Vitalino Canas
Doutorado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, docente e Professor dessa faculdade desde 1981. Presidente do Fórum de Integração Brasil Europa. Cônsul Honorário da República da Coreia. Exerce Advocacia na sociedade de advogados Vitalino Canas e Associados, RL. Exerceu funções de Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros de 1995 a 2002 e de Deputado à Assembleia da República entre 2002 e 2019. Exerceu funções de vice-presidente da Assembleia Parlamentar da Nato. É autor de numerosas obras de Direito e de Ciência Política.
Ciência Política é a mais recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 27 de Outubro de 2022.
A ambição de qualquer disciplina científica é elevar o conhecimento. Saber ler a realidade e explicá-la, usando o método adequado: isolar os factos relevantes; conceber hipóteses explicativas; submetê-las a procedimentos de falsificação, substituindo-as por outras, se refutadas; explicar a realidade, a causa das coisas. Atingido esse patamar, consolidar modelos que permitam fazer previsões.
A Ciência Política sempre teve dificuldade em vencer esses patamares, começando pela seleção do próprio método. Ou, pelo menos, cumpri-los ao nível que outras Ciências conseguem atingir. A Ciência Política enfrenta as dificuldades próprias de ter por objeto uma das coisas mais imprevisíveis e instáveis que existem ao cimo da Terra: o comportamento político dos seres humanos e das instituições por eles geridas.
Paradoxalmente, apesar de todos os avanços metódicos e tecnológicos, as dificuldades da Ciência Política não têm diminuído. A “culpa” disso reside na progressiva complexificação do próprio objeto.
As instituições e os quadros institucionais continuam a desempenhar um importante papel de condicionamento dos comportamentos políticos, de governantes e de governados, mas a tendência de descrédito ou de menorização das instituições – ou de algumas instituições – das democracias liberais reflete-se no colapso do automatismo desses condicionamentos; as ideologias veem sucessivamente enfraquecida a sua capacidade mobilizadora e enformadora de comportamentos; os partidos enfrentam dificuldades de mobilização e enquadramento da participação dos cidadãos; os sistemas partidários de muitos países (como França, Itália, Grécia, Brasil) sofrem restruturações, por vezes radicais; o “centro político” enfrenta nunca vistas dificuldades perante alternativas e discursos radicais, sendo atropelado por verdadeiros terramotos eleitorais; a filtragem das mensagens e da informação, antes concentrada nas mãos de um número finito de entidades (partidos, opinion makers, órgãos tradicionais de comunicação social) foi pulverizada pela circulação de milhões de mensagens por segundo, muitas falsas, desestabilizadoras, manipuladoras; os valores da cultura política de Estados democráticos tradicionalmente tomados como referência sofrem erosão, a favor de traços de intolerância, desespero, retrocesso civilizacional; as agendas pós-materialistas e conjunturais irrompem pelas arenas eleitorais e baralham os habituais equilíbrios; em ocasiões eleitorais, um nicho expansivo de eleitores decide cada vez mais tarde, mais desvinculadamente e mais erraticamente, iludindo sondagens, analistas políticos e comunicação social; os sistemas eleitorais, sejam os clássicos, sejam os mistos das experiências mais recentes, não proporcionam os indicadores de previsibilidade que costumavam.
Numa palavra: tradicionais âncoras de objetividade e de racionalidade do objeto da Ciência Política, que facilitavam o trabalho dos politólogos, tendem a perder eficácia, senão mesmo a ser substituídas por laivos de irracionalidade e de insondabilidade.
Gerações de politólogos aprenderam a olhar e a apresentar o sistema de governo britânico, contruído paulatinamente depois de 1688, como uma rocha de estabilidade e de perenidade. A rotação de Gabinetes e de Primeiros-Ministros na última década, em muitos casos fruto da rebelião de setores parlamentares do partido da maioria, já leva a falar em transição do sistema de Governo. Qual o cientista político que o poderia prever?
