Susana Tavares
Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa da Universidade Lusíada.
Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Segurança Social da Escola de Direito do Porto da Universidade Católica.
Juiz de Direito em funções na jurisdição laboral desde 2009, actualmente, no Tribunal do Trabalho do Porto.
Lei dos Acidentes de Trabalho – Anotações Práticas é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado desde 8 de Agosto de 2024.
INTRODUÇÃO
Com o presente texto pretende-se apresentar uma breve análise dos conflitos gerados pelo exercício do direito à greve, na forma como o mesmo contende com a titularidade de outros direitos fundamentais e como os tribunais têm vindo a dirimir as questões suscitadas pelo recurso a esta via reivindicativa de interesses coletivos.
Nos dias de hoje, talvez mais do que nunca, o exercício do direito à greve provoca graves disrupções no dia a dia dos cidadãos, afetando os transportes, a saúde e outros serviços que, no séc. XXI, tomamos como garantidos e que são vistos como essenciais pela comunidade que a eles recorre e que suporta o inerente custo. Nos meios de comunicação social tornou-se usual a expressão do desagrado do cidadão comum, confrontado com a supressão de serviços, uma vez que os trabalhadores que o fornecem se encontram em greve e daí as questões que se suscitam sobre de que modo se poderão estabelecer limites ao recurso a este direito fundamental, com dignidade constitucional, acautelando as necessidades da população, sem cercear desproporcionalmente este direito e como têm os tribunais nacionais decidido quando chamados a dirimir este tipo de conflitos.
Inicia-se a exposição por uma breve resenha histórica do reconhecimento deste direito e prossegue-se com uma análise dos normativos legais que o regem, bem como analisa o modo como se concerta o exercício deste direito com outros direitos fundamentais, no sentido de indicar as “ferramentas legais” a adotar para o efeito, encerrando-se este estudo com a análise de decisões jurisprudenciais que se debruçaram sobre a mesma questão.
I – Breve resenha histórica
Para que se possa identificar a génese do direito à greve, torna-se necessário recuar até aos primórdios do trabalho humano por conta de outrem. Desde a Antiguidade que existem registos de recusas em prestar trabalho por parte dum grupo de trabalhadores, recusa essa que configura o maior trunfo na reivindicação de direitos por parte de quem exerce a sua atividade perante uma qualquer entidade empregadora.
É curiosa a origem da própria denominação de “greve”, segundo Manuela Goucha Soares “Os espanhóis dizem huelga, os italianos sciopero e os galegos folga. Greve é um galicismo, e deve o seu nome à Place de la Grève — cais parisiense coberto de areia grossa (grava) que funcionava como praça de jorna no século XVIII. No século XIX, a praça foi palco de grandes protestos e reivindicações operárias, e o termo greve ganhou o uso que hoje lhe damos em Portugal e em França.” [1].
Os movimentos sindicais (nascidos a partir da 2ª metade do séc. XIX) vieram tornar o recurso a este meio de reivindicação de forma mais organizada e mais sistemática, e em Portugal, das primeiras demonstrações do exercício deste direito (então ainda não reconhecido como tal) surgiu em 1849, na luta dos operários da fábrica Vulcano, em Lisboa 1, que se insurgiram contra o “trabalho ao serão”, ou seja, até às 20h00 horas, recusando-se a prestar o seu trabalho até àquela hora.
A primeira consignação legal ocorreu em 1910, com o que viria a ser designada por “decreto burla”, porque foi considerado, pela generalidade da população, como tendo ficado muito aquém do que era esperado, na defesa dos direitos dos trabalhadores. Nas palavras de Débora Val Escadas,
“O decreto-lei de 6 de dezembro de 1910, que regulamentou o direito à greve, foi talvez o que mais causou indignação à classe operária, fazendo com que a República merecesse o descrédito do operariado. Foi a partir deste decreto que os operários perceberam que, tal como outro regime, a República não contribuiria para a sua causa. Reconhecendo o direito de os operários fazerem greve (com exceção dos funcionários públicos), direito que não foi consagrado durante a monarquia, este decreto reconhecia também aos patrões o direito de fazerem lock-out. O decreto exigia ao mesmo tempo o aviso prévio da cessação do trabalho nos serviços de interesse público, com uma antecedência de 8 ou 12 dias (8 dias para as greves nos transportes, 12 dias para as greves nos serviços de eletricidade, água e serviços de saúde). Estas disposições, permitindo o lock-out e retirando o elemento surpresa das greves, fortaleceriam as vantagens dos patrões em relação aos operários grevistas, que ficariam com as suas capacidades de resistência diminuídas. Demais, o artigo que permite o lock-out coloca num mesmo patamar os direitos dos trabalhadores e dos patrões, o “que chocou os sentimentos e as aspirações emancipatórias que muitos operários depositariam nas novíssimas instituições republicanas” (Freire, 2000: 80). A revolta que o decreto causou nos trabalhadores está patente na imprensa operária. A Aurora afirmava que “querer regulamentar um meio de que o operário lança mão para fazer valer os seus legítimos direitos é um absurdo […]. Os operários, quando se declaram em greve, é porque alguns motivos têm para isso. Greves sem motivo é que nunca houve. Toda a gente o sabe. Por que razão, pois, entendeu o governo que havia de regulamentar o uso de um direito aos que trabalham?” (A Aurora, 25/12/1910, p. 1).” [2]
No seguimento desta mesma legislação, em março de 1910, os operários das fábricas conserveiras em Setúbal entraram em greve, e, tendo sido chamada a intervenção da GNR, para fazer cessar o movimento, dois trabalhadores chegaram mesmo a ser mortos. Ainda assim, entre 1910 e 1926, historiadores contabilizaram 518 paragens em vários sectores da economia (vide Manuela Soares, In,artigo acima indicado), tendo em 128 das mesmas sido atingidos os objetivos dos trabalhadores grevistas.
Estas conjuntura viria, no entanto, a ser drasticamente alterada com o Estado Novo, com a proibição deste direito e do lock-out em fevereiro de 1927 e a correspondente inscrição na Constituição de 1933.
De acordo com José João Abrantes,
“A Constituição Portuguesa de 1933 foi o resultado “natural” de uma situação de facto então existente, marcada por essa reação antiliberal verificada um pouco por toda a parte na política europeia.
Nela são patentes diversas influências doutrinárias, desde o jusnaturalismo, com a crença nos direitos naturais da pessoa humana e das sociedades primárias, à doutrina social católica, com a afirmação do corporativismo e das ideias do dever do Estado de proteção à família e ao trabalho e da paz social, até ao chamado “socialismo catedrático”, com a defesa do reforço do Estado e da sua intervenção na vida económica, embora com respeito pela propriedade e iniciativa privada.
