Pedro Pita Barros

Doutorado em Economia, Professor Catedrático na Universidade Nova de Lisboa, membro do Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health (European Commission), membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e membro do Conselho Nacional de Saúde. 

Conheça a sua obra em www.almedina.net


Pedro Pita Barros, economista e autor Almedina, está a acompanhar diariamente a evolução do Coronavírus na economia e sociedade portuguesa, um conjunto de artigos que iremos partilhar nesta rúbrica a que o autor chamou Vida com o Coronavírus da Covid-19

A discussão dupla sobre a cedência de dados da pandemia para investigação que ajude nas estratégias para lidar com a COVID-19 e sobre os peritos que estão a apoiar a Direção-Geral de Saúde e o Ministério da Saúde ganhou luz mediática. Até certo ponto estão ligadas, por fazerem parte do que parece ser um certo secretismo.

Convém, no entanto, ganhar alguma perspectiva. Primeiro, quem está a apoiar a DGS não é assim tão secreto. Basta aceder à entrevista de Baltazar Nunes ao Expresso, disponível aqui (embora com paywall). Apenas por estarem a fazer o seu trabalho, e darem-no à DGS, sem fazerem uma conferência de imprensa de cada vez enviam a informação não é problema. Até pode ser uma vantagem, estarem concentrados nesse trabalho em vez de ofuscados pela luz mediática.

Haveria vantagem quanto a mim de fazerem como tem sucedido noutros países: divulgarem um texto técnico, que possa ser apreciado enquanto tal. Os dois melhores exemplos vieram de Inglaterra (com o documento do grupo do Imperial College aqui) e da Austrália (document aqui). Se é uma discussão técnica que se pretende, tem que existir um documento técnico de suporte, e os comentários e sugestões de melhoria da análise devem ser feitos sobre esse documento e não na discussão pública via meios de comunicação social. De preferência ser colocado em inglês para que uma comunidade mais alargada possa ter conhecimento e entrar na discussão. O documento se preferirem até pode ser assinado por um grupo, sem menção dos nomes. Aliás, até começo a pensar que deve ser conhecido o grupo todo, para que a análise do documento e do modelo seja completamente independente dos nomes que a elaboraram. Não é a constituição do grupo que interessa, é a qualidade técnica do seu trabalho. De outro modo, entraremos facilmente numa “guerra” de protagonistas à volta da luz mediática (sim, estou a usar várias vezes o termo propositadamente). Ou seja, o pedido deve ser sobre o documento técnico que descreva o suporte das análises que guiam as decisões públicas, e não sobre quem está ou não está presente nesse grupo.

Vamos agora à questão dos dados, e cedência para efeitos de investigação. Sobre os dados mais agregados e a sua ligação a diversos modelos de previsão, expressei há dias a minha visão, na newsletter da Associação Portuguesa de Economia da Saúde, disponível aqui. O resumo é simples: os dados divulgados publicamente devem ter a menção de que são preliminares, provisórios ou definitivos, o que dá indicação de que poderão ser, ou não, revistos brevemente ou a médio prazo. Mas o que se está a discutir quando se fala em cedência de dados para investigação é mais do que isso – são os dados referentes ao percurso dos doentes, devidamente anonimizados – para proteção da privacidade de cada um, e que permitam perceber aspectos clínicos da COVID-19 e aspectos da resposta organizada do Serviço Nacional de Saúde. São dados mais sensíveis. Como tal a sua cedência tem que obedecer a regras que garantam o seu bom uso (para os fins de investigação que ajude na estratégia de resposta à COVID-19). Aqui, provavelmente a melhor forma é usar formas de cedência de dados já testadas noutros contextos – o Ministério da Saúde definir que conjunto de dados quer ceder para investigação, dando informação sobre que dados estão disponíveis e em que condições. As equipas de investigação então ficam com o dever de se  registarem, apresentando as linhas fundamentais da sua proposta de investigação. Essa proposta será validada (rapidamente, assegurando o respeito pelas condições de cedência – por exemplo, não vender os dados obtidos desta forma, e receberem sempre os resultados da investigação produzida) pelo Ministério da Saúde, que publicita a cedência dos dados para o grupo de investigação, tornando público o respectivo plano proposto.

Fazer de outra forma, e dar apenas a um grupo de investigação, ou apenas a uma instituição, o acesso aos dados seria um procedimento na melhor tradição portuguesa de discriminar uns face a outros, e de abdicar da contribuição de uma inteligência colectiva disponível e que deve ser aproveitada neste contexto atual. Seria abdicar de ter ideias concorrentes exploradas para o bem comum.

A questão da cedência dos dados, que ganhou alguma natureza oficial nas últimas decisões do Governo (aqui, numa notícia recente do jornal Público, e aqui) não pode ser transformada numa predileção por esta ou por aquela instituição (seja ela qual for). Afinal, o essencial é poder contar com o contributo da comunidade científica portuguesa.

Artigo originalmente publicado por Pedro Pita Barros a 9 de abril em https://momentoseconomicos.com/2020/04/09/dados-e-peritos-vivendo-com-o-coronavirus-19/