Catarina Serra

Licenciada em Direito, Mestre e Doutora, na especialidade de Ciências Jurídico-Empresariais, pela Universidade de Coimbra. Agregada em Ciências Jurídicas, na especialidade de Ciências Jurídicas Privatísticas, pela Universidade do Minho. Professora Associada com Agregação da Escola de Direito da Universidade do Minho. Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça.

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1. A crise COVID-19

Ninguém podia adivinhar o que estava escrito nas estrelas para o ano de 2020.

A aproximação, em passo acelerado, da crise actual (“total”) ditou a tomada de numerosas providências ao nível legislativo[1]. Cedo, porém, foi perceptível uma lacuna nos diversos ordenamentos jurídicos: não existe legislação adequada a estes tempos extraordinários e, em particular, não existe um plano legislativo de contingência para as empresas.

O estado de emergência que, um a um, os países europeus foram declarando trouxe consigo a imposição de sérias restrições à mais essencial liberdade de movimentos. De imediato, direitos, liberdades e garantias fundamentais, como o direito de deslocação e o direito de propriedade e de iniciativa económica privada, sofreram sérios condicionamentos. A situação foi sendo, todos os dias, concretizada em medidas de variada natureza: confinamento obrigatório, dever geral de recolhimento domiciliário, teletrabalho, encerramento de instalações e estabelecimentos, suspensão de actividades no âmbito do comércio a retalho, suspensão de actividades no âmbito da prestação de serviços[2].

Em Portugal, o conjunto de medidas especificamente concebidas para a protecção das empresas é já muito vasto e tem uma justificação evidente para todos: no plano estritamente económico, é sobre as empresas, maxime, as micro, pequenas e médias, que recaem, em primeira linha, as consequências da infecção e do isolamento profilático dos cidadãos.

Mas serão estas medidas suficientes para proteger as empresas portuguesas dos efeitos devastadores desta “crise total”, das restrições ao exercício de (quase) todas as actividades económicas durante um período de tempo tão longo e (ainda) com fim indeterminado?

São, pelo menos, três os aspectos extraordinários desta crise.

Costuma pensar-se nas grandes alterações de circunstâncias como sendo natureza política, social ou económica[3]. Ora, a presente crise é, em primeiro lugar, multidimensional, afectando todas, simultaneamente, estas e outras dimensões do ser humano (físicas, psicológicas, culturais). Supera, pois, neste sentido, a “grande depressão” de 1929 e a crise global de 2008.

Depois, ela alastrou-se, de forma mais ou menos simétrica e de forma mais ou menos sincrónica, a todo o globo. Diversamente de uma guerra, e até diversamente de uma guerra mundial, não existem lugares absolutamente seguros ou não contaminados.

Por fim, é expectável que os seus efeitos se produzam por muito tempo – o que é apenas lógico, dado o seu extraordinário alcance.

Em suma: a crise actual configura uma “modificação brusca das condicionantes estruturais da coexistência social”, isto é, uma “grande” alteração das circunstâncias[4] – e uma em grau superlativo, que escapa às categorias dogmáticas habituais. Por isso, mais do que consentir intervenções pontuais, por iniciativa das partes, no domínio dos contratos, ela exige uma verdadeira reconformação legislativa do quadro em que se desenvolvem todas as relações jurídicas.

Pronunciando-se sobre a alteração unilateral dos contratos com base na alteração anormal das circunstâncias, conclui Rui Pinto Duarte que “[n]a verdade, quando os desequilíbrios contratuais se massificam, só o legislador dispõe de bons meios para fazer face às necessidades sociais”, acrescentando, já a propósito da hipótese de intervenção legislativa e do seu enquadramento constitucional que “[i]ntervenções que põem em causa direitos constituídos levantam problemas de constitucionalidade, mas estão longe de ser necessariamente inconstitucionais”[5].

2. A crise COVID-19 e as empresas

O impacto previsível na economia, portanto, no universo das empresas, é grande. Sobre as empresas paira, em última análise, a sombra ameaçadora da insolvência.

Nos Estados Unidos, prevê-se, justamente, uma vaga de reestruturações e insolvências, mas também uma contracção do crédito, muitos incumprimentos com fundamento em alteração anormal das circunstâncias, uma maior benevolência dos tribunais para com os devedores, aquisições oportunísticas de empresas por investidores-abutre (vulture investors), a desvalorização das acções e a necessidade de criação de equipas multidisciplinares para prestação de apoio às empresas[6]. E avançam-se já soluções, sugerindo-se aos Estados que prorroguem o vencimento dos créditos tributários para pequenas e médias empresas, propiciem a renegociação das dívidas das pequenas empresas e, enfim, que concebam mecanismos que dêem aos devedores “espaço para respirar” (breathing space) (i.e., suspensão generalizada das acções contra eles e dos prazos de vencimento das suas obrigações)[7].