Se o regime autoritário (“Ditadura Militar”), instaurado na sequência da chamada “Revolução Nacional” de 28 de maio de 1926 já traz consigo o gérmen de um Estado corporativo, é, porém, em 1933 que surgem os diplomas legais que lançam os seus princípios fundamentais, maxime a Constituição de 1933 e o Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-lei nº 23.048, de 23.09.1933). (…)
A proscrição da greve e do lock-out, já consagrada no Decreto nº 13.138, de 15 de Fevereiro de 1927, foi elevada à dignidade constitucional em 1933, através dos artºs 39º da Constituição e 9º do ETN, com o Decreto-Lei nº 23.870, de 18 de Maio de 1934, a fixar as respetivas penalidades.”[3]
Estamos perante o conceito de greve como “delito” ou violação do contrato de trabalho, por parte dos trabalhadores, sem reconhecimento de qualquer fundamento válido para a sua realização.
Nas palavras de Ruy Manuel Correia de Seabra,
“A partir da segunda metade do século XIX, mormente a partir da revisão do Código Penal Francês, os delitos de coligação e greve apenas são punidos se acompanhados de violências, ameaças ou manobras fraudulentas, atentatórias da liberdade do trabalho. É a despenalização da greve. É a fase da greve-liberdade. Livre, mas ainda não oponível ao destinatário direto – a entidade patronal- pelo que originava uma violação do contrato de trabalho e, assim, era fundamento de resolução do contrato pelo empresário com base em incumprimento do acordado. Por fim, e eis a terceira fase, o conceito de greve foi evoluindo no sentido de ser considerado um direito – com ou sem consagração constitucional – direito esse cujo exercício não implica a cessação do vínculo contratual, antes fazendo incorrer os trabalhadores aderentes na figura da suspensão do contrato.
(…) Em Portugal, também a evolução foi mais ou menos parelha. Com efeito, durante o período liberal e até à implantação da República, a greve foi prevista e punida, com prisão e multa. Após a proclamação da República passa a greve a ser reconhecida e regulada, aliás, como o lock-out. Com a Revolução de 1926 através do Decreto n° 13 138, de 15 de fevereiro de 1927, voltou a greve a ser proibida, proibição esta continuada e confirmada pela Constituição de 1933 e pelo Estatuto do Trabalho Nacional que considerou “ato punível a suspensão ou perturbação das atividades económicas”, quer pelas empresas quer pelos trabalhadores. A Revolução de Abril de 74 reconheceu de novo a greve como um direito dos trabalhadores, regulamentando o DL n.° 392/74, de 28 de agosto o seu exercício. Reconhecimento confirmado, posteriormente, pela Constituição de 76.” [4].
Chegamos, assim, à Constituição de 76 e à profunda alteração ali introduzida quanto à consagração dos direitos sociais, que estabeleceu (na redação dada pela Lei nº 1/82 de 30/09) no seu artigo 58º “1. É garantido o direito à greve. 2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito. 3. É proibido o lock-out.”.
É, pois, a partir da admissão constitucional deste direito que se iniciam os primeiros esboços legislativos nacionais para conformar e delimitar o seu exercício. O Decreto-Lei nº 392/74 de 27/08 veio estabelecer, no seu introito “1. A Constituição Política de 1933 e o Estatuto do Trabalho Nacional, de 23 de Setembro de 1933, proibiram a greve e o lock-out, para os quais se estabeleceu minuciosa tipificação penal (Decreto-Lei n.º 23870, de 18 de Maio de 1934). A rutura da ordem política vigente até ao dia 25 de Abril implica a revogação do regime de proibição da greve e do lock-out, em consonância, aliás, com o reconhecimento das associações sindicais e patronais e dos princípios que encontram expressão adequada no Programa do Movimento das Forças Armadas, parte integrante da nova ordem constitucional (Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio).
2. No plano internacional e nos países onde é admitida a greve, o atual estatuto jurídico é expressão de uma certa mas segura evolução no sentido do reconhecimento de garantias mínimas de defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores, evolução estreitamente ligada à progressiva consagração da liberdade sindical e do direito ao sindicato e à atividade sindical. Nesta perspetiva, a greve é um fator de ordem económica e social que importa regular em ordem a determinar e estabelecer as formas e garantias do seu exercício e da defesa de outros direitos fundamentais.
3. O presente diploma, evitando uma minuciosa regulamentação do exercício do direito à greve, estabelece, porém, as grandes linhas de orientação e os limites do exercício de tal direito, conexionando-os com os princípios jurídicos da regulamentação das relações coletivas de trabalho e com os poderes do Governo no domínio da requisição e mobilização definidos em lei especial.”.
Este diploma legal, no entanto, vedava, expressamente, o exercício deste direito a algumas classes profissionais (cfr. artigo 3º) como os militares ou os magistrados judiciais, contendo ainda (artigo 6º) algumas situações em que a greve deveria ser considerada como ilícita, tendo por base os motivos que lhe estavam subjacentes. Impunha ainda, o mesmo diploma legal, um período prévio de negociações nas quais as partes envolvidas teriam de participar de modo a tentar-se uma solução consensual, sendo a greve legitimada apenas se as reivindicações dos trabalhadores fossem “significativamente” desatendidas pela entidade patronal em causa.
Estamos perante texto que provém da intensa discussão ideológica que se desenrolou no seguimento da Assembleia Constituinte e do confronto entre os ideais socialistas, marxistas e outros que ali se debateram de forma a concluir-se por um texto que retratasse o respeito legislativo pelo trabalho e pelos trabalhadores e se reconhecesse o direito à greve como uma arma legítima da luta anti-fascista que confere aos trabalhadores uma forma de obter o reconhecimento das suas pretensões.
O Decreto-Lei nº 392/74 viria a ser revogado pela Lei nº 65/77 de 26/08, alterada posteriormente pela Lei nº 30/92 de 20/10, a qual se manteve em vigor até ser revogada pela Lei nº 99/2003 de 27/08 que aprovou o Código do Trabalho (CT) de 2003 e que, por seu turno, viria a ser revogada pela Lei nº 7/2009 de 12/02 que contém a versão atual do CT, tendo sofrido diversas alterações (23 precisamente) nestes seus 16 anos de vigência.
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II – Do atual regime legal
No CT em vigor o direito à greve encontra a sua previsão nos artigos 531º a 543º (constituindo a Secção I do seu Capítulo II), estatuindo-se logo naquela primeira norma legal “1 – A greve constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores.
2 – Compete aos
trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve.
3 – O direito à greve é irrenunciável.”
Temos, pois, que confrontando esta norma legal com a previsão acima indicada do Decreto-Lei nº 392/74, a sua redação não difere em grande medida, mas no atual conjunto normativo referente ao direito à greve, já não se excluem classes profissionais do seu exercício. Ainda assim, é consabida a alargada controvérsia gerada pelas greves decretadas por associações sindicais dos magistrados judiciais ou de forças policiais, dado que, para muitos juristas e constitucionalistas, estamos perante classes profissionais que, atentas as características das funções que exercem, nomeadamente quanto aos magistrados judiciais enquanto titulares de um órgão de soberania, ficam impedidos de reivindicar as suas pretensões laborais por este meio, uma vez que lhes está vedado absterem-se de exercer as suas funções.
