributário
Como vimos afirmando e já referimos a respeito do primado da pessoa, as matérias no texto da Constituição Portuguesa encontram-se distribuídas pela seguinte ordem: depois do pórtico (Princípios fundamentais – art.s 1.º a 11.º), temos a “constituição da pessoa” (Parte I – Direitos e deveres fundamentais – art.s 12.º a 79.º), a “constituição económica” ou “constituição da sociedade” (Parte II- Organização económica – art.s 80.º a 107.º) e a “constituição política” ou “constituição do estado” (Parte III – Organização do poder político – art.s 108.º a 276.º), a que acresce, ainda, a “constituição da constituição” (Parte IV – Garantia da constituição – art.s 277.º a 299.º).
Ora é óbvio que o poder tributário, como um dos mais importantes poderes do Estado, integra, naturalmente, a “constituição política”, a “constituição do Estado” ou a “organização do poder político”. Todavia, tendo em conta a ordenação das matérias na Constituição e a maneira como nesta se encontra, de um lado, estabelecido o primado da pessoa e da sociedade face ao Estado e, de outro, consagrado o dever fundamental de pagar impostos, torna-se evidente que a legitimidade do poder tributário não pode reportar-se apenas à constituição política, impondo-se encará-lo, também, a partir dos destinatários constitucionais desse poder. Ou seja, há que confrontar o poder tributário também, designadamente, com a “constituição da pessoa”, em que releva o dever fundamental de pagar impostos, o qual, como acontece em geral com deveres fundamentais autónomos, se configura como limites imanentes aos direitos fundamentais[11].
Mas deixando de lado a temática das relações dos deveres fundamentais autónomos com os direitos fundamentais[12], de que naturalmente comunga também o dever fundamental de pagar impostos, importa cuidar aqui de alguns aspectos mais específicos deste dever fundamental.
Desde logo, importa insistir no significado jusfundamental do dever fundamental de pagar impostos. Neste sentido é de ter em conta, para além da “constituição fiscal” no seu todo, sobretudo a formulação desse dever fundamental, no n.º 3 do art. 103.º da Constituição, que dispõe: “[n]inguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”. Um dever fundamental constitucionalmente formulado pela negativa, ou seja, a partir de um direito fundamental a não pagar impostos a não ser aqueles que se conformem com as exigências deste preceito constitucional.
Neste quadro constitucional, o dever fundamental de pagar impostos, apresenta-nos, como vimos ensinando[13], cercado de direitos igualmente fundamentais, a saber: 1) o direito de não pagar impostos a não ser aqueles que hajam sido criados nos termos da Constituição, não tenham natureza retroactiva e cuja liquidação e cobrança se façam nos termos da lei, como consta do já reproduzido n.º 3 do art. 103.º da Constituição; 2) o direito de exigir que todos os outros membros da comunidade também contribuam para o seu suporte financeiro, o que implica para o Estado que todos os membros da mesma sejam constituídos em destinatários desse dever (tarefa do legislador) e, bem assim, que todos eles sejam efectivamente obrigados ao cumprimento do mesmo (tarefa da Administração Tributária e dos tribunais); 3) o direito à eficiência da despesa pública, o que significa que o dever fundamental de pagar impostos apenas se conterá dentro dos seus limites constitucionais se a despesa pública assegurar um adequado retorno à sociedade do montante dos impostos através da prestação, em quantidade e qualidade, dos correspondentes serviços e políticas públicas[14].
Depois, a autorização constitucional em bloco ao legislador para revelar ou estabelecer os limites imanentes aos direitos, liberdades e garantias, decorrentes da existência do dever fundamental de pagar impostos, mediante o exercício do poder tributário, está longe, muito longe mesmo, de ser uma autorização em branco ou até uma autorização menos estrita do que a implicada nas leis que estabelecem restrições ou limites aos direitos liberdades e garantias fundamentais. É que o exercício do poder tributário tem de respeitar os diversos e exigentes requisitos plasmados na “constituição fiscal” que, bem vistas as coisas, não ficam atrás dos das leis restritivas aos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
De facto, nesses requisitos, temos dois importantes conjuntos de princípios constitucionais, a saber: os princípios gerais, aplicáveis a todos e cada um dos impostos que integram o sistema fiscal, entendido este como o conjunto dos tributos que devam ser considerados impostos atenta a sua estrutura; e os princípios especiais que se reportam a cada imposto ou tipo de impostos como estes se apresentam na sua menção constitucional.