Na Europa surgem, sucessivamente, medidas avulsas mas também começa a equacionar-se, pelo menos nalguns países, a introdução de alterações à lei da insolvência. Em França pretende-se uma (maior) simplificação do Direito da insolvência (Droit des procédures collectives)[8] e em Espanha prepara-se a alteração da Ley concursal[9].

Se os Estados-membros da União Europeia precisassem de um pretexto para uma revisão sistematizada das leis da insolvência, ele existiria / existe: a Directiva sobre reestruturação e insolvência, já em vigor e com transposição obrigatória até ao dia 17 de Julho de 2021[10]. O actual contexto só aumenta a urgência da sua transposição. Já sem o tempo ideal para reflectir sobre cada um dos instrumentos aí disponibilizados, torna-se premente transpor a Directiva e aplicar os instrumentos pensados para prevenir a insolvência[11]. O seu préstimo será avaliado ao longo do processo e, em definitivo, no final.

Evidentemente, sendo a empresa uma estrutura multifacetada, existem muitas outras matérias para lá da reestruturação e da insolvência que reclamam a atenção do legislador, destacando-se as medidas respeitantes ao (para facilitar o) funcionamento das sociedades. Sobre isto também já existem modelos de legislação no Direito comparado, como a Alemanha, a Áustria, a França, o Luxemburgo e a Espanha[12].

Pese embora toda a urgência, será sempre necessário ponderar antes de agir. A cada coisa deve dedicar-se tempo exclusivo, por pouco que seja.

3. Legislação para a crise das empresas (ponderações)

Segundo o CERIL Executive Statement 2020-1 on COVID-19 and insolvency legislation (CERIL Statement), as medidas mais urgentes para combater a crise das empresas são duas: a suspensão temporária da obrigação de apresentação à insolvência com fundamento em situação patrimonial líquida negativa (temporary suspension of the duty to file for insolvency based on overindebtness) e a resolução do problema da iliquidez das empresas (response to the illiquidity of businesses).

Mas podem e devem conceber-se medidas adicionais: o financiamento intercalar (interim financing); a suspensão da obrigação de apresentação à insolvência com fundamento na impossibilidade de pagar (temporary suspension of the duty to file for insolvency based on the inability to pay); a “hibernação” para as pequenas empresas (“hibernation” for small companies); e apoios à subsistência dos empresários e dos trabalhadores das empresas (supports to the livelihood of entrepreneurs and their employees).

3.1. Suspensão temporária da obrigação de apresentação à insolvência

A necessidade de uma medida que suspenda a obrigação de apresentação à insolvência durante este período é evidente. Os empresários ou administradores das empresas estão, nesta altura, sob fortíssima pressão. Por um lado, sabem que, por uma causa extraordinária, a empresa deixou de ter liquidez e que em breve lhes será impossível fazer face aos compromissos correntes (se não atingiu já essa situação); por outro lado, sabem que se não cumprirem a obrigação de apresentação à insolvência nos trinta dias seguintes à data do conhecimento da insolvência ou à data em que devessem conhecê-la, ficam sujeitos aos efeitos da insolvência culposa [cfr. artigo 18.º, n.ºs 1 e 3, 19.º e 189.º, n.º 2, al. a), e 186.º, n.º 2, do CIRE].

Em quase todas as empresas o ambiente é este. Para grande parte delas, porém, a liquidação patrimonial não é a solução adequada ou justa. É preciso espaço / tempo, para avaliar a situação. É preciso espaço / tempo para identificar as empresas que seriam viáveis não fosse ter ocorrido aquela causa extraordinária e que terão, no futuro, boas perspectivas de retomar o curso normal da actividade económica.

Em dois países europeus foi já suspensa a obrigação de apresentação à insolvência: a Espanha e a Alemanha.

Em Espanha[13], onde o prazo para apresentação à insolvência é de dois meses, adoptou-se um modelo em que a suspensão é, fundamentalmente, subordinada a um termo. A obrigação de apresentação à insolvência (concurso voluntario) fica suspensa enquanto o estado de emergência subsistir e os tribunais não devem declarar a insolvência a requerimento de sujeitos diferentes do devedor (concurso necesario) durante o estado de emergência ou nos dois meses seguintes à cessação deste estado, esclarecendo-se que se o devedor se apresentar à insolvência durante este período a sua petição deve ser admitida com preferência sobre o requerimento dos outros sujeitos, ainda que entrada posteriormente[14]. A obrigação de apresentação à insolvência fica ainda suspensa durante o estado de emergência sempre que o devedor tenha comunicado ao tribunal o início de negociações com os seus credores com vista a alguma providência de reestruturação[15].

Já na Alemanha[16], onde o prazo é de meras três semanas, a obrigação de apresentação à insolvência estará suspensa até 30 de Setembro de 2020, com possibilidade de extensão até 31 de Março de 2021. Porém, a suspensão só é aplicável a empresas cuja insolvência seja consequência da crise e que tenham uma perspectiva razoável de recuperação ou, mais rigorosamente, não se aplica na ausência destas condições.