A este propósito destaca-se aqui o artigo elaborado por José Joaquim Fernandes Oliveira Martins quando destaca,
“…os juízes “são titulares de órgãos de soberania e têm, concomitantemente, uma carreira profissional vitalícia e que os obriga a uma total exclusividade”, pelo que o seu estatuto constitucional e profissional tem uma natureza híbrida ou dual. De resto, existe um ponto (muito) concreto em que os juízes estão muito próximos dos trabalhadores propriamente ditos, a “dependência económica (um critério que tem sido cada vez mais considerado para a qualificação de uma relação como laboral), dado que os juízes devem exercer essas funções em exclusividade, dependendo, em absoluto, da sua retribuição para poderem “sobreviver”. Esta aproximação dos juízes aos trabalhadores relativamente ao seu concreto estatuto sócio-profissional leva, a nosso ver, que se possam associar sindicalmente e exercer o direito à greve, sem o que não teriam qualquer outra forma de reivindicar direitos relativos à sua carreira profissional (como, inter alia, os relativos às condições em que exercem as funções de juízes ou à sua remuneração) ou até protestar contra alterações legislativas que ponham em causa a independência do poder judicial.” [5].
Em concordância absoluta com esta opinião, permito-me ainda destacar que os magistrados judiciais não têm qualquer interferência direta nas condições em que são admitidos, que lhes são determinadas pela lei e estatutos vigentes e que a natureza das funções que exercem não afasta a sua caracterização também como trabalhadores que, desprovidos dos seus direitos enquanto tal, ficariam à mercê do poder executivo no que toca às condições essenciais ao desempenho da magistratura.
O conjunto de normas acima indicadas do atual CT determina que a competência para a declaração da greve é das associações sindicais, mas já não se prevê qualquer período prévio negocial, impondo-se, ainda assim, que seja dada um pré-aviso, com a antecedência de cinco dias úteis, ou mais extenso de 10 dias úteis quando a greve é decretada em sectores de atividade que se “…destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis…”, tal como previstas no artigo 537º do mesmo diploma legal. Este pré-aviso deve ser comunicado à entidade empregadora e ao Ministério do Trabalho (designadamente, a atual Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho), e deverá ainda conter os elementos necessários, designadamente, ao estabelecimento de serviços mínimos. O referido artigo 537º do Cód. do Trabalho prevê “1 – Em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.
2 – Considera-se, nomeadamente, empresa ou estabelecimento que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis o que se integra em algum dos seguintes sectores: a) Correios e telecomunicações;
b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
e) Abastecimento de águas;
f) Bombeiros;
g) Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;
h) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respetivas cargas e descargas;
i) Transporte e segurança de valores monetários.
3 – A associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações.
4 – Os trabalhadores afetos à prestação de serviços referidos nos números anteriores mantêm-se, na estrita medida necessária a essa prestação, sob a autoridade e direção do empregador, tendo nomeadamente direito a retribuição.”.
Deste texto legal, podemos, assim, desde já concluir que, os serviços mínimos, que são entendidos pelo legislador como imprescindíveis de manutenção em caso de ser decretada greve nestes sectores de atividade, constituem o primeiro limite imposto ao exercício deste direito fundamental.
Estamos perante atividades que, pela sua importância para a vida quotidiana dos cidadãos, não são compatíveis com uma supressão total dos mesmos, mas, estando a norma legal acima transcrita formulada em termos enunciativos e não taxativos, existirão outros que poderão requerer a imposição de serviços mínimos de modo a não causar um prejuízo desproporcional ao exercício do direito à greve.
Analisando este tema, António José Moreira, apreciou a questão que ali coloca como sendo: será o Direito capaz de “domar” este direito, equiparando a greve ao direito de ação direta prevista no Código Civil (cfr. art. 336º), conclui que noutros ordenamentos a greve é vista como última ratio a que se recorre quando já não é viável o recurso judicial para a reivindicação dos direitos subjacentes, concluindo que,
“Parece que a nossa ordem jurídica ao estabelecer mecanismos próprios para se dirimirem conflitos coletivos jurídicos prossupõe que, nesses casos, não possa haver recurso à greve. Nesta linha de pensamento o artigo 492, nº 3, do CT, que prevê que as convenções coletivas de trabalho podem estabelecer a constituição de comissões paritárias para a resolução de conflitos coletivos jurídicos. No mesmo sentido apontam os artigos 183º a 186º do Código de Processo do Trabalho. A conclusão sufragada só será de seguir quando os mecanismos apontados possam funcionar na sua plenitude, o que não acontecerá muitas vezes. Nestes últimos casos parece-nos que não estará em causa a violação do princípio da exclusividade ou monopólio estadual da função jurisdicional. As similitudes entre a greve e a ação direta não são totais já que, na ação direta, pressupõe-se a inviabilidade de recorrer aos meios coercivos normais, judiciais ou policiais, enquanto que na greve o que mais relevará será o manifesto desinteresse por uma decisão judicial, quando ela seja possível e útil, ou a subtração, ex rerum natura, ao poder judicial, pela natureza dos interesses a defender, o que, em última instância, nunca sucederá com a ação direta.”. Acrescenta ainda o mesmo autor, mais adiante, neste mesmo estudo,
“A greve e o correlativo direito também têm os seus limites, não obstante a aparente irrestrição que resulta do número 2 do artigo 57º da Constituição. O direito de greve não é um direito absoluto. Mas não significará o reconhecimento do direito constitucional de greve a legalização da luta de classes?” [6].
Não se pode deixar de concordar com a afirmação de que o direito à greve não é um direito absoluto, dado que tem de conviver com outros direitos fundamentais dos cidadãos. Apesar da greve ser decretada por associações sindicais, é um direito que não pode ser imposto a cada um dos trabalhadores visados pela comunicação coletiva, já que cada um deles pode aderir ou não ao exercício deste direito, seja ou não filiado na mesma associação.
Importa ainda salientar, que, de acordo com o disposto no artigo 542º do CT existem aspetos do direito à greve que podem ser regulamentados por convenção coletiva de trabalho, embora esta esta possibilidade esteja limitada, de acordo com a referida norma legal, aos seguintes aspetos:
– definição dos serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações e dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer a necessidades sociais impreteríveis; – procedimentos de resolução de conflitos a instituir pelas partes (empregadores e sindicatos) suscetíveis de determinar o recurso à greve; – adoção da chamada “cláusula de paz social” pela qual as associações sindicais se comprometem, durante a vigência do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, a não declarar qualquer greve com o objetivo de introduzir alterações no mesmo acordo coletivo de trabalho.
Não se pode também deixar de fazer menção à intervenção da arbitragem na definição dos serviços mínimos e de acordo com o disposto no artigo 538º do CT “1 – Os serviços previstos nos n.os 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respetiva associação de empregadores. 2 – Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de acordo sobre a definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral, assessorado sempre que necessário pelo serviço competente do ministério responsável pelo sector de atividade, convoca as entidades referidas no número anterior para a negociação de um acordo sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar. (…) 4 – No caso referido nos números anteriores, na falta de acordo nos três dias posteriores ao aviso prévio de greve, os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar são definidos: a) Por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo sector de atividade; b) Tratando-se de empresa do sector empresarial do Estado, por tribunal arbitral, constituído nos termos de lei específica sobre arbitragem obrigatória. 5 – A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. 6 – O despacho e a decisão do tribunal arbitral previstos no número anterior produzem efeitos imediatamente após a sua notificação às entidades a que se refere o n.º 1 e devem ser afixados nas instalações da empresa, estabelecimento ou serviço, em locais destinados à informação dos trabalhadores.”. A este propósito estatui o Decreto-Lei nº 259/2009 de 25/09 que regulamenta o funcionamento da arbitragem voluntária e obrigatória e que tem especial incidência nas greves decretadas no sector público, dado que, de acordo com o estatuído nos artigos 394º a 399º da Lei nº 35/2014 de 20/06 (LTFP) o recurso à arbitragem é obrigatório para a determinação dos serviços mínimos – cfr. artigos 399º do referido diploma legal.