Recorrendo a quadros estabilizados de referências antecedentes e a indicações sobre o estado da opinião pública, não seria possível prever que o PS alcançaria maioria absoluta nas eleições legislativas de janeiro de 2022, tal como estaria longe das previsões que um governo com maioria absoluta, beneficiando de satisfatórios (embora instáveis) indicadores económicos e legitimidade e composição refrescadas, estivesse em pano inclinado na apreciação pública apenas seis meses após a posse. No Brasil, seria à partida improvável que um Presidente incumbente enfrentasse sérias dificuldades para a renovação do mandato. Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Russef obtiveram segundos mandatos com maior ou menor dificuldade. Ainda mais imprevisível, seria que o desafio mais poderoso viesse de alguém que, pelas acusações graves que enfrentou na justiça, sofre de elevados índices de rejeição. Numa sociedade como a brasileira é quase inexplicável que o centro político se veja incapaz de promover uma candidatura forte, verdadeiramente alternativa aos extremos. E chegados ao momento das eleições, ninguém poderia prever que Jair Bolsonaro “derrotasse as sondagens” em mais de 9 pontos percentuais.
Explicações?
António Costa beneficiou de uma conjugação de circunstâncias e perceções eleitorais que levaram a que uma fatia decisiva dos votos obedecesse a impulsos de último minuto, descaindo para voto útil, não detetado – nem detetável – nos estudos de opinião, muito possivelmente despoletado por indicações das sondagens de que PS e PSD se encontravam em situação de empate técnico.
Quanto às eleições presidenciais brasileiras ainda há trabalho de campo a fazer, pelo que é cedo para explicações seguras.
Se não se afigura que a antecipação de prestações do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) pelo Governo de Bolsonaro tenha força explicativa, outras hipóteses podem ser analisadas. Na noite das eleições uma das avançadas por alguns observadores foi o chamado voto envergonhado. Muitos eleitores que votaram Bolsonaro terão escondido esse voto dos estudos de opinião, por relutância em confessá-lo. Todavia, essa explicação pode ser “curta”. O voto envergonhado é resposta típica a situações em que o sistema social e político globalmente considerado se conjura para dissuadir um específico sentido de voto: por exemplo, quando há um candidato anti-sistema, com discurso politicamente incorreto ou contrário aos valores considerados civilizacionalmente adquiridos, tendencialmente minoritário, com alto índice de rejeição. Eventualmente, o discurso populista de Bolsonaro preenche em parte esses critérios; mas depois de uma primeira candidatura vitoriosa, em 2018, e de uma aproximação (mútua) à direita tradicional, eles estarão presumivelmente mitigados. Por outro lado, também Lula da Silva enfrenta altos índices de rejeição. O voto envergonhado terá existido, mas não se afigura líquido, no plano das hipóteses, que tenha favorecido exclusivamente Bolsonaro e que tenha tido um peso tal que lhe permitiu encurtar em 9 pontos percentuais a desvantagem que as sondagens lhe atribuíam (a última sondagem da Datafolha, poucos dias antes do ato eleitoral, dava uma diferença pontual de 14%, com 50% para Lula e 36% para Bolsonaro; a diferença nas urnas cifrou-se em pouco mais de 5%, com 48,4% para Lula, 43,2% para Bolsonaro).
Outras hipóteses explicativas, complementares ou alternativas, prendem-se com tendências contemporaneamente sentidas em muitas democracias. Uma, a inclinação para “enganar” as sondagens, não por “vergonha” das suas opções, mas por desconfiança ou dúvida sobre a sua credibilidade e importância. Outra, mais estrutural, a crescente importância quantitativa e até qualitativa do voto decidido tardiamente. Certamente que a grande maioria do voto continua a ser determinado por simpatias partidárias, pertença a classe ou grupo, ideologia, convicções morais e éticas, interesse, simpatia por estilos e personalidades, em doses que variam de eleitor para eleitor. Em elevada percentagem, os eleitores decidem o voto com antecedência e, uma vez decidido, é em grande medida improvável (mas não impossível) que mudem. Todavia, a percentagem de eleitores para os quais o voto não constitui a expressão regular de um posicionamento histórico, nem a conclusão de um processo laborioso de recolha de informação, processamento, reflexão, resultando simplesmente da conjugação de uma teia inextricável de estímulos mentais que podem decorrer inclusive de factos episódicos tão pueris quanto a consulta às redes sociais enquanto se está na fila para votar, a conversa que se teve com um familiar ou amigo há segundos ou a frustração decorrente de um incidente de trânsito ocorrido nos últimos dias, tende a aumentar significativamente. Não se trata de considerar que um número crescente de eleitores se tornaram irresponsáveis, mas apenas de constatar que as racionalidades alternativas se multiplicaram de tal modo que estão a modificar as condições do exercício de uma percentagem importante do voto, com a provável consequência de aumentar significativamente as margens de erro dos estudos de opinião pré-eleitorais.
