Pedro Pita Barros

Doutorado em Economia, Professor Catedrático na Universidade Nova de Lisboa, membro do Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health (European Commission), membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e membro do Conselho Nacional de Saúde. 

Conheça a sua obra em www.almedina.net


Pedro Pita Barros, economista e autor Almedina, está a acompanhar diariamente a evolução do Coronavírus na economia e sociedade portuguesa, um conjunto de artigos que iremos partilhar nesta rúbrica a que o autor chamou Vida com o Coronavírus da Covid-19

Na semana passada, os dados da mortalidade diária indicavam uma subida anormal da mortalidade em Portugal desde o início de Março de 2020.

Para perceber porque essa subida do número de óbitos diários chama a atenção, é útil reconhecer que normalmente no início do ano, em Janeiro, há um maior número de óbitos por dia, que depois tende a descer até ao final do Verão, retomando no Outono um perfil de subida. Este padrão tem sido regular nos últimos 11 anos (os dados facilmente disponíveis), com excepções pontuais.

A mortalidade em Portugal vinha desde Janeiro a seguir o padrão normal, até ligeiramente melhor do que nos últimos anos. No início de Março, ainda antes de se iniciarem os óbitos associados com a covid-19 oficialmente conhecidos, a mortalidade diária inverte a tendência anterior, e inicia uma tendência de subida.

Em meados do mês de Março, começam a ser publicados pela Direção-Geral de Saúde a informação sobre os óbitos diários associados à covid-19, que podem então ser subtraídos à mortalidade total. Ora, mesmo fazendo essa subtração a subida da mortalidade diária continua (obviamente, menos forte do que se incluirmos os dados da mortalidade associada à covid-19). A figura abaixo ilustra esta evolução com dados agrupados por semana (para reduzir as flutuações diárias em termos de representação gráfica), onde se vê claramente a inversão da tendência de descida e a manutenção da tendência de subida da restante mortalidade (o que num contexto de paragem da atividade económica, incluindo circulação rodoviária e acidentes de trabalho que pudessem existir, não tem fatores acrescidos de risco). Ainda assim, está no limite superior do que se passou nos últimos cinco anos no valor global, embora como o ponto de partida para a inversão foi baixo, significar que o período de subida foi o mais constantes dos últimos 6 anos).

figura 1

(nota: esta figura é essencialmente similar a uma de há dois dias atrás, com a diferença de ter mais uma semana de dados em março de 2020, e de ter colocado mais semanas dos outros anos, para se avaliar bem a diferença face à tendência de descida geral que costuma existir nesta altura do ano)

Há várias potenciais explicações, que não são mutuamente exclusivas, e para as quais será relevante ter informação que as permita quantificar:

a) mortalidade adicional por as pessoas recorrerem menos aos serviços de saúde quando justificadamente o deveriam fazer – a redução no recurso às urgências parece existir, o que poderá ser resultado de situações graves não estarem a ser atendidas. A informação útil que suponho esteja disponível facilmente algures no sistema de saúde é a divisão entre óbitos em meio hospitalar (ou em serviços de saúde) e óbitos em casa ou noutro local. Se estes últimos estiverem a aumentar, em causas de morte que em geral deveriam levar as pessoas a procurar auxílio, poderá estar a verificar-se um “dano colateral” da covid-19.

b) mortalidade adicional associada à covid-19 mas que não está a ser identificada como tal. Esta possibilidade também deverá ser facilmente identificada nos dados, pois deveria estar a ocorrer mais óbitos por pneumonias não identificadas.

c) mortalidade adicional, nos serviços de saúde, por desvio de recursos para resposta à covid-19, com consequências no tratamento de outras patologias. Esta possibilidade é menos forte do que o apelo que possa intuitivamente , no contexto atual. Apesar da pressão da covid-19 ser grande não parece ter chegado à intensidade que se vê noutros países.

d) haver qualquer outro motivo pontual para a subida da mortalidade (nesse caso, qual?).

Para responder a estas questões, é preciso informação mais fina de que não se dispõe publicamente. Na medida em que possa ser dada uma resposta por parte do sistema de saúde a este aumento de mortalidade, deveria receber alguma atenção desde já.

Deixo a Figura 2 com os dados diários, para ilustrar que o efeito não decorre da utilização da média semanal.

figura 2

Artigo originalmente publicado por Pedro Pita Barros a 5 de abril em