Estando perante o exercício dum direito que determina a suspensão do contrato de trabalho, mantendo o vínculo laboral, mas isentando o trabalhador de exercer as suas funções, de prestar o seu trabalho e, por parte da empregadora, da obrigação de pagar a respetiva remuneração, para além dos serviços mínimos supra indicados, que outros limites enfrenta o exercício do direito à greve e como convive com o exercício dos outros direitos fundamentais?
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III – Convivência entre o direito à greve e outros direitos fundamentais
Pese embora tenha redação anterior à Constituição de 76, o artigo 335º do Código Civil mantém-se ainda em vigor e a propósito da existência de conflitos entre direitos estatui “1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.”. Deste modo, na determinação de qual o direito que deverá prevalecer, quando existe um conflito entre o direito à greve e outros direitos fundamentais, se forem de idêntica natureza, devem ambos ceder na medida do que for necessário de que modo a que possam “coabitar”, daí a necessidade de se estabelecerem os serviços mínimos a que acima se fez menção ou do aviso prévio. A determinação do direito superior a prevalecer, nos termos da norma legal acima transcrita há-se ser, crê-se, determinada casuisticamente, de acordo com os contornos do caso em concreto de forma a aferir, qual deverá ser o direito que terá de ceder e em que medida.
O relevo dado pelo legislador na delimitação do exercício deste direito fundamental, encontra-se expresso na obrigação decorrente da apresentação de aviso prévio. Na verdade, não basta uma associação sindical (ou uma associação de trabalhadores na hipótese prevista no artigo 531º do Código do Trabalho) decidir decretar uma greve, para que a mesma seja legítima e possa fundamentar a ausência dos trabalhadores e a suspensão dos seus contratos de trabalho. A lei obriga a que seja apresentado, com a antecedência prevista no artigo 534º do mesmo diploma legal, um aviso prévio, o qual obedece a requisitos de publicitação e de conteúdo ali igualmente estipulados, de forma a que o empregador e a entidade pública que intervêm no processo em causa possam ter conhecimento quer das suas pretensões, quer do período fixado para a paralisação e dos eventuais serviços mínimos a cumprir.
A propósito de outra questão conexa com a interpretação deste mesmo preceito legal, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 376/2019 consignou,
“O Decreto-Lei 251/87, de 24 de Junho (Regulamento Geral sobre o Ruído) não se destinou, nem se destina a resolver conflitos que possam surgir entre o direito de propriedade do prédio (estabelecimento) onde se desenvolva atividade que produza ruído e os direitos à integridade física e moral das pessoas, à saúde, ao ambiente e à qualidade de vida.” As soluções concretas e os instrumentos metódicos a utilizar dependem essencialmente da natureza dos direitos, e bens em conflito, pois – “Se o conflito se estabelece entre “direitos, liberdades e garantias” sujeitos a reserva da lei restritiva, o legislador pode fazer ingerências e limitar o exercício dos dois direitos na medida necessária, estabelecendo. de forma proporcionada. a concordância prática entre ambos”. – “Em caso de conflito entre “direitos, liberdades e garantias” não sujeitos a reserva da lei restritiva com outros direitos fundamentais (exemplo direitos económicos, sociais e culturais) ou outros bens constitucionalmente postergados (defesa, saúde) devem prevalecer aqueles. – Se o conflito surgir entre “direitos, liberdades e garantias” sujeitos a reserva de lei restritiva e outros bens ou direitos, há ainda persistência dos primeiros”.” [7].
Há, pois, uma hierarquia de direitos que deve ser atendida, mas é necessário considerar que, quando estamos perante direitos fundamentais, a sua limitação não poderá ser de molde a cercear totalmente o seu exercício e daí a ponderação cuidada que, perante caso concreto, se terá de realizar de forma a determinar, quanto ao exercício do direito à greve, se o mesmo deverá ser limitado com os serviços mínimos que sejam considerados indispensáveis.
Neste ponto, importa ainda fazer menção a outro instituto diretamente conexo com o exercício do direito à greve introduzido pelo Decreto-Lei nº 637/74 de 20/11, que se traduz na requisição civil e que de acordo com o artigo 1º daquele mesmo diploma legal é definido da seguinte forma: “– 1. A requisição civil compreende o conjunto de medidas determinadas pelo Governo necessárias para, em circunstâncias particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de sectores vitais da economia nacional. 2. A requisição civil tem um carácter excecional, podendo ter por objeto a prestação de serviços, individual ou coletiva, a cedência de bens móveis ou semoventes, a utilização temporária de quaisquer bens, os serviços públicos e as empresas públicas de economia mista ou privadas.”. O recurso a esta verdadeira “arma nuclear” de ingestão do poder público é determinado por portaria do ministério responsável pelo setor de atividade visado, estando prevista no artigo 541º nº3 do atual CT e desde a sua entrada em vigor já foi utilizada em Portugal 32 vezes, sendo a última registada em 2019 a propósito de uma greve convocada por enfermeiros, o que revela claramente e se dúvidas persistissem de que não estamos perante um direito absoluto. Neste sentido concluiu, igualmente, Maria João Carvalho Lopes, na sua Dissertação de Mestrado, quando, analisando este mesmo instituto, e das suas consequências no exercício do direito à greve explicitou,
“A resposta é-nos fornecida, em termos claros e sintéticos no Ac. de Arbitragem Voluntária emitido no âmbito do Proc. n.º 06/2015-SM, emitido em 30 de março de 2015, que teve como Árbitro/Presidente João Leal Amado, ao afirmar que: “sendo o direito à greve um direito fundamental, constitucionalmente incluído no catálogo dos “direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores”, ele não é, obviamente, um direito absoluto, estando, de resto, igualmente expressa na Constituição a necessidade de cumprimento dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (n.º 3 do art. 57.º da CRP).” (…) As restrições que são admitidas pela CRP, e nos termos do disposto no art. 18.º, n.º 2 e 3, têm de obedecer ao princípio de necessidade, adequação e proporcionalidade, ponderando o princípio da excecionalidade da restrição aos direitos fundamentais. Ou seja, a requisição civil apenas deve ser usada para assegurar a prestação dos serviços mínimos, e não a continuidade normal do serviço ─ princípio da necessidade ─ na medida do estritamente necessário para a manutenção dos serviços mínimos ─ princípio da adequação ─ e proporcional, sob pena de se sobrepor ao exercício do direito à greve. Assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira advogam que “mesmo quando constitucionalmente autorizada, a restrição só é legítima se for exigida pela salvaguarda de um outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido, e a medida restritiva estabelecida por lei tem de sujeitar-se ao princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo, com as suas três dimensões – necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito – de forma a que as restrições se limitem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.º, n.º 2) [CRP].” (nosso sublinhado) [8].