Relativamente aos primeiros, podemos referir os que fixam limites de natureza formal, respeitantes a quem pode tributar, ao como tributar e ao quando tributar, em que temos os princípios da legalidade fiscal e da não retroactividade dos impostos, e os que estabelecem limites de natureza material, relativos ao que e ao quanto tributar, em que se destaca, sobretudo o princípio da igualdade fiscal a aferir pela capacidade contributiva.
Por seu turno, no que concerne aos segundos, temos em Portugal um conjunto de princípios que encontramos no art. 104.º da Constituição que, tendo começado por ser um verdadeiro programa constitucional de reforma fiscal, constitui hoje em dia, depois da concretização por etapas dessa reforma[15], um quadro paramétrico para o legislador fiscal com o seguinte conteúdo normativo: “1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar; 2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real; 3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos; 4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”.
Um parâmetro constitucional que, devemos sublinhar, na parte em que efectivamente comporta maior força normativa – o disposto no reproduzido n.º 1 em que exige que o imposto sobre o rendimento pessoal seja único e progressivo – vem sendo, em larga medida, desrespeitado pelo legislador fiscal, sem que isso tenha desencadeado quaisquer reais consequências, em sede do controlo da constitucionalidade, com destaque, naturalmente, para a manifesta falta de controlo em que tem redundado a jurisprudência do Tribunal Constitucional[16].
6. A centralidade do contribuinte nas relações jurídicas tributárias
Quanto foi dito anteriormente, tem como uma das consequências mais visíveis, a centralidade do contribuinte nas relações de direito fiscal. O que ocorre nas três relações em que a relação tributária em muito amplo se desdobra, ou seja: na relação constitucional, na relação administrativa e na relação obrigacional.
Ou seja, mais desenvolvidamente: na relação de direito constitucional entre o Estado, titular do poder tributário, e os contribuintes, destinatários do dever fundamental de pagar impostos, contribuindo para as despesas públicas em conformidade com a sua capacidade contributiva revelada na prática do correspondente facto tributário, facto gerador ou pressuposto de facto do imposto; na relação de direito administrativo entre a administração tributária e os contribuintes ou sujeitos passivos do imposto, em que aquela se apresenta munida do correspondente poder administrativo (um poder funcional) para aplicar as leis fiscais, praticando os correspondentes actos administrativos, os actos tributários[17]; na relação de relação de direito obrigacional entre a Fazenda Pública e os devedores do imposto, uma relação de natureza paritária, em que aquela não dispõe de qualquer poder de autoridade, muito embora seja titular de um direito de crédito que tem de característico, face aos direitos de crédito comuns, apresentar-se rodeado de garantias especialmente reforçadas[18].
6.1. Sentido da centralidade do contribuinte nas relações tributárias
Centralidade que tem concretização no lugar central e determinante que a actuação dos contribuintes têm no nascimento e desenvolvimento das relações tributárias, praticando o correspondente do facto tributário ou facto gerador do imposto. Daí que da não verificação do facto tributário decorra inevitavelmente ficar sem qualquer suporte a actuação do actor tributário que se segue, ou seja, da administração tributária. Pelo que a actuação desta, que se desdobra na edição do correspondente acto tributário fica irremediavelmente prejudicada.
O que implica ter em consideração, de um lado, o significado e alcance da distinção entre o facto tributário e o acto tributário e, de outro, a inaceitável desconsideração por parte da jurisdição constitucional e da jurisdição administrativa dessa centralidade. Aspectos estes que merecem algumas reflexões.
Pois bem, enquanto o facto tributário faz nascer a relação tributária, constituindo-a, o acto tributário limita-se a verificar se aquele ocorreu ou não e, no caso de ter ocorrido, retirar as correspondentes consequências legais, procedendo à liquidação (em sentido amplo) do imposto, identificando o contribuinte e procedendo às diversas operações de determinação e apuramento do quantum do imposto a pagar. Operações cujo número e complexidade ou mesmo sofisticação dependem do tipo de imposto, sendo que elas se reconduzem em abstracto à determinação da matéria colectável (ou tributável) e da taxa ou alíquota (no caso de pluralidade de taxas ou alíquotas), ao apuramento da colecta mediante a aplicação da taxa ou alíquota à matéria colectável, que virá a coincidir com o imposto a pagar, quando não haja lugar a quaisquer operações junto da colecta como as bem conhecidas e importantes deduções à colecta em sede do IRS e do IRC, caso em que a liquidação não pode deixar de abarcar também estas deduções.