Existem, em suma, dois modelos: o modelo do condicionamento da suspensão exclusivamente a um termo e o modelo do condicionamento a um termo e a requisitos substantivos.

De acordo com o CERIL Statement, o modelo preferível é o primeiro. A necessidade da suspensão deriva da ocorrência de uma situação extraordinária que afecta, inevitável e indiscriminadamente, todas as empresas, pelo que não faz sentido, designadamente, a demonstração de qualquer nexo causal e serão suficientes os requisitos de tipo temporal.

Em contrapartida, alguns especialistas espanhóis manifestaram preferência pela solução alemã, criticando a solução espanhola pela exiguidade dos prazos e argumentando que eles não permitem, razoavelmente, às empresas restabelecerem-se depois da crise.

Deve esclarecer-se, porém, que, tanto num caso como noutro, o confronto foi entre a lei espanhola como o mero anúncio da lei alemã[17], isto é, foi feito numa altura em que não se sabia qual seria a formulação definitiva da lei alemã. A verdade é que, talvez por sensibilidade às críticas dos especialistas nacionais[18], o legislador alemão optou por uma fórmula que não onera excessivamente as empresas: elas não têm exactamente o ónus de demonstrar que a insolvência é consequência da crise do Coronavírus, presumindo-se que assim é quando se verifique que, em 31 de Dezembro de 2019, a empresa não estava impossibilitada de cumprir as suas obrigações[19].

Avaliando as duas soluções disponíveis, há que dizer, por um lado, que as empresas dificilmente conseguirão retomar o curso normal da sua actividade no escasso prazo de dois meses após a cessação do estado de emergência. O período da suspensão deve, por conseguinte, ser mais amplo do que o disposto na lei espanhola e estender-se, pelo menos, até Setembro, com possibilidade de prorrogação (dada a imprevisibilidade das circunstâncias). Mas, por outro lado, podem e devem impor-se condições mínimas, pelo menos no que toca à viabilidade ou à recuperabilidade da empresa; no caso contrário, estar-se-á a dar cobertura a casos que não merecem ser contemplados. As condições podem ser impostas pela positiva ou pela negativa (como na solução alemã) e, eventualmente ser facilitadas por presunções (como na solução alemã), não sobrecarregando desrazoavelmente as empresas.

Em Portugal, não há ainda sinais de uma suspensão da obrigação de apresentação à insolvência. Nem se argumente que a suspensão da obrigação de apresentação à insolvência já decorre do art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março. Esta norma dispõe que a presente situação excepcional constitui causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. Só com muito esforço é possível retirar daqui que a obrigação de apresentação à insolvência fica suspensa[20], sendo preferível uma disposição expressa, que não suscite quaisquer dúvidas.

Como se disse, é muito importante aliviar os empresários e os administradores das empresas da pressão que esta obrigação representa e evitar o risco de que, nestas condições, tomem uma decisão precipitada. É sabido que nem todas empresas actualmente em situação de insolvência estão em situação de insolvência apenas por força da crise sanitária mas também é sabido que quase todas elas viram a sua situação agravar-se; se não se aguardar o momento oportuno para fazer uma triagem definitiva entre as empresas e dar possibilidade de continuação àquelas que sejam viáveis / recuperáveis, existe o sério perigo de que se dissipe todo o tecido empresarial. Entretanto – está implícito –, devem ser-lhes concedidos todos os (outros) apoios possíveis de forma a evitar que se tornem insolventes de facto.

3.2. Combate à iliquidez das empresas

A iliquidez das empresas foi um dos primeiros problemas percebidos e atacados pelo legislador português. É mais ou menos sabido que as reservas de liquidez da maioria das empresas portuguesas tem uma capacidade limitada (dois ou três meses, se tanto).

Perante isto, na Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020, de 13 de Março, que aprova um conjunto de medidas relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19, manifestou-se a intenção de criar instrumentos com vista ao apoio à tesouraria das empresas, designadamente uma linha de crédito no montante de 200 milhões e um pacote de incentivos às empresas no domínio da aceleração de pagamento de incentivos, diferimento de amortizações de subsídios e da elegibilidade de despesas comprovadamente suportadas pelos beneficiários em iniciativas ou acções canceladas ou adiadas por razões relacionadas com o COVID-19.

A seguir, no Despacho Normativo n.º 4/2020, de 25 de Março, determinou-se a criação de uma linha de apoio financeiro, destinada a fazer face às necessidades de tesouraria das microempresas turísticas cuja actividade se encontra fortemente afetada pelos efeitos económicos resultantes do surto da doença COVID-19.

O instrumento mais familiar no combate à iliquidez é, com efeito, a concessão de crédito, cabendo salientar, a propósito, que a Comissão Europeia já anunciou que não tenciona fazer valer as restrições impostas à concessão de auxílios estatais no âmbito das medidas de reacção ao COVID-19[21]. Removem-se, assim, os obstáculos aos apoios do Estado de tipo financeiro[22].