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IV – Análise jurisprudencial
A) Os Tribunais têm sido chamados a dirimir inúmeras questões suscitadas pelo exercício deste direito à greve. A opção por este tema, decorre, precisamente, de decisão elaborada pela aqui signatária, no âmbito dos autos com o nº 9986/22.3T8PRT [9] nos quais, uma empresa, confrontada com um pré-aviso de greve por parte dum sindicato, com a duração de sete meses, veio deduzir providência cautelar, visando obter a sua suspensão, invocando que a mesma era abusiva em face da desproporção entre as suas reivindicações e os prejuízos que lhe iriam ser causados, por um período tão extenso de paralisação.
Tendo-se analisado a situação em concreto, verificou-se que a requerente não havia demonstrado qualquer prejuízo suscetível de ser causado pela greve, quer pela imprevisibilidade do seu impacto (até porque estávamos perante sindicato/requerido com apenas um trabalhador filiado nessa mesma empresa…) quer pela inexistência de serviços mínimos que tivessem sido impostos, tendo o Tribunal ali consignado,
“Isto para dizer que o prejuízo invocado pelo requerente ficará dependente do grau de adesão dos trabalhadores ao seu serviço, sejam eles filiados no requerido ou não, mas por agora, o que se demonstrou na presente lide é que o impacto tem sido nulo, pelo que a requerente não demonstrou o prejuízo causado pela greve que constituía um dos requisitos de procedência deste procedimento cautelar traduzido no periculum in mora que invoca no seu requerimento inicial. Acresce ainda que mesmo que, por mera hipótese, os trabalhadores ao serviço da requerente venham a aderir a esta greve em números que possam determinar um prejuízo sério à atividade da mesma, que não se p ode deixar de considerar como imprescindível, tal determinaria a concretização de serviços mínimos que acautelassem o exercício das tarefas indispensáveis à atividade da requerente de acordo com os critérios a definir pela entidade competente, o que até ao momento ainda não se verificou.”, pelo que a providência cautelar foi julgada improcedente.
B) Salienta-se ainda que, tal como tem vindo a ser unanimemente explicitado pela jurisprudência o direito à greve não é confundível com o cumprimento deficiente ou parcial da prestação de trabalho, ou seja, nem todas as formas de abstenção da prestação de trabalho poderão ser reconhecidas como o exercício legítimo do direito à greve; entre as várias decisões proferidas, destacamos aqui o Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2012[10], quando salientou,
“II – A greve importa uma abstenção ao trabalho, abstenção essa que deve ser total. Tendo a greve por efeito a suspensão do contrato não pode a mesma confundir-se com uma execução parcial ou imperfeita do contrato, devendo constituir um pleno não cumprimento contratual.”. Daí que, certas modalidades do exercício do direito à greve, que implicam faltas parciais ou recusa na execução de algumas tarefas suscitam dúvidas se poderão ser consideradas como tal. Por outro lado, resultando a greve numa suspensão do contrato de trabalho, e ficando os trabalhadores que aderem à mesma dispensados do cumprimento do dever de assiduidade e/ou pontualidade, a entidade empregadora não poderá valer-se das faltas cometidas no seu decurso para daí extrair conclusões ou valorá-las de modo a sancioná-los, seja de forma disciplinar (considerando a abstenção como faltas justificadas) ou económica (como para o cálculo de qualquer prémio dependente destes fatores).
C) Quanto à imprevisibilidade do impacto da greve na atividade do empregador visado com a mesma, atente-se também no que se exarou no Acórdão da Relação de Lisboa de 03/12/2014 [11], o seguinte,
“O Professor JOSÉ JOÃO ABRANTES, a respeito da natureza jurídica do direito de greve, afirma o seguinte:
«3.1. A greve é um direito dos trabalhadores subordinados enquanto tais, independentemente da sua filiação sindical. A titularidade desse direito pertence ao trabalhador individualmente considerado. Na nossa lei, são, aliás, admitidas paralisações decretadas à margem do sindicato (art. 531.°/2 do CT); mas, mesmo nas que são decretadas pelos sindicatos, estes – tal como, naquele caso, as assembleias de trabalhadores – surgem como meros instrumentos do exercício da abstenção coletiva, não como titulares do direito correspondente, que é um direito do trabalhador singular. O momento decisivo do exercício da greve é o da adesão individual, através da qual o trabalhador deixa de prestar o trabalho contratual ‑ mente devido; só há greve se for concretizada pelo trabalhador a decisão de parar o trabalho.
Simplesmente, reduzir a greve a esse momento individual seria desfigurar um fenómeno que também tem uma dimensão coletiva, dele inseparável. A greve é um direito dos trabalhadores individuais, viabilizado pela dimensão coletiva do fenómeno. Para exercer o seu direito (individual) de greve, o trabalhador carece de uma intermediação. A dimensão individual — o “direito” de fazer greve, em si, que é um “direito” potestativo de adesão à declaração de greve, que suspende as prestações principais do contrato — está legalmente condicionada a uma eventual declaração de greve no sector. A greve é um direito de estrutura complexa. Corresponde a uma reivindicação individual de cada trabalhador, mas a exercer em conjunto pelos vários trabalhadores. A declaração de greve ainda não é uma greve, mas constitui uma condição da sua licitude.
A greve é um direito dos trabalhadores enquanto membros de um determinado grupo portador de interesses próprios, cujo exercício pressupõe o concurso dos membros do grupo considerado. É enquanto membro de uma categoria portadora de interesses coletivos que o trabalhador se pode abster de trabalhar em conjunto com outros, sem a sua conduta ficar exposta à incriminação. Por outro lado, do ponto de vista individual, o mesmo trabalhador tem a faculdade de, aderindo a uma greve, interromper a prestação de trabalho, sem que possa ser contratualmente responsabilizado, antes desencadeando, por uma sua opção pessoal, a suspensão do vínculo laboral.
A greve é um instrumento de auto-tutela de interesses coletivos, através do qual se reconhece aos trabalhadores a possibilidade de agirem em defesa de fins coletivos que se proponham, negando temporariamente ao empregador a disponibilidade da sua força de trabalho. O exercício da greve sobrepõe a liberdade pessoal dos trabalhadores a um compromisso de atividade contratualmente assumido, com aqueles a colocarem-se provisoriamente “fora do contrato”. A greve é um direito individual de cada trabalhador, que comporta uma dimensão coletiva, que, sem apagar essa fisionomia de direito individual, faz parte do seu próprio conteúdo e é condição da sua efetivação.