Os sistemas em que o voto é obrigatório, como o do Brasil, complexificam substancialmente o objeto da análise. O voto obrigatório leva a que muitos eleitores, cientes de que têm forçosamente de o exercer no dia do sufrágio, se munam de toda a informação para poder votar informadamente. Mas, por outro lado, também leva a comportamentos eleitorais relativamente erráticos ou não antecipáveis de um número significativo de eleitores. Os números mostram que nas eleições brasileiras de 2 de outubro de 2022, em 156 milhões de eleitores inscritos, houve mais de 20% de abstenção, o que logo subverte projeções, particularmente quando se sabe que a abstenção penaliza mais um dos dois candidatos mais destacados do que o outro. Acresce que cerca de 5 milhões foram às urnas votar nulo ou em branco. É possível que muitos dos eleitores que foram às urnas sem levar inclinação firme ou vontade de exprimir um voto, tenham votado rejeição,em alternativa a votar nulo ou branco. Isto é, à última hora, no derradeiro e decisivo momento, guiaram-se estrategicamente pela vontade de evitar que um certo candidato confirmasse a dinâmica de vitória que as sondagens lhe davam e não pela vontade de apoio positivo a uma candidatura. Esta opção é ainda mais plausível se ela se inserir numa “onda” geral de votação em candidatos de uma certa área política (no caso destas eleições, da direita vitoriosa) e se for similar ao sentido de voto do passado, por exemplo de 2018, ainda que sem convicção. Tecnicamente, não se trata, então, de um voto envergonhado ou deliberadamente escondido, que as sondagens não conseguiram detetar. Trata-se de um voto cujo sentido não estava consolidado no momento em que as sondagens foram feitas e que, eventualmente, só foi definido muito próximo ou em cima do exato momento do depósito nas urnas.
É possível que a Ciência Política encontre explicação ou proponha explicação racional para fenómenos já ocorridos, com grau de dificuldade variável em função das circunstâncias. Quando se trata de antecipação de fenómenos a ocorrer no futuro, a tarefa torna-se mais complexa.
No Brasil, a conjugação dos resultados da primeira volta das eleições presidenciais com os apoios recebidos pelos dois candidatos que passaram à segunda volta poderiam criar a ilusão de uma vitória quase certa de Lula da Silva na segunda volta, em 30 de outubro. Mas nada permite fazer essa leitura com segurança. As tendências dos eleitorados são para votar no certo quando se confronta com o incerto, particularmente quando se prevê que o exercício da função irá enfrentar grandes dificuldades e possível instabilidade. Por isso, os incumbentes partem com vantagem quando se trata de reeleição. No caso brasileiro, essa tendência é de alguma forma atenuada por ambos os candidatos já terem exercido funções presidenciais, mas, mesmo assim, o incumbente não deixa de disfrutar de alguma vantagem. Por outro lado, tomando em consideração os dados globais, de todas as eleições de 2 de outubro do corrente, incluindo as dos governos estaduais, Senado e Câmara dos Deputados, eles também indicam que a dinâmica de “viragem à direita” de 2018 se consolidou em 2022, podendo prolongar-se na eleição presidencial.
Em Portugal, começa a discutir-se se o Governo do Partido Socialista cumprirá a legislatura, não obstante a sua maioria absoluta.