Neste contexto, foi criada, em Portugal, a Linha de Crédito Capitalizar 2018 – COVID-19. A funcionar por via do sistema bancário, ela permitirá, sem dúvida, a algumas empresas satisfazer, em melhores condições de preço e de prazo, as suas necessidades de fundo de maneio e plafond de tesouraria, relacionadas, por exemplo, com o pagamento de salários ou a aquisição de matérias-primas. A verdade, porém, é que a solução não aproveita à maioria das empresas portuguesas (micro e pequenas empresas).

Desde logo, só acedem à Linha certas empresas: as que, primeiro, apresentem uma situação líquida positiva no último balanço aprovado ou, em caso de situação líquida negativa no último balanço aprovado, tenham a situação regularizada em balanço intercalar aprovado até à data de enquadramento da operação e não tenham incidentes não regularizados junto da Banca à data de emissão de contratação e, segundo, tenham a situação regularizada junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social. Os requisitos não são insignificantes e impedirão o acesso à Linha por parte de muitas empresas.

Mais importante do que isto, a concessão de crédito não deixa de representar um compromisso para a empresa (a obrigação de pagar mais tarde). Ora, um número considerável das empresas portuguesas (micro e pequenas empresas) estão em situação de debt overhang (i.e., não estão em condições de contrair mais obrigações do que as que já têm). Para estas, o recurso ao crédito não é – já não é – uma solução, pelo menos para os empresários prudentes, conscientes do seu nível de endividamento. Como se isto fosse pouco, estima-se que a taxa de juro final seja muito elevada (2,5% ou até 3%).

A atenção deverá, portanto, concentrar-se na concepção de medidas alternativas para estas empresas.

3.3. Financiamento intercalar

O CERIL Statement recomenda que o Estado disponibilize financiamento intercalar[23] a certas empresas ou indústrias, nomeadamente às grandes empresas do sector automóvel, companhias aéreas ou caminhos de ferro bem como às médias empresas.

Este financiamento é susceptível de revestir diversas formas: desde os convencionais empréstimos à a aquisição de obrigações ou mesmo de participações sociais. Neste último caso, a empresa é, no fundo, nacionalizada, o que obriga a muitos cuidados e a ponderações de teor não só económico mas também político.

Em qualquer caso, e como se disse, para as empresas mais pequenas, o recurso ao crédito não será de todo uma possibilidade, o que significa que, para a maioria das empresas portuguesas, o problema de liquidez não será resolvido assim. Os esforços para apoiar estas empresas devem, pois, concentrar-se noutros aspectos, devendo ser, por exemplo, dirigidos a aliviar os seus encargos, maxime os fixos.

3.4. Suspensão da obrigação de apresentação à insolvência baseada na impossibilidade de pagar

Dada a iliquidez da maioria das empresas, a insolvência não se manifesta – ou não se manifesta apenas – na situação patrimonial líquida negativa registada no balanço, manifesta-se também sob a forma de incapacidade de pagar as obrigações à medida do seu vencimento. Deste modo, a suspensão da obrigação de apresentação à insolvência deve ser geral, abrangendo a declaração de insolvência por qualquer dos dois fundamentos previstos no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE.

3.5. “Hibernação” para as (pequenas) empresas

A “hibernação” ou “sono de Inverno” (“Winter sleep” / “Winterschlaf”) será porventura a solução mais completa, portanto, mais eficaz para as micro e pequenas empresas. Significa dar-lhes a possibilidade de desaparecerem durante este período e de regressarem mais tarde, quando o mercado estiver a funcionar em condições normais ou mais propícias. A medida inspira-se no princípio seguinte: não há receitas, não deve haver despesas.

A “hibernação” pode ser concretizada por várias formas.

O ideal será o estabelecimento de moratória completa ou generalizada, que abranja tanto a paralisação das acções executivas (impossibilidade de propositura de acções novas e suspensão das acções pendentes) como a suspensão dos prazos de vencimento das obrigações, incluindo as obrigações tributárias, e dos outros deveres jurídicos das empresas. Nesta linha de raciocínio, o incumprimento de certas obrigações não deve ser considerado incumprimento para os efeitos jurídicos habituais, designadamente para o efeito de conceder à outra parte o direito de resolução ou de invocar a excepção de não cumprimento. Trata-se, em suma, de uma moratória total, que afecta os processos (produz efeitos processuais) e os contratos (produz efeitos substantivos),