3.2. Algumas dificuldades podem suscitar-se perante a afirmação de um direito do trabalhador perante a contraparte, com reflexo no conteúdo da relação laboral, sem que esteja necessariamente em causa uma pretensão situada no domínio dessa relação e na zona de influência do empregador. Exemplo de escola é a greve de solidariedade, modalidade de abstenção coletiva de trabalho que visa objetivos que estão fora da área de disponibilidade do empregador. No nosso sistema, articulam-se uma liberdade pública e um direito potestativo. Do facto de a faculdade de abstenção coletiva se projetar nas relações individuais de trabalho, reagindo sobre os interesses particulares que nelas se confrontam, não resulta qualquer restrição à licitude da greve. O exercício deste “direito de greve” tem, à luz do n° 2 do art. 57.º da CRP, o mesmo espaço e sujeita-se aos mesmos limites que o exercício da “liberdade de greve”. Contrariamente ao que ocorria com o Decreto-Lei n° 392/74, não existe hoje uma “funcionalização” da greve a certos objetivos, nomeadamente a interesses especificamente profissionais.
A conceção subjacente ao n°2 do art. 57° assenta na especial natureza dos interesses juridicamente tutelados e na relação que se estabelece entre eles e os que se confrontam na relação individual. Trata-se de interesses coletivos que se não confundem com o interesse singular de cada trabalhador envolvido, mas cuja tutela direta há-de necessariamente passar por condutas individuais, embora coligadas. O contrato permanece, não obstante o facto de o trabalhador suspender a prestação de atividade. O exercício, em certos termos, da “liberdade” de não cumprir o contrato não representa violação deste porque, durante a paralisação coletiva, o trabalhador fica exonerado do seu débito perante o empregador. A lei reconhece a causa da paralisação como apta a descaracterizá-la enquanto violação contratual. Afirma desse modo a prevalência do interesse do trabalhador sobre o do empregador, conferindo ao primeiro a faculdade de agir de certo modo: mais do que uma liberdade, trata-se de um verdadeiro direito, um direito potestativo, oponível à contraparte no contrato, cuja posição se assume como uma sujeição, com a necessidade de suportar as modificações assim introduzidas no conteúdo da relação». (…)
Essa possível desconformidade quantitativa ou mesmo qualitativa entre a decisão orgânica ou mesmo coletiva de se entrar em greve e a forma efetiva como esta se vai desenrolar (inclusive, à revelia total ou parcial do comunicado e planeado, quer ainda dentro dos limites legais, quer já fora deles) revela a estrutura mista e complexa do correspondente direito, que se desdobra temporalmente em diversos e sucessivos atos de entidades muito diversas (associações sindicais e patronais, trabalhadores, empregadores, tribunais arbitrais e Estado) e que possui um carácter de imprevisibilidade, quer em termos de execução como de conteúdo, que importa assinalar.”.
D) O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem-se debruçado sobre as questões referentes ao exercício do direito à greve e, entre elas, destacam-se os seguintes arestos:
Acórdão de 14/02/1991[12], quando, ainda à luz da anterior legislação, explicitou
“I – Os contratos de trabalho dos trabalhadores em greve devem considerar-se suspensos, nos termos do artigo 7 n. 1 da Lei n. 65/77 de 26 de Agosto, não se mantendo o dever de obediência as ordens da entidade patronal. II – Durante a greve, não compete a entidade patronal assegurar a prestação de serviços mínimos, por não manter o poder diretivo sobre os trabalhadores em greve, sendo a requisição civil ou a mobilização o processo de garantir esses serviços.”, o que evidencia que os serviços mínimos não dependem, como resulta claramente da redação dos atuais artigos 534º e 537º ambos do Código do Trabalho de 2009, da entidade empregadora, que não pode impô-los aos trabalhadores grevistas.
E) A respeito da celeridade necessária na determinação dos serviços mínimos, o Ac. do STJ, de 08/02/2024 [13] (sendo este o mais recente entre vários outros com idênticas decisões), consignou,
“E ao contrário do que pretende o Reclamante há um interesse na celeridade da definição definitiva dos serviços mínimos. No nosso sistema legal a greve pode ser decretada por um período determinado, mais ou menos longo, mas também por período indeterminado. É certo que tradicionalmente a greve era decretada por alguns poucos dias, de tal modo que sendo os serviços mínimos definidos pelo tribunal arbitral, o Tribunal da Relação normalmente já se pronunciará após a greve ter cessado. No entanto, não só nada impede que a greve, como se referiu, seja decretada por um período substancialmente mais longo, fenómeno hoje mais comum, mormente pela difusão dos designados “fundos de resistência”, como a celeridade prende-se com a importância em definir rapidamente se deverão existir, e em caso afirmativo quais serão, os serviços mínimos a assegurar pelos grevistas. Com efeito, não só o incumprimento dos serviços mínimos pode acarretar consequências para a licitude da própria greve, como os trabalhadores grevistas que não cumpram os serviços mínimos expõem-se a responsabilidade, designadamente disciplinar. E, como já se disse, a própria lei é manifestamente sensível a esta exigência de celeridade, tanto mais que fixa para o próprio recurso de apelação um prazo mais curto que o normal.”, explicitando que da decisão arbitral que fixa os serviços mínimos, a propósito de greve decretada no sector público, apenas se poderá interpor recurso para o Tribunal da Relação.
F) Também o Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu decisão de 03/02/2014 [14], na qual analisou extensivamente os limites do exercício do direito à greve, no âmbito de ação intentada por empresa contra um sindicato demandando o pagamento de quantias indemnizatórias decorrentes de várias greves realizadas e que, de acordo com a mesma, lhe acarretaram prejuízos económicos avultados, tendo concluído,
“II – O direito à greve possui contornos especiais que são evidenciados pela forma como o mesmo é exercido, pois se a sua convocação tem de partir de uma decisão da direção do sindicato ou de deliberação do conjunto de trabalhadores filiados em associação sindical ou a laborar numa empresa ou grupo empresarial, seguro é que tal direito se insere na esfera jurídica de cada um dos trabalhadores, possuindo uma natureza individual, em termos da correspondente titularidade, que se concretiza, em rigor e materialmente, no momento da adesão pessoal à mesma.
III – A possível desconformidade quantitativa ou mesmo qualitativa entre a decisão orgânica ou mesmo coletiva de se entrar em greve e a forma efetiva como esta se vai desenrolar revela a estrutura mista e complexa do correspondente direito, que se desdobra temporalmente em diversos e sucessivos atos de entidades muito diversas (associações sindicais e patronais, trabalhadores, empregadores, tribunais arbitrais e Estado) e que possui um carácter de imprevisibilidade, quer em termos de execução como de conteúdo, que importa assinalar.
IV – A possibilidade de adesão (até maioritária) de outros trabalhadores que não os que se acham inscritos no sindicato promotor da paralisação e da adoção pelos mesmos de condutas ilícitas (em piquetes de greve ou fora deles) revela as dificuldades jurídicas que se colocam ao nível do controlo, fiscalização, contenção e responsabilização (inclusive, civil) por parte do sindicato sobre a forma como se desenrola e desenvolve a dita paragem e sobre os comportamentos individuais e coletivos aí adotados.
V – Derivam, necessária e inevitavelmente, da noção, natureza e exercício do direito de greve por banda dos trabalhadores, danos de índole diversa e de valor pecuniário incerto e, as mais das vezes avultado, para as entidades empregadoras, sendo esses prejuízos uma decorrência natural e normal do instituto jurídico em análise.