Daí que o facto tributário tenha natureza constitutiva da relação de imposto e o acto tributário disponha de natureza verificativa, ainda que esta configure uma natureza verificativa constitutiva, porquanto, uma vez praticado o acto tributário, os seus efeitos retrotraem ao momento da verificação daquele[19]. Por isso não admira que tenha sido em torno do facto tributário que se tenha constituído o direito fiscal, enquanto direito substancial que tem na actuação dos contribuintes a base de todo o edifício que suporta a sua autonomia dogmática. Assim a actuação dos contribuintes é absolutamente determinante face à dos demais actores tributários, sendo juridicamente chocante que possa haver impostos em que se prescinde dos contribuintes, resultando os mesmos de uma espécie de conluio entre o legislador fiscal e a administração tributária a que, eventualmente, se soma uma inadequada tutela jurisdicional dos tribunais, no que acabamos por ter “dois em um” ou, até mesmo, “três em um”.
Importante, nesta sede, é o paradigma ou parâmetro de validade do facto tributário e do acto tributário, pois, como referimos, são bem diversos em um e outro. Com efeito, enquanto no respeitante ao facto tributário – uma actuação do contribuinte especialmente recorta na lei fiscal – estamos perante algo que releva do direito constitucional, sendo objecto de uma disciplina legal particularmente rigorosa por exigência constitucional, no que concerne ao acto tributário – um acto administrativo de identificação de um concreto contribuinte e de determinação de um concreto montante de um imposto – deparamo-nos com algo que releva do direito administrativo[20].
6.2. A limitada consideração dessa centralidade na jurisprudência
É, por isso, incompreensível e até chocante que essa centralidade seja em larga medida desprezada tanto pela jurisprudência constitucional quanto pela jurisprudência tributária. De facto quer o Tribunal Constitucional quer os tribunais tributários, com destaque para o STA, se têm recusado e ter essa centralidade em devida conta. O que podemos ilustrar com a escassíssima consideração de impostos retroactivos, de um lado, e de actos tributários nulos, de outro.
Relativamente ao primeiro aspecto, não obstante a inequívoca proibição constitucional dos impostos retroactivos, o Tribunal Constitucional, através da construção de um conceito restritivo de retroactividade dos impostos, limitando-a aos impostos afectados pelo que designa por retroactividade autêntica ou de 1º grau, acaba por branquear constitucionalmente os impostos retroactivos. Pois esta retroactividade de 1º grau verificar-se-ia apenas “nos casos em que o facto tributário que uma lei nova pretende regular já produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga”, incluindo “designadamente os respeitantes à liquidação e pagamento”.
Uma visão da proibição dos impostos retroactivos que é, de todo, inaceitável, porquanto parece assentar numa verdadeira reserva mental quanto à introdução dessa proibição na Constituição, em 1997, já que o que releva para efeitos de estarmos perante um imposto retroactivo é apenas o facto tributário ou facto gerador. Na verdade, é este que consubstancia o momento constitucional do imposto integrante da relação de direito constitucional entre o poder de tributar do Estado e o dever fundamental de pagar impostos dos contribuintes, e não a liquidação e cobrança do imposto, pois estas operações, enquanto momento administrativo do imposto integrante da relação de direito administrativo relevam apenas da administração ou gestão dos impostos.
Se a manifestação da capacidade contributiva, em que o facto tributário se suporta, que é sempre uma manifestação inequívoca do contribuinte, se encontra esgotada aquando da entrada em vigor da lei nova, a pretensão desta actuar sobre essa manifestação é retroactiva, porque inelutavelmente vai remexer no passado dos contribuintes, que estes já não têm qualquer hipótese de alterar ou levar em linha de conta. De resto, considerar a liquidação e cobrança do imposto, que são inequivocamente actos da responsabilidade da administração tributária, como elementos cuja consolidação se tem por imprescindível para a construção do conceito de retroactividade autêntica, na prática, à quase irrelevância da alteração constitucional.
