Pedro Pita Barros

Doutorado em Economia, Professor Catedrático na Universidade Nova de Lisboa, membro do Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health (European Commission), membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e membro do Conselho Nacional de Saúde. 

Conheça a sua obra em www.almedina.net


Pedro Pita Barros, economista e autor Almedina, está a acompanhar diariamente a evolução do Coronavírus na economia e sociedade portuguesa, um conjunto de artigos que iremos partilhar nesta rúbrica a que o autor chamou Vida com o Coronavírus da Covid-19

Deixar a obsessão das previsões, respeitar as medidas de contenção –  vivendo com o coronavirus

Hoje houve um conjunto de declarações (Presidente da República, Primeiro-Ministro, líder do maior partido da oposição parlamentar) que voltaram a falar da “curva” e do “achatamento da curva”. Juntando a vários comentários que tem sido feitos em diversos meios, e ideias e análises que têm sido partilhadas, creio que se justifica voltar a ter alguma troca de ideias.

Tanto quanto consigo traçar, o início deste interesse público foi muito impulsionado pelo trabalho do Jorge Buescu, com projecções baseadas numa curva exponencial. A discussão que se seguiu acabou por estimular um conjunto de reflexões e análises. A que se junta um seguimento diário por muita gente da comunicação dos novos valores de pessoas infectadas (no site da direção geral de saúde).

A propósito desses números e das várias análise que vão sendo produzidas, dois comentários breves, ambos no sentido de ser necessário usar modelos de previsão mais sofisticados. A informação passada é compatível com diferentes evoluções futuras, pelo que é necessário outro tipo de modelização, que permita trazer informação adicional para tornar as previsões mais precisas, nomeadamente a médio prazo.

Tomando esta evolução que podemos então dizer?  a) a evolução recente não foi tão negativa nos números oficiais como algumas previsões apontavam na semana passada; b) de modo algum se pode neste momento aligeirar os medidas de emergência adoptadas, uma vez que o crescimento de pessoas infectadas continua a um ritmo elevado.

Ou seja, reduzir a ansiedade com as previsões, respeitar as medidas de contenção, é o que há a fazer.

Vamos então aos comentários mais técnicos (e fechar esta forma de acompanhar a evolução por uns dias).

Primeiro, a previsão do que vai ser o ponto alto da pandemia e quando vai ser tem que ser obtida com modelos mais complexos, mais estruturais no sentido de preverem a evolução do contágio. Existem várias possibilidades para especificar esses modelos, e creio que em breve surgirão análises que os usam. Enquanto não estão colocados em discussão, deixo a possibilidade de simularem livremente nesta versão online (excelente sugestão do Giacomo Balbinotto). É preciso ter uma ideia dos parâmetros relevantes para se conseguir fazer uma análise relevante. O ideal é esses parâmetros serem obtidos de informação sobre a realidade portuguesa, e não havendo retirar estimativas da literatura internacional e do que se passa noutros países. Um ponto de partida está na descrição deste outro modelo, calibrado para a situação inglesa, e que apresenta vários dos parâmetros relevantes.

Segundo, a utilização dos modelos simples, como a curva exponencial e a curva logística, baseadas em valores passados, em análise de regressão, acabam por ter pouco valor como elemento de previsão para um futuro a médio prazo. Durante o período de crescimento exponencial do número de infectados, as duas curvas não são muito diferentes. E conforme mais informação vai sendo recolhida, existe uma aproximação das duas curvas enquanto não se atingir o ponto mais alto da epidemia. A figura seguinte ilustra com a apresentação do que é a construção destas curvas com base na informação de há uma semana atrás e com base na informação de hoje. Daqui verifica-se que a curva exponencial tem sobre-estimado os casos, enquanto a curva logística tende a sub-estimar. A evolução real tem sido no meio das duas curvas, significando que não devemos usar qualquer delas, neste momento, para prever a prazo com segurança. Conforme formos avançando, é provável que a curva logística se vá comportando melhor (sobretudo a partir do momento em que se passe o ponto alto de epidemia). Mas de momento, quem quiser fazer previsões, proponho que regresse ao ponto primeiro acima. Caso se queira fazer uma previsão para os próximos dias que seja mais fiável, a proposta é utilizar uma outra curva ainda (curva Gompertz), que o Luis Sá ilustra na figura 2 abaixo.

Figura 1: a comparação das curvas, e sua evolução numa semana
Figura 2: utilizando outra curva (a Gompertz), consegue uma melhor previsão de curto prazo, no meio da evolução das outras duas curvas.

Artigo originalmente publicado por Pedro Pita Barros a 24 de março em https://momentoseconomicos.com/2020/03/24/deixar-a-obsessao-das-previsoes-respeitar-as-medidas-de-contencao-vivendo-com-o-coronavirus-8/