Na Directiva sobre reestruturação e insolvência encontra-se um conjunto de medidas susceptíveis de compor uma figura deste tipo. O art. 6.º da Directiva regula a suspensão das medidas de execução[24], que é definida no art. 2.º, n.º 1, 4), como “a suspensão temporária, concedida por uma autoridade judicial ou administrativa ou aplicada por força da lei, do direito de um credor executar créditos reclamados junto de um devedor e, se o direito nacional assim o previr, junto de terceiros prestadores de garantias, no contexto de processos judiciais, administrativos ou outros, ou de suspender o direito de apreender ou liquidar por via extrajudicial os ativos ou a empresa do devedor”. Esta paralisação dos direitos processuais dos credores é complementada no art. 7.º da Directiva, com aquilo que se designa “consequências da suspensão das medidas de execução”, ou seja, a paralisação da obrigação de apresentação à insolvência (art. 7.º, n.º 1), da abertura de processos de insolvência com fim liquidatório (art. 7.º, n.º 2) e dos direitos dos credores no âmbito dos negócios em curso, bloqueando, em certos termos, o direito de resolução e do direito a invocar a excepção de não cumprimento do contrato (cfr. art. 7.º, n.ºs 4 e 5). Tudo isto reforça a oportunidade da transposição da Directiva.

No CERIL Statement propõe-se uma moratória geral de origem legal, com um efeito imediato sobre todas as obrigações. A Suíça[25] é um bom exemplo desta orientação: aos primeiros sinais da crise, suspendeu-se, sem mais, em todo o território nacional, as acções de tipo executivo ou, se se quiser, as acções para cobranças de dívidas (poursuite pour dettes). A suspensão é absolutamente independente de requisitos substantivos, fixando-se apenas um termo, decorrente do período de vigência da lei[26].

Alternativamente, sugere-se, no CERIL Statement, uma moratória judicial ou administrativa, a requerimento do devedor[27]. Medidas deste último tipo foram adoptadas na Itália[28].

E é concebível ainda uma solução de compromisso: permitir às empresas e aos credores requerer a abertura, consoante os casos, de um processo de insolvência ou de um processo de recuperação / reestruturação durante o período de emergência, com o fito de beneficiar da moratória que lhes está associada. Naturalmente, estes processos não seriam tramitados em virtude do funcionamento condicionado dos tribunais. Em qualquer caso, deveria ser assegurada a manutenção do empresário / da administração à frente da empresa. Quando cessasse o período de emergência, o pedido poderia ser retirado se se verificasse que a empresa estava em condições de regressar ao curso normal da sua actividade; no caso contrário, faria sentido que os processos prosseguissem[29] [30].

Faz falta na legislação portuguesa uma medida de “hibernação” dirigida, pelo menos, e mais uma vez, às micro e pequenas empresas.

É verdade que na Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020, de 13 de Março, se manifestou, de imediato, a intenção de criar um apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial, com direito a uma compensação retributiva análoga a um regime de lay-off simplificado[31]. Trata-se, na prática, de um subsídio do Estado ao pagamento dos salários pelas empresas na situação de “crise empresarial”[32]. Naturalmente, a atribuição deste apoio do Estado está subordinada ao preenchimento de condições e impede as empresas de avançar para despedimentos coletivos ou despedimentos por extinção do posto de trabalho (arts. 359.º e 367.º do Código do Trabalho) relativamente aos trabalhadores abrangidos pelas medidas de apoio durante o período de aplicação do apoio e nos sessenta dias seguintes.

É igualmente verdade que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2020, de 23 de Março, veio alargar o diferimento de prestações vincendas no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional ou no Portugal 2020 a todas as empresas, devido à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19.

E, sobretudo, é verdade que a tão anunciada legislação contendo a medida mais significativa – a moratória para o pagamento das dívidas das micro, pequenas e médias empresas junto das instituições dos sistema financeiro (instituições de crédito, sociedades financeiras de crédito, sociedades de investimento, etc.) –, tardando embora, acabou por ser aprovada, através do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março.

Restringindo-se, também ela, às empresas preencham certas condições (às que não estejam, a 18 de Março de 2020, em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias há mais de noventa dias junto das instituições e não se encontrem em situação de insolvência ou suspensão ou cessão de pagamentos ou naquela data estejam em execução por qualquer das instituições e que tenham a situação regularizada junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social), esta moratória bancária surtirá benefícios óbvios.

Traduz-se ela na proibição de revogação das linhas de crédito e empréstimos, na prorrogação de todos os créditos, incluindo capital e juros e na suspensão, no caso de créditos com reembolso parcelar, do pagamento do capital e dos juros, esclarecendo-se que a extensão do prazo de pagamento de capital, juros e demais encargos não dá origem a qualquer incumprimento contratual ou activação de cláusulas de vencimento antecipado.

As empresas em dificuldades ficarão dispensadas, durante certo tempo (até 30 de Setembro de 2020), de pagar as prestações dos empréstimos de capital e de juros contraídos junto da Banca. Com isto se elimina uma importante fonte de pressão para os empresários e, sobretudo, de esgotamento das reservas das empresas.

Merece, todavia, desde logo, uma apreciação menos positiva o que se prevê no art. 6.º deste diploma. Dispõe-se aí que, nas hipóteses de declaração de insolvência da empresa ou recurso, por parte da empresa, ao PER ou ao RERE, as instituições financeiras podem exercer todas as acções inerentes aos seus direitos, nos termos da legislação aplicável.