VI – Mesmo nos sectores da atividade económica que reclamam a organização de serviços mínimos, esses mesmo danos também se verificam inexoravelmente, ainda que numa relativa menor dimensão, que fica dependente da maior ou menor extensão dos referidos serviços mínimos decretados (que, todavia e em nome do princípio constitucional da proporcionalidade e adequação, não podem cercear ou coartar para além do absolutamente imprescindível e indispensável os efeitos e âmbito da correspondente greve).
VII – A responsabilidade civil prevista no regime jurídico do direito de greve tem de ser encarada numa perspetiva estritamente laboral e não civilista, atenta as especialidades que separam o Direito do Trabalho do Direito Civil.
VIII – Essa responsabilidade civil, quer dos sindicatos, como dos próprios trabalhadores (grevistas), tem de ser concatenada com a circunstância do direito de greve constituir, conjuntamente com a liberdade de associação sindical e o direito de negociação coletiva, um dos três pilares do direto laboral coletivo, por via dos quais a nossa legislação procura reequilibrar a relação de forças que, em termos individuais, pende em benefício e favor do empregador e transforma o trabalhador na parte débil ou frágil do vínculo de trabalho.
IX – Tais institutos, todos eles com assento constitucional e ainda que de exercício pautado por limites impostos por outros direitos e princípios de idêntica natureza, têm de ser olhados da forma mais abrangente e elástica que for socialmente consentida, de maneira a que possam ser efetiva e eficazmente concretizados sem os constrangimentos que outros direitos, de cariz estritamente individual e/ou privatístico, conhecem no nosso ordenamento jurídico e, por essa via aberta e “generosa”, logrem o conteúdo, sentido e alcance que o legislador constitucional e ordinário lhe quis conferir.
X – Nessa fotografia de grande plano, em que direito de greve surge como derradeiro meio legalmente consentido de coação sobre os empregadores e outras entidades, como forma de luta dos trabalhadores, há que chamar à colação os direitos de liberdade de reunião, manifestação e de expressão, que, igualmente e no descrito quadro de índole laboral, possuem um âmbito consideravelmente mais vasto e permissivo do que para o cidadão ou pessoa coletiva, no seu quotidiano particular, social ou económico. (…)
XII – A recorrente não pode acionar o instituto da responsabilidade civil e reclamar os danos próprios e totais de uma paralisação ilegal), quando, logo desde o início, decidiu recorrer, na sequência das greves ilicitamente convocadas (prazo do aviso prévio e não indicação de serviços mínimos), aos meios que o legislador estabeleceu para greves de natureza lícita, aceitando sujeitar-se assim aos pressupostos, condicionalismos e limites previstos no respetivo regime jurídico (tendo, consequentemente, os elementos constitutivos do instituto da responsabilidade civil, com especial acuidade para os eventuais prejuízos sofridos pela Autora, de ser ponderados e medidos dentro do quadro que resultou da aplicação de tal regime legal e não nos moldes absolutos e totais reclamados nesta ação). (…)
XIV – Os serviços mínimos requeridos pelo legislador – e que, segundo o mesmo devem ser definidos com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade – variam inevitavelmente em função do setor de atividade, época do ano, tipo de greve, duração da mesma, representatividade do sindicato ou sindicatos que a convocaram, trabalho prestado normalmente pelos grevistas, movimento ordinário ou extraordinário dos locais onde se desenvolve, etc. (…)
XVII – A fixação dos serviços mínimos tem de traduzir-se na determinação objetiva e concreta, até onde for materialmente possível, quer das necessidades sociais impreteríveis (fundamentação), quer da sua satisfação suficiente mediante a indicação dos correspondentes serviços mínimos, quer finalmente dos meios humanos destinados a garanti-los, o que tem de ser feito em termos quantitativos (número de trabalhadores ou percentagem dos mesmos, em função da execução habitual da atividade da entidade empregadora) e qualitativos (horários/turnos, locais e categorias profissionais), pois só assim se logra os objetivos procurados por essas normas: o decurso da greve dentro dos parâmetros da legalidade, normalidade e paz social, o que passa também pela efetiva prestação dos ditos serviços mínimos.
XVIII – A prestação dos serviços mínimos essenciais não significam a anulação do direito de greve na esfera jurídica dos trabalhadores grevistas afetados à realização dos mesmos e a recuperação pelo empregador de todos (ou pelo menos parte) dos poderes suspensos pela paralisação coletiva de prestação do trabalho.
XIX – O facto da nomeação dos trabalhadores recair exclusivamente sobre a entidade empregadora não significa que esta última, face à intervenção administrativa do Governo nessa matéria, podia ignorar o procedimento a que, a esse respeito, estava obrigada, em função, designadamente, das restrições legais e constitucionais que lhe são diretamente aplicáveis e, a coberto dessas decisões governamentais, ir para além do que o regime jurídico dos serviços mínimos consente, isto é, não lhe era permitido extravasar o âmbito de satisfação suficiente das necessidades sociais impreteríveis em presença, de forma a procurar garantir – designadamente, por recurso a trabalho suplementar –, toda a atividade que, no âmbito dos seus contratos de prestação de serviços com os seus clientes, tinha que assegurar normalmente nos referidos dias de greve.
XX – O artigo 601.º do Código do Trabalho de 2003, por comparação com o n.º 3 do art.º 541.º do atual Código do Trabalho, contém, em termos de redação, uma diferença fundamental, ao afirmar que tal requisição civil pode ser determinada, «sem prejuízo dos efeitos gerais» (frase que inexiste no n.º 3 do art.º 541.º), abrindo a porta, pelo menos na vigência de tal diploma legal, a outras consequências e que são as decorrentes do instituto da responsabilidade civil.
XXI – Não somente a utilização dos trabalhadores não aderentes não estava vedada por lei como, por outro lado, é sempre possível à entidade empregadora lançar mão dos trabalhadores não grevistas para garantir os serviços mínimos essenciais.”.
Ponderando os interesses e direitos em jogo, na relação material controvertida que lhe foi apresentada, este Tribunal analisou a existência de responsabilidade civil, nas situações em que os trabalhadores se encontram no exercício do seu direito de, aceitando que o mesmo pode e causa certamente danos económicos nas empresas a quem é dirigido, existem, em contrapartida, mecanismos legais como os serviços mínimos e a requisição civil que amenizam estes prejuízos (quando os mesmos ultrapassam os limites de adequação e proporcionalidade que norteiam o exercício do direito à greve) e garantem, nas situações em que se justificam, dada a sua natureza, a manutenção, ainda que básica ou residual, da atividade desenvolvida pelo empregador.
G) Focando-se também nas limitações a impor ao exercício do direito à greve, o Ac. da Relação de Lisboa, de 25/05/2011[15] veio pronunciar-se nos termos seguintes,
“Verifica-se, assim, que embora dispensados da prestação de trabalho durante a greve (os trabalhadores que a ela aderiram), uma vez que o respetivo contrato de trabalho se encontra suspenso, art.º 536.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a lei, em sintonia com o diploma Fundamental, permite que o direito de greve sofra limitação desde que estejam em causa empresas ou estabelecimentos cujas atividades se desenvolvam em sectores vitais da vida em sociedade, que digam respeito a bens constitucionais coletivos.