De resto, o conceito de retroactividade autêntica, ao integrar ou considerar a prática do próprio acto tributário, leva a que a verificação ou não da retroactividade acabe, de algum modo, por ficar dependente da actuação da administração tributária na medida em que esta actue ou não, designadamente tomando ou não iniciativas que venham suportar a suspensão do prazo da caducidade. Ora, não é minimamente aceitável que a construção do conceito de retroactividade dos impostos, para efeitos de aplicação do princípio constitucional em referência, não tenha por suporte um conceito constitucionalmente adequado. Designadamente um conceito que obviamente não pode fazer tábua rasa do apertado quadro constitucional de concretização pelo legislador do dever fundamental de pagar impostos, nos termos em que este dever se encontra negativamente recortado no nº 3 do artigo 103º da Constituição. É sobretudo chocante que a verificação ou não da retroactividade fique nas mãos de uma das partes de relação administrativa tributária, e precisamente da que, sendo um actor estritamente subordinado à lei, não tenha qualquer papel na constituição das relações tributárias.
Algo idêntico de igualmente inaceitável se verifica em sede nulidades dos actos tributários, designadamente de actos tributários suportados em factos tributários que não se verificaram, uma vez que o regime da invalidade destes é o regime jurídico dos actos administrativos constante dos artigos 161.º a 164.º do CPA. Regime que se traduz em a invalidade regra dos actos administrativos ser a anulabilidade, como consta do artigo 163.º, admitindo-se em alguns casos que essa invalidade seja a nulidade de que cuida o artigo 161.º[21].
Todavia, não obstante a clareza da aplicabilidade destas disposições legais aos actos tributários nulos suportados em factos tributários inexistentes, os tribunais tributários, em que naturalmente se destaca o STA, vêm considerando-a praticamente inaplicável aos actos tributários. Pois, analisada a jurisprudência reiterada e constante, verificamos que, tirando os actos tributários que ofendam os casos julgados, em que está em causa a prevalência das decisões judiciais sobre as dos demais órgãos de soberania, não têm sido considerados nulos quaisquer outros actos tributários inválidos[22].
O que é de todo inadmissível, porquanto uma tal lista não pode deixar de aplicar-se aos actos tributários. E isto por maioria de razão, já que, para além de os actos tributários serem genuínos actos administrativos, apresentam-se como actos particularmente agressivos dos administrados, dos contribuintes. Por isso, a desconsideração da gravidade da invalidade dos actos tributários pela jurisprudência da nossa jurisdição tributária, face à dos actos administrativos em geral, viola descaradamente, a nosso ver, a garantia fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva contra os actos administrativos ilegais, constante dos n.ºs 4 e 5 do artigo 168.º da Constituição.
A que acresce o facto de a nulidade dos actos tributários baseados em factos tributários não verificados se enquadrar em específicos suportes legais constantes da referida lista de actos nulos do CPA. É que os actos tributários, que liquidam impostos inexistentes, enquadram-se inequivocamente nas causas de nulidade constantes das alíneas: d) os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, j) os actos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, e k) os actos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei[23].
7. O dever fundamental de pagar impostos e os crimes tributários
Mas a centralidade dos contribuintes nas relações jurídicas tributárias tem importantes consequências também em sede do direito penal fiscal, mais especificamente no respeitante aos bens jurídicos que suportam os crimes tributários, nos quais não pode deixar de estar presente, em nossa opinião, a constituição da pessoa, mais precisamente o dever fundamental de pagar impostos. Pois este, como referimos, vincula em termos de estrita solidariedade todos os membros da comunidade nacional, vínculo que é rompido pelos autores dos crimes tributários.
Assim, os bens jurídicos dos crimes tributários devem ter em conta também a constituição da pessoa, mais especificamente toda a constituição da pessoa, ou seja, a toda a matéria dos direitos fundamentais ou sistema dos direitos fundamentais, em que se integram os deveres fundamentais autónomos e sobressai, para o aqui em consideração, o dever fundamental de pagar impostos. Por conseguinte, mesmo quando, como o faz alguma doutrina, e bem, o suporte do bem jurídico em causa não é exclusivamente reportado à constituição do Estado, no caso ao poder tributário, também não pode, em nosso entender, bastar-se com a sua problematização limitada às restrições ou limites aos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Significa isto que às diversas e tradicionais fundamentações para desencadear a tutela penal a título de crimes tributários – baseadas nos modelos funcionalistas (ofensa da função tributária, ofensa do poder tributário, ofensa do sistema económico e ofensa do sistema fiscal), nos modelos patrimonialistas ou em outros modelos (ofensa dos deveres de colaboração, de verdade e transparência, ofensa da função social do Estado e crime de desobediência)[24] – impõe-se acrescentar a da ofensa traduzida na quebra do vínculo de solidariedade que suporta a existência, funcionamento e sustentabilidade da comunidade nacional. O que, nesta medida, o configura também como um crime contra o Estado comunidade, cuja existência e permanência, funcionamento (democrático) e sustentabilidade financeira implicam o cumprimento dos correspondentes deveres fundamentais, entre os quais tem fulcral importância, naturalmente, o respeitante à sua sustentabilidade financeira – o dever fundamental de pagar impostos.