Se no caso de declaração de insolvência, a consequência pode e deve compreender-se, já que todas as obrigações se vencem com a declaração de insolvência (art. 91.º do CIRE) mas os credores estão impedidos de exercer o seu direito de acção nos termos habituais (arts. 85.º a 89.º e art. 90.º do CIRE)[33] e também pode e deve compreender-se no caso de sujeição da empresa ao PER, em que o despacho de abertura do processo suspende os poderes dos credores relativos a “acções para cobrança de dívidas” (art. 17.º- E, n.ºs 1 e 6, do CIRE)[34], ela já não é de todo compreensível no caso de sujeição da empresa ao RERE. De facto, ao contrário daqueles processos, o RERE é um instrumento de alcance relativo (não universal), que apenas restringe os poderes processuais dos credores signatários do protocolo de negociação ou do acordo de reestruturação, consoante os casos, e dos respectivos aderentes. Quer dizer: a suspensão tem efeitos circunscritos aos credores participantes[35]. Assim sendo, as instituições financeiras, desde que não participem no RERE, ficam livres para perseguir a empresa pelos meios executivos habituais. E aquilo que é irónico é que isso aconteça quando a empresa recorre a um instrumento destinado, justamente, a prevenir a sua insolvência. Quer dizer: a empresa perde o benefício da moratória relativamente a estes credores sempre que decida usar um regime que foi pensado para – e deve estimular – a reestruturação.

Independentemente disto, e numa apreciação mais global da medida, o que se pensa é que ela não basta para evitar a sucumbência das empresas.

A maioria das empresas – cabe recordar – está temporariamente impedida de exercer a sua actividade ou, no mínimo, a ressentir-se dos efeitos do funcionamento anómalo do mercado. A título de exemplo, as empresas de restauração, mesmo quando se voltam para o serviço de take away, sofrem uma redução sensível nas suas receitas; no entanto, continuam não só a ter de pagar a todos os trabalhadores (aos cozinheiros e aos outros trabalhadores tornados, entretanto, dispensáveis) como a ter de cumprir obrigações relacionadas com a ocupação do espaço, que está agora, pelo menos em parte, esvaziado de utilidade. É imperiosa a eliminação temporária de alguns destes encargos fixos, pelo menos no que respeita às micro e pequenas empresas.

Um destes encargos relaciona-se com a obrigação de pagamento da renda dos imóveis arrendados para comércio ou indústria, ocupados pelas empresas ou em que funciona(m) o(s) seu(s) estabelecimento(s). Será muito importante que, confirmando o já anunciado publicamente, esta obrigação seja suspensa[36].

Na realidade, mesmo sem diploma específico, a medida impõe-se por força da lei geral (cfr. art. 437.º do CC) e, em especial, do princípio da boa fé. E isto porque ela é a única que conduz a uma justa repartição dos custos da crise. Não pode deixar-se que sejam exclusivamente as empresas a suportar estes custos e que os proprietários de imóveis passem incólumes. Parafraseando Carneiro da Frada, “as ‘grandes’ alterações das circunstâncias, enquanto alterações globais dos parâmetros fundamentais da coexistência social, são na realidade um risco de todos, a que todos estão sujeitos, a cujos danos ninguém pode pretender eximir-se à custa de outrem e que não devem conduzir a permitir benefícios integrais a uma das partes com prejuízo da outra[37].

Todavia, para afastar as dúvidas, a medida deverá ser expressamente consagrada.

3.6. Apoios à subsistência dos empresários e dos trabalhadores da empresa

Como já se disse, todos os apoios às empresas que puderem ser concebidos nesta altura, devem ser concebidos e concedidos, de forma a proporcionar-lhe a hibernação mais revigorante possível.

 O CERIL Statement faz só uma advertência: será necessário garantir que os fundos disponibilizados às empresas são rigorosamente afectados à satisfação das necessidades relacionadas com a sobrevivência da empresa (pagamentos dos salários dos trabalhadores, das despesas correntes de electricidade, gás, água, etc.). Deve evitar-se em absoluto que eles sejam canalizados para o cumprimento apenas de algumas obrigações ou de obrigações cujo vencimento possa e deva ser prorrogado.

3.7. Não interrupção dos processos com o fim de recuperação ou reestruturação de empresas

Por fim, não pode deixar de se fazer referência ao funcionamento dos tribunais neste período, em particular, daqueles que têm competência para a tramitação dos processos (urgentes) de insolvência e de revitalização de empresas.

Em Portugal, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, determinou a aplicação do regime das férias judiciais aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (art. 7.º, n.º 1).

Determinou ainda a suspensão dos prazos processuais dos processos urgentes, salvaguardando embora os casos em que seja tecnicamente viável a prática de actos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada e em que estejam em causa actos e diligências presenciais urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes (art. 7.º, n.º 5, 8 e 9).

