Fausto de Quadros

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Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Co-autor, em co-autoria com  André Gonçalves Pereira, do “Manual de Direito Internacional Público”, editado pela Almedina, 3ª edição.


Fez no passado dia 11 de Setembro vinte anos que ocorreram em Nova Iorque os brutais atos de terrorismo de que todos nos recordamos. Foi um acontecimento muito duro para a Comunidade Internacional e para a vida quotidiana de cada um de nós. De facto, a primeira potência do Mundo, responsável pela sua segurança e pela segurança de todo o Ocidente,  foi atingida no seu coração, ou seja, no seu poderio económico e financeiro, simbolizado nas Torres Gémeas, e no seu poder militar, traduzido no Pentágono (embora tenha ficado por esclarecer o que verdadeiramente se passou no ataque a este), isso sem se se discutir aqui se não se terá frustrado  um ataque à própria Casa Branca.

A opinião pública internacional reagiu com incredulidade ao que se passou e com um misto de dor, de surpresa e de revolta. Vinte anos passados é altura de reflectirmos sobre o que mudou entretanto e, sobretudo, se estamos livres de que aquilo que se passou volte a acontecer.

O 11 de Setembro marcou o início de uma época histórica de terrorismo internacional intenso, à escala global, como o provaram os acontecimenos posteriores de Madrid, Londres, Paris, Barcelona, entre outros, embora nem todos tenham tido como autores ou inspiradores os mesmos grupos ou as mesmas seitas. Como em Nova Iorque, em todos esses  lugares muitos  milhares de pessoas inocentes pagaram com a vida o flagelo do terrorismo. Muitas famílias ficaram destruidas. Muitas crianças morreram ou ficaram órfãs dos seus progenitores. Ao nível da Comunidade Internacional, das organizações internacionais, a começar pelas Nações Unidas, dos Estados democráticos mais evoluidos, um pouco por toda a parte foram aprovadas normas e tomadas medidas que prevenisem o terrorismo e punissem de modo adequado os seus agentes.

Todavia, vinte anos volvidos há que reconhecer que o que foi feito não chega e que a Comunidade Internacional e os cidadãos do mundo, que somos todos nós, não têm razões para se sentir  mais seguros do que há vinte anos. E isso é particularmente relevante também porque a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, nos anos 90 do século passado, como a sua grande agenda para o século XXI, os Direitos do Homem. Ora, todos os Direitos do Homem ficam, à escala universal, afetados e diminuidos com o terrorismo.  É verdade que o Direito Internacional criou e assimilou um  conceito novo de terrorismo, mas também é verdade que esse conceito carece, desde logo no Direito que tem emanado dos órgãos das Nações Unidas, de ser mais elaborado, inclusive como condição para que seja prevenido e punido com maior eficácia.

São vários os domínios em que há que actuar rapidamente  e de modo vigoroso para que o terrorismo internacional desapareça, ou, pelo menos, diminua no nosso quotidiano e passe a preocupar-nos menos. É preciso ir às fontes sociológicas e dar uma oportunidade de integração em modelos democráticos às minorias étnicas e religiosas onde os terroristas são recrutados. Há que rever à escala mundial e regional os sistemas de combate à pobreza e à miséria já que são nesses dois mundos que os engajadores vão recrutar as bolsas do terrorismo. É necessário reforçar, e sobretudo tornar mais eficaz, o sistema sancionatório que permita aplicar sanções proporcionais, mas duras, aos Estados que financiam, estimulam, dão guarida e fornecem bases de treino e de armazenamento aos terroristas. É óbvio que esse sistema ficaria melhor situado no quadro legal que na Carta das Nações Unidas regula o Conselho de Segurança, mas não se pode esperar por progressos nessa área porque a revisão da Carta das Nações Unidas, que deveria tornar mais operacional esse órgão, se encontra bloqueada e não se vê como e quando esse bloqueio poderá ser ultrapassado. Na ausência disso convém que fique mais claro do que é hoje em que termos podem os Estados intervir em solo alheio a fim de combater os terroristas ou de, por razões humanitárias, salvar pessoas ou  minorias indefesas.  A necessidade, para o efeito, de um mandato das Nações Unidas parece-nos inevitável como única forma de se controlar a necessidade efetiva e a proporcionalidade dessa intervenção, mas é verdade que esse mandato muitas vezes não aparece, ou aparece tarde, ou fica bloqueado pelo veto no Conselho de Segurança.  Sem essa evolução, o Direito Internacional não conseguirá  proteger a Comunidade Internacional contra o terrorismo. O Direito Internacional nasceu com Vitória e Suarez, há mais de cinco séculos,  como um sistema jurídico que regulava as relações entre Estados soberanos. Evoluiu depois, sobretudo após a 2ª Grande Guerra, de modo a acolher como seus sujeitos também organizações internacionais e o indivíduo.  A prevenção e a punição do terrorismo reclamam agora que o Direito Internacional passe a ser, também, o Direito Internacional da Liberdade e da Democracia.  Como tal, compete-lhe criar condições para que, à escala do Universo, os sistemas jurídicos de entidades inferiores, isto é, organizações internacionais e Estados, assegurem aos cidadãos de todo o Mundo, e em pé de igualdade, condições de Segurança, de Paz, de Justiça  e de respeito pelos seus direitos fundamentais, a começar pelos direitos à vida, à dignidade, à não-discriminação e à propriedade privada. Se o Direito Internacional e, por respeito por ele, o comportamento de todos os sujeitos do Direito Internacional não evoluir nesse sentido, não será a Liberdade que vencerá o terrorismo, será este que destruirá em definitivo a Liberdade e a Democracia nas relações internacionais. O recente comportamento altamente reprovável dos Estados Unidos ao abandonar o Afganistão e ao entregar apressadamente o Estado a grupos terroristas, pondo dessa forma em grave perigo a segurança sua e de todo o continente europeu,  mostra que mesmo a primeira potência do Mundo ainda não aprendeu isso e, pior, ainda não soube tirar as lições do 11 de Setembro. Mas também a União Europeia, ao não ser capaz de avançar na definição de uma política minimamente integrada de defesa e de segurança (cuja necessidade, recordo, foi sentida há setenta anos, no muito longínquo ano de 1952, com o Projecto do Tratado da Comunidade Europeia da Defesa) mostra subestimar o combate ao terrorismo no seu espaço territorial e nas suas fronteiras. E, infelizmente, a Europa não pode confiar unicamente na OTAN porque sempre se soube, e os recentes acontecimenos no Afganistão comprovam-no uma vez mais, que os Estados Unidos só se preocuparão com a segurança na Europa se isso se revestir de algum interesse direto para as suas fronteiras. Foi sempre assim e assim continuará a ser. Temos de continuar a ser atlantistas no sentido de que temos de manter a aliança que liga a Europa aos Estados Unidos como  nosso amigo e aliado, mas para prevenir fraquezas e desvios nessa aliança devemos dotar a Europa, concretamente a União Europeia, de uma política integrada de defesa e segurança que, sem substituir a OTAN, permita à Europa bastar-se mais e melhor no que respeita à sua defesa e à sua segurança.