Por
isso, há que olhar para os crimes tributários, reportando-os a comportamentos
que são criminalmente puníveis porque o seu desvalor vai muito para além do
facto de constituírem comportamentos contra o Fisco – contra a Fazenda Pública
ou contra o poder tributário do Estado. Na verdade tais comportamentos são
profundamente antisociais ou anticomunitários, também, porque rompem com a
solidariedade financeira inerente ao pacto ou contrato social que entrelaça
todos os membros da comunidade nacional, tanto os dotados de capacidade
contributiva, que contribuem, como os desprovidos dessa capacidade, que apenas
beneficiam. São, assim, também crimes contra a comunidade nacional e contra os
contribuintes desta, que arcam com a carga e o esforço fiscais acrescidos
decorrentes da actuação criminosa[25].
[1] Para a diferença entre suportabilidade para os contribuintes e sustentabilidade para o Estado, bem como para as diversas manifestações desta última, v. o nosso livro Problemas Nucleares do Direito Fiscal, Almedina, 2020, p. 126 – 260.
[2] V. sobre este inafastável conceito, Rogério Ehrhardt Soares, «O conceito ocidental de Constituição», Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 119.º, 1986/87, p. 36 – 39 e 69 – 73.
[3] Uma ideia afirmada de forma superlativa na Constituição Portuguesa actual, em que essa cadeia de prioridade está bem patente na ordenação das matérias no próprio texto constitucional. De facto aí encontramos a seguinte ordem: depois do pórtico (Princípios fundamentais – art.s 1.º a 11.º), a “constituição da pessoa” (Parte I – Direitos e deveres fundamentais – art.s 12.º a 79.º), a “constituição económica” ou “constituição da sociedade” (Parte II- Organização económica – art.s 80.º a 107.º) e a “constituição política” ou “constituição do estado” (Parte III – Organização do poder político – art.s 108.º a 276.º), a que acresce ainda a “constituição da constituição” (Parte IV – Garantia da constituição – art.s 277.º a 299.º). V. os nossos estudos «Uma futura revisão constitucional?», Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Vol. V, Almedina, Coimbra, 2018, p. 201 e ss., e «Do lugar dos deveres fundamentais na constituição», Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 148, 2018/19, p. 348 – 369.
[4] Ou, para os países que são Estados Membros da União Europeia, a União Europeia, instância para a qual, no essencial, transitou a “constituição económica”. V. o nosso estudo «Reflexões sobre a constituição económica, financeira e fiscal portuguesa», Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Vol. IV, Almedina, Coimbra, 2015, p. 157 e ss.
[5] Por isso, a caraterização, como é frequente, dessa realidade como neoliberalismo, não faça o menor sentido, porquanto estamos perante algo que nem é novo, pois manifestações de totalitarismo ou autoritarismo na economia como na política sempre as houve, antes e depois do liberalismo oitocentista, nem é verdadeiro liberalismo, pois impondo-se a vontade monopolística de um ou alguns participantes na atividade económica, onde está, afinal, a liberdade minimamente equilibrada entre todos os participantes na produção, distribuição e consumo de bens e serviços? Algo de que demos conta, já há alguns anos, no nosso estudo «Constituição europeia e fiscalidade», Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2005, p. 157 – 181, esp. p. 180.
[6] Uma situação que é superlativamente evidente naqueles casos em que as empresas, em virtude de crises específicas, como a decorrente da pandemia Covid-19, foram destinatárias de auxílios estaduais a fundo perdido. Caso em que, nos períodos seguintes, em que obtenham lucros, os ganhos reportados a esses auxílios, devem ser objeto de recuperação por parte do Estado, através de tributação especial ou extraordinária desses ganhos, recuperando por esta via parte dos rendimentos proporcionados pelos referidos auxílios, que se não devem a meios das próprias empresas, mas a meios oferecidos pelos contribuintes que suportam esses auxílios. No que, a seu modo, não deixa de ter alguma similitude com os auxílios constituídos por empréstimos.
