João Correia

Advogado

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Foram publicados dois diplomas de excepção decorrentes do Estado de Emergência decretado pelo Presidente da República. 

Foram as seguintes normas e diplomas que, para o caso, nos interessam: 

  1. – O Art. 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de Março;
  2. – Ainda o Art. 7.º desta Lei, agora com a redacção que lhe deu a Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril.

Vejamos o que nos diz uma e outra das redacções. 

  1. Para a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, estão suspensos os prazos para a prática de:   
    • actos processuais e procedimentais;
    • que corram em quaisquer tribunais;
    • e em qualquer jurisdição;
    • mesmo nos tribunais arbitrais;
    • em processos que corram no Ministério Público;
    • nos julgados de paz;
    • em processos que corram em sede de RAL;
    • em órgãos de execução fiscal;
  2. Ora estes prazos passariam a suspender-se de acordo com o regime das férias judiciais “… até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação, … etc.”
  3. De acordo com o n.º 2 deste preceito, a suspensão cessaria ope legis, quando um decreto-lei o determinasse. 
  4. No entanto, os prazos a suspender atingiriam igualmente os prazos de prescrição e de caducidade “… relativos a todos os tipos de processos e procedimentos…”
  5. A suspensão aqui prevista “prevalece sobre quaisquer regimes…” mesmo sobre regimes “… imperativos de prescrição e caducidade”
  6. A mesma suspensão aplica-se nos processos urgentes (com algumas excepções), nos Cartórios Notariais e nas Conservatórias, etc., etc.

Ora, como é sabido, os prazos assumem natureza distinta. 

No âmbito substantivo, o que mais importa é apurar se o “tempo” que decorre na execução das relações jurídicas culmina na prescrição ou na caducidade (Art. 300º e segs. e 328º e segs., todos do C. Civil). 

Não é o momento para aprofundar esta temática, bastando reter que, na prescrição, um direito se extingue pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei (Art. 298º, n.º 1 do C. Civil), ao passo que caducidade é a “morte natural” de um direito, pois ele existe para durar durante certo lapso de tempo; uma vez decorrido tal lapso de tempo o direito extingue-se por natureza, independente da vontade do seu titular, embora, como manda o Art. 331º do C. Civil, a caducidade não se opera se for praticado o acto a que a lei atribui o efeito de a impedir.

Ora, no que se refere ao direito adjectivo, estes conceitos e a sua dissecação mostram-se, agora, relevante.

7 – As regras processuais, no entanto separam os prazos dilatórios dos peremptórios, assim como as suas naturezas e a eficácia do seu decurso. 

A primeira natureza, a dilatória, tem pouca relevância para o que ora importa, pois que visa impedir a prática de um acto antes do seu decurso, o que, como facilmente se depreende, visa exclusivamente o puro diferimento da prática de um acto. 

A natureza peremptória de um prazo é que releva para o diploma e para os profissionais de foro que rapidamente se aperceberam que a transposição mecânica do regime das férias judiciais criaria conflitos gravíssimos de interpretação e de aplicação. 

Na verdade, perante um prazo de caducidade, a eficácia do seu decurso assume uma natureza e um regime assaz perigoso, que decorre dos Arts. 328º e segs. do C. Civil. 

Destas normas, resulta o seguinte:

a) O prazo de caducidade não se suspende senão nos casos que a lei prevê;

b) O prazo de caducidade começa a correr no momento em que direito puder ser legalmente exercido “salvo se a lei não fixar outra data” (Art. 329.º do C. Civil);

c) Impede a verificação da caducidade a prática de um acto a que a lei atribuir tal efeito (Art. 331º do C. Civil).

8 – A Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril 

Ora, atenta a previsão (para este efeito meramente processual) do relevo das férias judiciais e do seu regime, criava-se um alçapão interpretativo, pois que os prazos de caducidade correm, mas não terminam, nas férias judiciais. 

Daí que o Governo – e bem – tenha vindo a alterar tal primitiva redacção do Art. 7.º, por via deste diploma legal.

E, no essencial, simplificou o regime da suspensão, ao prevenir, para o decurso dos prazos, o regime da mera “suspensão” sem mais, suspensão essa que se manterá até “à cessação da situação” que determinou a sua suspensão. 

Ora, aqui chegados, urge clarificar os regimes (pois podem ser diferentes) da suspensão de um prazo de prescrição, do regime de um prazo para a prática de um acto processual e, finalmente, do regime da suspensão de um prazo de caducidade. 

Como é sabido, a prescrição pode ocorrer mesmo em período de férias judiciais, pelo que, na actual redacção deste Art. 7.º, urge aplicar o regime da suspensão, na sua pureza, ou seja, ao período que decorreu até 9 de Março de 2020 (cfr Art. 37.º da Lei nº 10-A/2020) aditar-se-á o período que vier a decorrer após a publicação do prometido Decreto-Lei que extinga o regime de excepção. 

9 – Já no que concerne à caducidade, o regime da suspensão não assume a mesma natureza, uma vez que, extinta a suspensão, preclude imediatamente o direito em presença, por regra, o direito de agir judicialmente, se o acto a praticar não for executado no dia seguinte ao termo da suspensão.   

10 – Abra-se aqui um parêntesis para realçar o seguinte: a caducidade e o regime em apreço circunscrevem-se a actos processuais e com eles conexionados.

Obviamente, não estão em causa, os regimes de caducidade de direitos absolutamente estranhos a qualquer procedimento. 

Veja-se, por exemplo, a caducidade de doações, de mandatos, de aceitação de heranças, etc.  

Manda, no entanto, a verdade dizer que, mesmo no Código Civil, o regime da caducidade está conexionado, no essencial, com o direito de agir judicialmente. 

11 – Daqui decorre que o diploma legal que vier a pôr termo ao regime de excepção, terá de clarificar ambos os conceitos, ambos os regimes e uma só solução que, aliás, se acha na economia do Art. 7.º, em análise. 

E a solução legal a clarificar terá de passar por fixar legalmente esse único regime para a suspensão de prazos, seja o de prescrição, seja o de caducidade. 

12 – E é simples. Basta que se formalize que o período intercorrente entre 9 de Março de 2020 e o momento a fixar nesse diploma, não releva nem para a prescrição de direitos de qualquer natureza, nem para a caducidade de direito (e de dever) de agir.