Como
referem, Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa
Anotada”, 4.ª Edição revista, Coimbra Editora, págs. 757 e 353, as medidas
definidoras dos serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e
manutenção dos equipamentos e instalações, consubstanciando medidas restritivas
do direito de greve devem pautar-se pelos princípios da necessidade,
da adequação e proporcionalidade. O que significa, a esta luz, que as mesmas
devem situar-se numa “justa medida” impedindo-se, assim, a adoção de medidas
(legais) desproporcionadas e excessivas em relação aos fins obtidos. Nessa
linha se compreende que o próprio art.º 538.º, do Código do Trabalho que trata
da definição dos serviços mínimos a assegurar durante a greve, estipule no
seu n.º 5, que a mesma “deve respeitar os princípios da necessidade, da
adequação e da proporcionalidade”. Existe, em qualquer caso, um limite absoluto
a essas consentidas restrições que é o conteúdo essencial do respetivo direito.
Segundo Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 14.ª edição, Almedina, pág.
524, existe a possibilidade de colisão entre o direito
de greve e outros direitos fundamentais com assento constitucional,
sendo propósito do preceito em questão fornecer um quadro de referências para a
obtenção em concreto de um ponto de equilíbrio entre uns e outros. Como
escreve, Francisco Liberal Fernandes “A obrigação de serviços mínimos como
técnica de regulação da greve nos serviços essenciais”, Coimbra
Editora, 2010, pág. 460, “ a fixação de serviços mínimos, seja por convenção,
seja por despacho conjunto ou decisão arbitral, consiste na determinação das
prestações indispensáveis (emergency covers) dos serviços (ou unidades
orgânicas internas) e as atividades que são indispensáveis para assegurar os
direitos dos utentes, assim como dos trabalhadores que deverão assegurar o
respetivo funcionamento e continuidade. Está em causa a fixação da quota de
atividade do serviço que não pode ser interrompida ou suspensa, sob pena de se
verificar lesão irremediável do núcleo essencial dos direitos fundamentais dos
utentes, assim como a determinação do conjunto de trabalhadores, que ficam
compelidos a abdicar do direito à greve. Trata-se, por isso, de definir as
condições de funcionamento orgânico e de prestação de trabalho que permitam
assegurar o equilíbrio entre os direitos constitucionais dos cidadãos e o
exercício da greve”.
A definição dos serviços mínimos, não pode, por conseguinte, traduzir-se na
anulação do direito de greve, ou reduzir substancialmente a sua eficácia,
mas sim evitar prejuízos extremos e injustificados, comprimindo-o por via do
recurso à figura de conflito de direitos.
É, pois, necessário ter em conta as circunstâncias de cada greve, para se
avaliar se estamos ou não perante situações que requeiram a satisfação de
necessidades sociais impreteríveis, isto é, de necessidades de alcance social
que não possam ser satisfeitas de outro modo e que não suportem adiamento.”.
O ponto fulcral na determinação dos limites a impor ao exercício do direito à greve, deve ser o da análise casuística, de modo a aferir da necessidade de se fixarem serviços mínimos e em caso afirmativo, qual será a sua amplitude, ponderando-se os vários interesses em causa, de molde a manter serviços que são imprescindíveis à comunidade, mas também não inviabilizando de forma absoluta a reivindicação legítima dos trabalhadores de questões que lhes são relevantes, através do direito à greve que lhes é constitucionalmente reconhecido.
*
CONCLUSÃO
O
exercício do direito à greve causará, na esmagadora maioria das vezes, transtornos
e prejuízos, dado que é precisamente esta capacidade que faz com que os
trabalhadores que a decretam e que à mesma aderem, tenham capacidade
reivindicativa face aos seus empregadores, radicando a licitude e o
reconhecimento deste direito na tentativa legislativa de se equilibrarem as
posições negociais insertas na relação laboral. É a necessidade de se atribuir
algum poder negocial aos trabalhadores que fundamenta a legitimação desta
violação contratual, desta suspensão unilateral do contrato de trabalho. As
visões legislativas que foram sendo adotadas ao longo do tempo são fruto dos
ideais políticos que ditaram as opções jurídicas a que acima se fez menção, mas
o equilíbrio entre os vários interesses em jogo há-de ser encontrado na boa-fé
com que os intervenientes no processo negocial buscam uma solução para o
conflito que impulsionou o exercício do direito à greve e nas decisões
arbitrais e, em última ratio nos
Tribunais que são chamados a intervir na determinação da licitude da greve e
dos serviços mínimos que a limitam.
[1] SOARES, MANUELA GOUCHA – Expresso, Sociedade, 16/08/2019 (disponível em https://expresso.pt/sociedade/2019-08-16-A-historia-das-greves-em-Portugal-em-cinco-pontos)
[2] VAL ESCADAS, DÉBORA – “A legislação laboral da I República e a sua aplicabilidade em Braga (1910-1926)”, Revista da FLUP, Porto, IV Série, Vol. 10, nº1, pág. 178, 2020.
[3] ABRANTES, JOSÉ JOÃO – em “CULTURA, Revista de História e Teoria das Ideias”, vol. 23, 2006, pág. 331-339
[4] CORREIA DE SEABRA, RUY MANUEL – em “Sobre a greve e sobre o direito de greve”, Galileu, Revista de Economia e Direito, Vol. XVI, nº2, 2011, pp 127-139
[5] OLIVEIRA MARTINS, JOSÉ JOAQUIM FERNANDES – em “Julgar” Online, Junho de 2017, vol. 1, (disponível em https://julgar.pt/juizes-e-greve-um-roteiro/)
[6] MOREIRA, ANTÓNIO JOSÉ – “A Greve – Questão eterna do direito do trabalho. Greve e abuso do direito”, In, Minerva, Revista de Estudos Laborais, Ano IX, 4ª Série, nº1, 2019, pp 29-49.
[7] Ac. TC de 19/06/2019, proc. nº 376/2019 (disponível em www.dgsi.pt)
[8] CARVALHO LOPES, MARIA JOÃO – “Algumas considerações em torno da requisição civil”, Dissertação de Mestrado, Universidade Católica, Escola de Direito do Porto, Porto, junho de 2015.
[9] Tribunal do Trabalho do Porto, J1, de 20/06/2022, transitada em julgado, não publicada, disponível para consulta.
[10] Ac. da RP de 18/12/2012, proc. nº 123/12.3TTVFR-A.P1 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[11] Ac. da RL de 03/12/2014, proc. nº 2028/11.6TTLSB.L1-4 (disponível em www.dgsi.pt)
[12] Acórdão do STJ de 14/02/1991, proc. nº 000109 (disponível em www.dgsi.pt)
[13] Ac. do STJ de 08/0272024, no proc. nº 1004/23.0YRLSB-A.S1 (disponível em www.dgsi.pt)
[14] Ac. da RL de 03/02/2014, proc. nº 2028/11.6TTLSB.L1-4 (disponível em www.dgsi.pt)
[15] Ac. da Relação de Lisboa, de 25/05/2011, proc. nº 88/11.9YRLSB-4 (disponível em www.dgsi.pt)