Desde a posse do Governo, é dado como adquirido que o Presidente, se reunidas certas circunstâncias, de certa forma já elencadas por ele, ou seja, se o PM se afastar a meio do mandato (para um cargo europeu, por exemplo), promove a dissolução da Assembleia da República (AR) caso não esteja constitucionalmente impedido de o fazer. Em boa verdade, porém, não parece que isso seja inexorável: se, por hipótese, o Partido Socialista apresentasse para o cargo de PM de um novo Governo uma figura prestigiada e tivesse elevados índices de aprovação e possibilidades de renovar a maioria, as circunstâncias poderiam concorrer contra a dissolução. Nessas circunstâncias, a única situação em que ela se tornaria inevitável seria se o próprio Partido do Governo e o PR convergissem a favor da dissolução, designadamente por aquele ver aí a oportunidade de refrescar democraticamente a sua legitimidade e de ganhar mais tempo de mandato.
Por outro lado, nas últimas semanas foram apontados paralelismos entre o rápido desgaste do Governo e a situação que antecedeu a dissolução da AR em 2004. Alguns observadores e comentadores começam a colocar a hipótese de eleições antecipadas, lembrando o precedente de dissolução da AR pelo Presidente Jorge Sampaio, em 10 de dezembro de 2004. Na ocasião existia maioria parlamentar de suporte ao Governo do PSD e do CDS. Todavia, foi clara a intenção de precipitar a substituição daquele Governo, envolto em polémicas, problemas de coordenação, desencontros entre ministros, acusações na praça pública, demissões, etc. Também nessa época o Presidente da República cumpria o segundo mandato, aquele que, por norma, é exercido com maior liberdade e ativismo (o que só não ocorreu no segundo mandato de Cavaco Silva, quando coincidiu com o Governo de Passos Coelho e a execução do programa de ajustamento da troika). Também nessa conjuntura se tratava da segunda dissolução no decurso do mesmo mandato presidencial. E também a primeira dissolução tinha sido forçada por circunstâncias não controladas nem desejadas pelo PR (inesperada demissão de António Guterres, em dezembro de 2001, na sequência de eleições autárquicas).
Há, todavia, diferenças relevantes. Em 2004 houve substituição do Primeiro-Ministro, devido à saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia. Após isso, verificaram-se, desde o início, fortes pressões para que o Presidente Jorge Sampaio dissolvesse a AR (tendo, aliás, o líder do principal partido da oposição, Eduardo Ferro Rodrigues, apesar de vitorioso nas europeias, apresentado a demissão do cargo, em flagrante rutura política e até pessoal com o PR). Desde julho de 2004, Jorge Sampaio esteve fortemente condicionado – até do ponto de vista pessoal – e seria muito difícil suportar a pressão – eventualmente da própria consciência – durante todo resto da legislatura. Diferentemente, o atual PR, apesar de discursos que, ocasionalmente, se prestam a leituras ambíguas, como o do passado 5 de outubro, não parece inclinado para esse desenlace. Acresce que, embora a propensão natural dos partidos da alternância democrática seja para acelerar as mudanças de ciclo, pode ocorrer que o PSD ache mais vantajoso o timing de 2026 do que 2024 ou 2025. A circunstância de as eleições presidenciais se realizarem no início de 2026 e de as legislativas ocorrerem no final do ano possibilita o ensaio de um double ticket: no primeiro momento, apresentação de candidato presidencial nunca derrotado em urnas, visto como o arquiteto da saída do Pais de uma grave crise financeira e salvaguardado por uma década de resguardo; no segundo, aproveitando eventual dinâmica vitoriosa, apresentação de candidato a PM que tenha usufruído de tempo suficiente para se afirmar como alternativa credível para o lugar. Um longo processo de erosão do atual Governo, com eventual saída do PM (nunca admitida por António Costa, recorde-se) e alteração de cabeças de cartaz do PS poderia, portanto, proporcionar ao PSD a realização, pela primeira vez, do antigo objetivo de Francisco Sá Carneiro, um Governo, uma maioria, um Presidente (por essa ou outra ordem de importância política…). Em suma, a pressão do PSD para a dissolução seria presumivelmente menos convicta do que a do PS em 2004.