[7] Para maiores desenvolvimentos, v. o nosso livro O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Contributo para a Compreensão Constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo, Almedina, Coimbra, 1998, p. 191 – 221.
[8] V., por todos, Natália de Almeida Moreno, A Face Jurídico-Constitucional da Responsabilidade Intergeracional, Estudos Doutoramento & Mestrado, n.º 9, Instituto Jurídico – FDUC, 2015; e Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos. Uma defesa da esperança política, Teorema, Alfragide, 2011.
[9] Cf. o nosso livro O Dever Fundamental de Pagar Impostos, cit.. p. 210 e ss., e «A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos», Por uma Liberdade com Responsabilidade – Estudos sobre Direitos e Deveres Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 163 e ss. (186 e ss.).
[10] V., quanto a este aspeto, o que dizemos no nosso estudo «Da sustentabilidade do Estado fiscal», em José Casalta Nabais & Suzana Tavares da Silva (Coord.), Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Almedina, 2011, p. 44 e ss.
[11] V. o nosso estudo «Direitos fundamentais e a tributação», Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Volume XCVI, 2020, Tomo II, pp. 667 – 695.
[12] V. o nosso livro O Dever Fundamental de Pagar Impostos, cit. p. 117 – 126.
[13] V. o nosso Direito Fiscal, 11.ª ed., Almedina, 2019, p. 138 e s.
[14] Uma exigência que tem expressa consagração no n.º 2 do artigo 31.º da Constituição Espanhola. Quanto ao que dizemos no texto, v.o nosso estudo «Um direito fundamental a não pagar impostos?», em Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho (Coord.), Direitos Fundamentais dos Contribuintes – Homenagem ao Jurista Gilmar Ferreira Mendes, Almedina Brasil, São Paulo, 2020, p. 233 e ss.
[15] V. os nossos estudos «A Constituição de 1976, sua evolução e seus desafios», Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2005, p. 121 e ss.; e «O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares na Constituição de 1976», Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 149.º, 2019/20, p. 328 e ss.
[16] Daí a nossa proposta de eliminação desse preceito constitucional – v. o nosso estudo «Ainda fará sentido o artigo 104.º da Constituição?», Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Vol. IV, Almedina, Coimbra, 2015, p. 135 e ss.
[17] Nos quais se incluem os próprios actos da competência da Administração Tributária no processo de execução fiscal. O que não admira, pois trata-se de actos de execução do próprio acto tributário.
[18] V. o nosso Direito Fiscal, cit., p. 233 – 238.
[19] Sobre a natureza das verificações constitutivas ou actos declarativos com efeitos constitutivos, v., por todos, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, p. 421 e ss.; e Mário Aroso de Almeida, Teoria geral do Direito Administrativo: O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 203 e ss.
[20] V., a este propósito, o que dizemos no nosso Direito Fiscal, cit., p. 235 e ss.
[21] Que dispõe: 1. São nulos os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade. 2.- São, designadamente, nulos: a) Os actos viciados de usurpação de poder; b) Os actos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas colectivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre; c) Os actos cujo objecto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime; d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental; e) Os actos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado; f) Os actos praticados sob coacção física ou sob coacção moral; g) Os actos que careçam em absoluto de forma legal; h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos; i) Os actos que ofendam os casos julgados; j) Os actos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes; k) Os actos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei; l) Os actos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.
[22] Para a nulidade dos actos tributários por ofensa do caso julgado, v. o Ac. do STA de 07/03/2007, Proc. n.º 01150/06.
[23] Mais desenvolvidamente, v. o nosso estudo «A centralidade do facto tributário e a limitada consideração na jurisprudência», Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Vol. Vi, Almedina, 2022, p. 176 e ss.
[24] Sobre os diversos modelos de legitimação das incriminações tributárias, v., por todos, Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais. Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2006, p. 241 e ss.
[25] Para mais desenvolvimentos, v. o nosso estudo «Princípios de direito fiscal e os bens jurídicos dos crimes tributários», Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 152.º, 2022/2023.