A norma não é particularmente clara, apresentando-se como uma composição de regras e de excepções, cujo âmbito é impreciso e, portanto, parecem interseccionar-se. Ou, como dizem alguns, ela não tem “uma sistematização muito ‘amigável’”[38].

Apesar de tudo, não deve haver dúvidas quanto à possibilidade de os processos de insolvência e de revitalização de empresas prosseguirem através de meios de comunicação referidos (teleconferência ou videochamada).

Isto é muito importante porque existem casos em que o acto a praticar ou a decisão a proferir no quadro destes processos não custa nada (nem comporta desvios ao procedimento habitual) e representa um enorme benefício, tanto para as partes e como para todos em geral. Acontecerá isto, por exemplo, na hipótese de o plano de recuperação aprovado em processo de insolvência ou em PER apenas carecer da homologação judicial para produzir os seus efeitos[39].

NOTA: Por opção do autor este artigo foi escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.


[1] Cfr., para Portugal, Legislação Compilada COVID-19.

[2] Cfr., em Portugal, sobretudo, o Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março (Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República).

[3] Cfr., por exemplo, Manuel A. Carneiro da Frada, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias – Contratos de depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 71.

[4] Cfr. Werner Flume, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, Zweiter Band – Das Rechtsgeschäft, Berlin,Springer, 1992, pp. 523-524, e, ainda, Manuel A. Carneiro da Frada, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias – Contratos de depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras”, cit., p. 70.

[5] Cfr. Rui Pinto Duarte, “A alteração unilateral de contratos de financiamento”, in: Escritos Jurídicos Vários 2000-2015, Coimbra, Almedina, 2015, p. 807.

[6] Cfr. Thomas J. Salerno / G. Neil Elsey, “The Coronavirus and Its Likely Impact on the Bankruptcy World: Eight Predictions from Two Restructuring Professionals”, American Bankruptcy Institute, 2020.

[7] Letter from National Bankruptcy Conference to Congress re Economic Crisis Caused by SARS-CoV-2 Virus, de 22 de Março de 2020.

[8] A autorização para as modificações foi concedida ao Governo francês no Projet de loi organique d’urgence pour faire face à l’épidémie de Covid-19, de 18 de Março.

[9] O Conselho de Ministros aprovou um acordo solicitando à Comissão Permanente do Conselho de Estado um parecer com carácter urgente em relação a um projecto legislativo através do qual se aprovará o texto consolidado da Ley concursal (cfr. https://www.lamoncloa.gob.es/consejodeministros/referencias/paginas/2020/refc20200324.aspx).

[10] O título completo da Directiva é Directiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Junho de 2019 sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, e que altera a Directiva (UE) 2017/1132.

[11] Cfr., neste sentido também, Stephan Madaus, “Covid-19 – Der Gesetzgeber muss das Insolvenzrecht anpassen”.

[12] Cfr., sobre todos modelos referidos excepto o espanhol, Jessica Schimdt, “COVID-19 zwingt zur schnelleren Digitalisierung im Gesellschaftsrecht in Europa / COVID-19 forces faster digitalisation of company law in Europe”, in: Europäisches Unternehmens- und Kapitalmarktrecht. Cfr., para uma primeira análise do regime espanhol, Enrique Moreno Serrano, “Incidencia del estado de alarma en el funcionamiento de las sociedades no cotizadas”.

[13] Cfr. Real Decreto-ley 8/2020, de 17 de marzo, de medidas urgentes extraordinarias para hacer frente al impacto económico y social del COVID-19 (art. 43.º).

[14] Prevalecendo o concurso necesario evita-se a responsabilização dos administradores e produzem-se as vantagens típicas do concurso necessário, como a manutenção do devedor à frente da empresa.

[15] Cfr., sobre isto, Enrique Moreno Serrano, “El deber de solicitar el concurso de acreedores durante el estado de alarma”.

[16] Cfr. Gesetz zur Aussetzung der Insolvenzantragspflicht und so weiter, das COVID-19 Insolvenzaussetzungsgesetz (COVInsAG), de 27 de Março de 2020 (art. 1.º, §§ 1 e 4). É de salientar que esta lei regula outros aspectos, designadamente compreende medidas sobre sociedades (art. 2.º).

[17] O anúncio foi feito em 16 de Março de 2020. Cfr. Regelung zur Aussetzung der Insolvenzantragspflicht vor, um Unternehmen zu schützen, die infolge der Corona-Epidemie in eine finanzielle Schieflage geraten.

[18] Cfr. Stephan Madaus, “Covid-19: Die bedingte Aussetzung der Insolvenzantragspflichten genügt nicht”.

[19] As nuances tornaram-se perceptíveis logo no projecto de lei, tornado público em 23 de Março de 2020 (cfr. Entwurf eines Gesetzes zur Abmilderung der Folgen der COVID-19-Pan-demie im Zivil-, Insolvenz- und Strafverfahrensrecht) Daí que os mesmos especialistas tenham, mais tarde, inflectido na sua crítica. Cfr. Stephan Madaus, “Covid-19: Insolvenzgesetzgeber bewegen sich (langsam) in die richtige Richtung”.

