Stuart Turton

Com apenas dois livros publicados, Turton já é comparado a Agatha Christie e Arthur Conan Doyle. O autor britânico falou com o Grupo Almedina a propósito de «O Demónio das Águas Sombrias», o policial de época que nos transporta para o século XVII. Veja a obra neste link.


Um voo perdido num aeroporto australiano e a história verídica de uma tragédia marítima do século XVII foram o catalisador para O Demónio das Águas Sombrias, o mais recente livro de Stuart Turton. Com apenas dois romances publicados, o escritor britânico já é comparado a nomes cimeiros da literatura de suspense e policial, comparação que humildemente rejeita. Enquanto prepara um novo livro e aguarda pela estreia da adaptação televisiva de As Sete Mortes de Evelyn Hardcastle, Turton concedeu uma entrevista ao Grupo Almedina.

O que salta logo à vista para quem lê o Demónio das Águas Sombrias é a profusão de detalhes e uma imaginação prodigiosa. De onde lhe surgiu a ideia para esta história?

Ter imaginação pode ser uma bênção ou uma maldição. É incrível para escrever livros, mas terrível para tentar adormecer à noite! 

Quanto ao livro, foi mesmo sorte. Tinha perdido um voo em Perth,e estava a matar tempo no Museu Marítimo. Deparei-me com a história do Batavia, um navio holandês que naufragou na costa da Austrália em 1662, proveniente de Amsterdão, a caminho de Jacarta.

Cerca de 200 pessoas sobreviveram ao naufrágio, mas quando o chefe de cabine foi em busca de ajuda, os sobreviventes ficaram inadvertidamente sob a guarda de um psicopata.  Quando a ajuda chegou, 125 dos sobreviventes tinham sido esquartejados.

A história ficou na minha cabeça desde então – por horrível que seja. Quando terminei o meu primeiro livro As 7 mortes de Evelyn Hardcastle, comecei a pensar sobre o que iria escrever a seguir e esta era a história que estava constantemente a surgir na minha cabeça. A questão é que eu não queria esta história real, terrível, então removia-a e em vez desse terror, enchi a história de mistério, aventura e humor. Mantive a tensão, os barcos e o horror, espero eu.

Os dois romances que publicou até agora decorrem em espaços muito delimitados, claustrofóbicos e de onde é difícil fugir. Qual a razão dessa opção?

Locais isolados significa que temos um número limitado de personagens, porque ninguém pode sair ou entrar. Isso é brilhante para um romance de mistério, porque imediatamente todos se tornam suspeitos na história, ou uma potencial vítima. Ninguém está a salvo, o que automaticamente cria uma sensação de medo ao leitor.

Fez muita investigação histórica para escrever o livro? De que maneira articulou a história com a ficção?

Fiz imensa investigação histórica! Viajei até à reconstrução do Batavia, em Amesterdão. Passei dois dias a subir por todo o lado, a fazer perguntas sobre o equipamento, a navegação e a tripulação. Foi emocionante. Viajei até Jacarta para aprender sobre o comércio das especiarias em 1634. Depois passei meses na Biblioteca Inglesa a ler diários de pessoas que tinham estado a bordo desses barcos. O detalhe desses relatos é incrível. Devo realçar que este não é o livro mais exato do mundo, relativamente aos factos históricos. Eu quis contar uma história divertida, rápida e misteriosa e de cada vez que a História se metia no caminho, eu mudei-a.

Com apenas dois romances, já o comparam aos grandes nomes da literatura policial, inclusive Agatha Christie, de quem é confesso admirador, ou Arthur Conan-Doyle. Sente o peso da responsabilidade?

Para ser honesto, não dou muita atenção a isso. A Christie e o Doyle escreveram centenas de livros e que ainda hoje são lidos e desfrutados. Eu escrevi dois romances e faço isto há apenas cinco anos. Obviamente é gratificante que as pessoas façam essa comparação, mas ainda não a mereço. Respondo a esta pergunta de novo daqui a 50 anos e veremos em que pé estamos.

Os autores de policiais costumavam ficar fora dos principais prémios literários. Sente que com o reconhecimento do público, veio também o reconhecimento da imprensa e dos académicos?

Percebo o ponto de vista. Mas os prémios de literatura principais estão estabelecidos para premiar livros que estão a fazer algo completamente diferente dos thrillers. No que respeita à imprensa e aos académicos, têm as suas prioridades. A imprensa precisa de cobrir romances que os seus leitores provavelmente irão ler e os académicos estão interessados na estrutura, na influência e na forma. Se escreveres um romance que brinque com essas coisas, eles vão tomar nota. No final, penso que tudo isso é demasiado para um autor se preocupar. Só temos de escrever os livros que queremos escrever, o melhor que pudermos. Se o fizermos, esperemos que todas essas coisas venham a aparecer. 

Os seus livros são profundamente imagéticos e a Netflix já está a produzir As Sete Mortes de Evelyn Castle. Tem essa perspetiva de adaptação audiovisual enquanto escreve?

Não penso em adaptações de todo. Sempre disse que se eu pensasse que o Sete Mortes daria um bom programa de televisão, tê-lo-ia escrito como um programa de televisão. Penso que só funciona como um livro, e mal posso esperar que provem que estou errado. Estou tão entusiasmado como todos os outros por essa adaptação. Ter livros adaptados para programas de televisão e filmes é ótimo, e pode ser lucrativo, mas não se pode escrever um livro a contar com isso, pois vai distrair o autor do objetivo de um livro que é contar uma história que só ele pode contar.