Edgar Valles

De origem goesa, nasceu em 1953, em Angola. Exerce a advocacia desde 1977.  Autor dos livros ” África, Colonialismo e Socialismo” (Seara Nova, 1975), “Apartheid em Crise” (Seara Nova, 1977), “27 de Maio: Síndroma de Angola”, em colaboração com João Van Dunem, edição de autor, 1977, “O que foi a descolonização portuguesa?” (Apul, 1978), “Guia do Autarca”, ( Almedina, 2005, 3ª edição), “Cobrança Judicial de Dívida, Injunções e Respetivas Execuções” (Almedina, 2018, 8º edição), “Prática Processual Civil” ( Almedina, 2019, 11º edição), “Atos Notariais dos Advogados e Solicitadores” ( Almedina, 2019, 7ª edição), “Consórcio, ACE e outras Figuras” (Almedina, 2007) “Custas Processuais” (Almedina, 2011, 2ª edição), ” Menores” (Almedina, 2011), “Execução de Empreitadas de Obras Públicas” (Almedina, 2013), “Contencioso Administrativo” ( Almedina, 2019, 3ª edição) , Responsabilidade dos Gerentes e Administradores”, (Almedina, 2019, 3ª edição), “Guia Prático das Assembleias Gerais- Associações, Condomínios, Sociedades Comerciais e Autarquias”, (Almedina, 2019, 2ª edição) e “Arrendamento Urbano-Constituição e Extinção”, (Almedina, 2019).

Conheça a sua obra em www.almedina.net


Que fazer, quando estamos confinados em nossas casas, por um período de tempo indeterminado, como sucede atualmente?

Recebemos muitos conselhos, desde exercícios físicos a formas de relaxamento, com o objetivo de tranquilizar os nossos espíritos.

Por mim, sem prejuízo de seguir esta ou aquela recomendação, opto por afiar as facas, no plano profissional, ler como atividade lúdica e cultural e também cavar e podar, como trabalho agrícola.

Como se concretizam?

No período de atividade profissional normal, escasseia tempo para ler obras doutrinárias, acórdãos relevantes e aprofundar certos temas jurídicos. Também fica por organizar o arquivo, a documentação de vários anos.

Afiar as facas significa privilegiar agora essa atividade relegada em período normal para segundo plano e prepararmo-nos para o período da “caça”, ou mais propriamente para o retomar da atividade.

Recordo-me o período dos primeiros anos de exercício da profissão, em que escasseavam os clientes e pouco trabalho havia. Em vez de me angustiar, com o pensamento quedado na angústia sobre o futuro, intensifiquei o estudo de matérias, numa perspetiva prática desprezada pelo ensino universitário.

No plano cultural, para quem continua a recusar ser hipnotizado pela televisão, há ainda tempo para pôr a leitura em ordem, pegar naquelas obras adquiridas, que ainda jazem nas estantes…

Já devorei, nestas duas últimas semanas, três obras muito interessantes.

 Uma, de Somerset Maugham, com o título “Servidão Humana”. Considerado um dos melhores romancistas contemporâneos e um dos melhores escritores de língua inglesa, Maugham demonstra neste romance a sua envergadura de escritor de almas, descrevendo os dramas de um jovem cujos pais morreram quando ainda era criança. Com um defeito físico acentuado, sofre as  troças dos colegas de escola e sonha com o sucesso, misto de vingança e realização pessoal.

A segunda obra, de Javier Marías, “Os enamoramentos”, é  uma investigação metafísica sobre a vida, a morte, o amor e a moralidade. O estado de enamoramento parece justificar quase todas as ações, positivas e negativas. Este é um dos mais destacados autores espanhóis da atualidade.

O terceiro livro foi “Miguel Street” de V.S. Naipul, escritor indiano nascido em Trinidade, autor de vasta bibliografia de viagens e testemunhos sobre a Ásia, América do Sul, África e Médio Oriente. Nesta obra, de “short stories” narra-nos a vida de habitantes que povoam a cidade de Porto of Spain, com histórias de glória e devassidão rivalizando com solenes declarações de amor e ódios ferozes.

Sempre tive o sonho de enveredar por outro tipo de escrita, para além da jurídica (por natureza sincopada e algo fria) e de entrar nas  “short stories”, consideradas hoje um género literário. Daí o deleite que me causaram as páginas desta obra de Naipul, que me fez recordar, também, os meus tempos de infância, em Luanda.

Finalmente, o trabalho físico. Estou refugiado na minha fazenda no Ribatejo, a 5 km. de Torres Novas. É altura de preparar a horta. O trator já lavrou a terra, mas é necessário algum trabalho de enxada. Só me fez bem pegar neste instrumento secular e abrir regos, para semear, bem como caldeiras para as árvores de fruto. Também estou a utilizar a motosserra, para a poda das últimas oliveiras, aconselhada até ao final do mês. Mas com cuidados redobrados; há alguns anos atrás, partiu-se um ramo em que estava empoleirado, segui a trajetória vertical e estatelei-me no chão. Por sorte, não sofri qualquer fratura. Não quero repetir a experiência, agora que os anos pesam mais e esta pandemia me colocou no não invejável lote de pessoas de risco agravado…