Carlos Manuel de Oliveira

Licenciado em Economia, especializado em Economia Europeia (UCP), Marketing Estratégico e Brand Management: PG pela AESE em Direcção de Empresas e Strategic General Management, INSEAD, Fontainebleau. Professor Convidado do IDEFE/ISEG. CEO, “Marketingmania Consulting”, Profissional de marketing desde há 28 anos. Ex-Director Bancário (Direcção de Estudos Económicos, Direcção Internacional e Director de Marketing) e Administrador de Sociedade Financeira (CMO). “Past-President” e Chairman do Board of Directors da EMC, European Marketing Confederation, em Bruxelas (2007-2009). Ex-Presidente da APPM, Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing (2002-2011).

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Não é possível viver feliz num mundo em que a pobreza, a doença, a dificuldade de acesso à salubridade, à saúde, e à alimentação, proliferam por muitos países e de que sofrem cerca de 4,3 mil milhões de pessoas, quase metade da população do globo, como afirma um relatório do Banco Mundial.

Vou hoje falar de um tema que não é directamente de marketing, mas que afecta a economia, a sociedade e os negócios.

Vou falar de um tema defendido por vários autores e que se designa por capitalismo consciente.

A evolução das sociedades e das economias em todo o mundo, no séc.XX e XXI, não conseguiram irradiar a pobreza – flagrante, como se sabe – em muitos países da Ásia e África.

Os regimes socialista/comunistas – que ainda subsistem, como na Coreia do Norte, Venezuela, Cuba, só para citar alguns, tinham e têm na sua essência e prática a ausência de liberdades, a existência de cliques protegidas pelos regimes de partido único, a ausência de concorrência nos negócios, com a consequência da crescente pobreza e atraso económico, social e de desenvolvimento dessas populações.

Por outro lado, os regimes de economia de mercado, designados por capitalistas, claramente superiores em todo o sentido, no que respeita à democracia e liberdade, não têm, contudo, encontrado forma de conjugar, em termos sociais o lucro, à existência de salários compatíveis com uma vida digna para parte significativa das suas populações e à eliminação da precaridade de vida e das desigualdades sociais, à exploração desenfreada do ambiente. Muito têm evoluído positivamente estas sociedades, com casos como os países do norte da Europa, mas um longo caminho falta percorrer, sem se ver ainda o ponto de destino desejado e necessário, a procura do equilíbrio e da felicidade dos povos.

A economia e a organização política das sociedades deveriam existir, principalmente, para resolver os problemas dos cidadãos e lhes propiciar uma vida digna, recompensadora e feliz.

A American Marketing Association, na sua definição de marketing de 2017 – que é revista de 3 em 3 anos – demonstra já uma preocupação mais abrangente, referindo que:

“marketing é a actividade, o conjunto de instituições e processos para a criação, comunicação, a entrega e troca de ofertas que tenham valor para consumidores, clientes, parceiros e a sociedade em termos gerais”.

Neste ambiente, o marketing constitui um elemento essencial da economia de mercado, do dito sistema capitalista, embora o seu foco tem sido progressivamente alargado, desde a procura única do lucro até, mais recentemente nos últimos anos, à procura da satisfação dos diversos parceiros de negócio das empresas.

Curiosamente, o Professor Kotler adepto insuspeito da economia de mercado, com formação na conservadora escola monetarista de Chicago, publicou em 2015 um livro que se chama “Confrontando o capitalismo”, defendendo o autor a ideia que “…o capitalismo está na eminência de se autodestruir, por limitar os seus grandes benefícios a não muitos cidadãos”.

Muitos trabalhadores não têm minimamente salários dignos que lhes permita cobrir as suas necessidades básicas, outros não têm vindo a ter, aumentos significativos nos seus salários, em muitos países, enquanto o número dos mais ricos vem crescendo. Segundo Kotler, “as economias cresceriam mais significativamente se mais dinheiro pudesse estar nas mãos das classes baixa e média”.

Neste contexto, surge então o conceito de “capitalismo consciente”. O capitalismo consciente passa pelas empresas assumirem um propósito elevado, uma cultura consciente, a integração dos stakeholders e uma liderança consciente nos negócios face à sociedade.

É esta a perspectiva também de um novo livro intitulado “Conscious capitalism: liberating the heroic spirit of business” escrito por John Mackey, fundador da Whole Foods e por Raj Sisodia, professor de marketing da Universidade de Bentley. Mackey é igualmente fundador da Conscious Capitalism Inc, uma organização sem fins lucrativos dedicada a cultivar a teoria e a prática do capitalismo consciente, pretendendo construir e apoiar um network global de empreendedores e líderes de negócio, dedicados a gerir de forma consciente as suas organizações.

 “Making the world happier, smarter & richer” é um dos slogans que esta organização prossegue. Este conceito, já há algum tempo a esta parte, tem vindo a despertar o interesse da comunidade empresarial e a acumular seguidores entre alguns dos grandes empresários, empreendedores e empresas, mormente americanas, como o First United Bank, Whole Foods, de entre outras.

Em que consiste a filosofia do Capitalismo Consciente?

  1. Liderança consciente

Os líderes conscientes são os únicos que inspiram a lealdade e o alto desempenho consciente em suas equipas.

Factores importantes para o sucesso dos negócios a longo prazo, são os colaboradores e clientes, e muitas vezes os fornecedores e a comunidade também. Desta forma, estando estes satisfeitos, a probabilidade de sucesso será maior.

  • Propósito elevado

Impõe-se uma cultura baseada em valores

Quando uma dada cultura de um dado conjunto de valores não é executada, as pessoas não caminham todas na mesma direção.

Alguns estudos apontam para que apenas 20% das marcas no mundo são vistas como algo que impacta significativamente e positivamente a vida das pessoas, mas 91% dos consumidores globais afirmam que trocariam de marca, se uma marca diferente de qualidade similar, apoiasse uma boa causa.

  • Integração dos stakeholders

A empresa deve estar no negócio querendo mais do que apenas ganhar dinheiro, tentando então aumentar a satisfação não só dos seus accionistas, mas de todos os seus parceiros de negócio.

Em consequência, o capitalismo carece de ser reinventado e readaptado de forma crescente, um objectivo desejavelmente comum às empresas e aos líderes empresariais.

Substituir a maximização do lucro pela maximização do propósito pode constituir o primeiro passo neste difícil caminho. O grande desafio está nas empresas não trabalharem só para ser as melhores do mundo, mas as melhores para o mundo.

Atendendo aos propósitos do sistema e, em particular, às grandes empresas cotadas em bolsa terem como pressuposto a maximização do valor bolsista e acionista, não é fácil a um gestor pôr em prática esta nova forma de gerir as empresas e medir o seu desempenho.

Algumas empresas vêm, contudo, a pôr em prática métodos de gestão “mais conscientes”, atendendo em especial não só aos accionistas, mas também a todos os outros stakeholders dos seus negócios, os colaboradores, os fornecedores, os clientes, a sociedade e o meio envolvente.

(Interessante também a leitura de “O Futuro do Capitalismo”, de Paul Collier, e “The value of everything”, de Mariana Mazzucato).