Ponderados os factos e circunstâncias antecipáveis a que se deve dar relevo para aplicação da metódica própria da CP parece, portanto, que a tendência será para o Governo, mantendo-se as circunstâncias atuais de liderança (ou seja, persistindo a vontade de António Costa de permanecer como PM), cumprir a legislatura, com maior ou menor turbulência, com maior ou menor atrito com um PR tendencialmente interventivo.
Mas nenhum cientista político pode dar isso como certo ou sequer próximo de certo[1].
Até porque as personalidades, as visões e as circunstâncias políticas se encarregam frequentemente de provocar bruscas e imprevisíveis mudanças de rumo. Qual seria o cientista político que se atreveria, por exemplo, a dar como plausível, ainda que remotamente, que um dia a disponibilidade do próprio e a liderança do PSD, com a colaboração do PR, possam confluir na imprescindibilidade do regresso messiânico à chefia do Governo de quem entre 2011 e 2015 exerceu as funções de Primeiro-Ministro?
Estes casos da atualidade política estrangeira e nacional permitem sublinhar algumas (in)possibilidades da Ciência Política. Selecionar os factos relevantes e propor hipóteses explicativas para fenómenos políticos é, com todo o acervo de dados de que dispõe, razoavelmente viável. Sujeitar as hipóteses explicativas a operações de falsificação, tem razoáveis perspetivas de sucesso. Criar modelos que permitam prever infalivelmente o que se passará no futuro continua a estar sempre, ou quase sempre, fora do alcance da disciplina. Paradoxalmente, mais do que em qualquer outra área, a simples circunstância de se fazer previsões ou cenários pode contribuir para que nunca se materializem. Os técnicos de sondagens viverão, porventura, sob esse dilema.
Significa isso que se trata de uma área científica condenada ao diletantismo ou até à irrelevância?
Hoje que as virtudes da democracia liberal são colocadas em causa em vastas zonas do Mundo, importa insistir no estudo científico da política, um dos instrumentos para identificar custos e benefícios da democracia e de soluções alternativas e para contribuir para que a velha aspiração do bom governo triunfe sobre os novos obscurantismos. O desenvolvimento pleno da Ciência Política requer um ambiente democrático. A democracia necessita do contributo da Ciência Política para se reinventar e cimentar. Esse objetivo não é inviabilizado pela inevitabilidade de a Ciência Política se remeter frequentemente ao seu reduto mais nuclear: produzir um discurso fundado em argumentação vinculada a regras de racionalidade que permitam conclusões intersubjetivamente partilháveis, embora não providas do grau de certeza que outras disciplinas científicas reivindicam. As orientações metodicamente sincréticas, entre as quais se podem inscrever teorias discursivas assentes no recurso a uma combinação de argumentos racionais de várias origens e naturezas – históricos, comparatísticos, estatísticos, experimentais, de caso – representam uma “estratégia de saída” do cerco a que a volubilidade da realidade destina a Ciência Política.
É essa a visão que enforma o manual de Ciência Política da minha autoria que a Almedina publica no final do mês.
Outubro
de 2022
[1] Tal como, aliás, mesmo que se verificasse efetivamente a mencionada situação de desgaste do Governo, não se poderia dar como absolutamente incontornável o cenário favorável ao PSD. Mantendo-se a inclinação das últimas décadas de o PS entregar a liderança e a candidatura a PM a um ex-Ministro de um Governo socialista, a apresentação de uma individualidade que se tivesse conseguido destacar positivamente no Governo e tivesse sobrevivido politicamente ao incomensurável desgaste de ser monitorado pela opinião pública ao longo de vários anos, não como Ministro mas como candidato a Primeiro-Ministro, poderia contrariar aquela dinâmica. E, bem assim, uma escolha que representasse um salto geracional que “passasse por cima” daquela que é a next generation, a geração que no final da legislatura andará em torno da casa dos 50 anos, mais coisa menos coisa (escalão etário em que se encontravam António Guterres, José Sócrates e António Costa quando ascenderam ao cargo de Primeiro-Ministro) e que permitisse uma oferta eleitoral completamente renovada, poderia também baralhar as previsões.