[20] Em Espanha, antes de o legislador ter tomado uma posição clara, tentou-se o mesmo raciocínio. Cfr. Enrique Moreno Serrano, “El deber de solicitar el concurso de acreedores durante el estado de alarma”, cit. .

[21] Cfr. Communication from the Commission to the European Parliament, the European Council, the Council, the European Central Bank, the European Investment Bank and the Eurogroup – Coordinated economic response to the COVID-19 Outbreak, de 13 de Março de 2020.

[22] Os obstáculos aos auxílios estatais têm em vista evitar que se mantenham no mercado, por esta via, empresas que de outro modo não se manteriam, atendendo a que se isso interfere com o processo espontâneo de saneamento da economia e de livre crescimento das empresas mais capazes. Sobre tais obstáculos, designadamente os contidos na Comunicação da Comissão – Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, de 31 de Julho de 2014, cfr. Catarina Serra, “Investimentos de capital de risco na reestruturação de empresas”, in: IV Congresso – Direito das Sociedades em Revista, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 337 e s.

[23] O financiamento intercalar vem definido no art. 2.º, n.º 1, 8), da Directiva sobre reestruturação e insolvência como “qualquer nova assistência financeira, disponibilizada por um credor já existente ou por um novo credor, que abranja, no mínimo, a assistência financeira prestada durante a suspensão das medidas de execução, e que seja razoável e seja imediatamente necessária para a continuação do funcionamento da empresa do devedor, ou para a sua preservação ou valorização”. Trata-se, portanto, do financiamento que é concedido à empresa no período de negociações com os credores e antes da adopção do plano de reestruturação.

[24] A suspensão pode ser geral, abrangendo todos os credores, ou limitada, abrangendo apenas alguns credores, a título individual, ou apenas algumas categorias de credores (cfr. art. 6.º n.º 3, da Directiva). O período inicial da suspensão tem a duração máxima de seis meses, embora seja possível a concessão de prorrogação ou de nova suspensão (cfr. art. 6.º, n.ºs 6 e 7, da Directiva).

[25] Cfr. Ordonnance sur la suspension des poursuites au sens de l’art. 62 de la loi fédérale sur la poursuite pour dettes et la faillite (art. 1.º).

[26] O período de vigência desta lei é de 19 de Março até 4 de Abril de 2020 (art. 2.º).

[27] O CERIL Statement apela aqui à recuperação, pelos Estados, da legislação produzida durante a Primeira Guerra Mundial, como, por exemplo, a “Betalingsuitstelwet”holandesa, de 1914.

[28] Cfr. Decreto-Legge 17 marzo 2020, n. 18, Misure di potenziamento del Servizio sanitario nazionale e di sostegno economico per famiglie, lavoratori e imprese connesse all’emergenza epidemiologica da COVID-19 (arts. 83.º and 91.º).

[29] Cfr. Stephan Madaus, “Covid-19 – Der Gesetzgeber muss das Insolvenzrecht anpassen”, cit.”.

[30] No Brasil há quem proponha a medida provisória da “recuperação judicial expressa” com uma função idêntica mas não precisamente delineado (https://www.migalhas.com.br/depeso/322442/coronavirus-por-que-nao-uma-recuperacao-judicial-expressa).

[31] O lay-off simplificado foi um dos primeiros institutos a ser regulado pela legislação portuguesa (através de uma portaria entretanto revogada). O regime em vigor nesta altura é o que resulta da Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de Março (rectificado pela Declaração de Retificação n.º 14/2020, de 28 de Março).

[32] Como é sabido, o lay-off está regulado, em geral, no Código do Trabalho (arts. 298.º a 308.º) e permite a suspensão temporária, total ou parcial (prestação em horário de trabalho reduzido) da prestação de trabalho em situações excepcionais, em particular em situações de crise empresarial. Cfr., por todos, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Lisboa, Verbo, 2014 (2.ª edição), pp. 706 e s. e, em especial, pp. 708 e s.

[33] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2019 (reimpressão), pp. 195-216.

[34] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, cit., pp. 385-397.

[35] Cfr. Catarina Serra, Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas – Análise (e) Crítica, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 94-98 e pp. 129-131.

[36] A expectativa é que esta suspensão dure até 30 de Setembro de 2020.

[37] Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias – Contratos de depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras”, cit., p. 71 (itálicos do A.).

[38] Para uma primeira interpretação cfr. M. Teixeira de Sousa / J. H. Delgado de Carvalho, “As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)”.

[39] Note-se que, em França, os tribunais receberam instruções do Ministro da Justiça para se absterem de dar início a processos de recuperação ou de insolvência. Na mensagem que enviou aos tribunais, o Ministro da Justiça explicava que a abertura destes processos não é, actualmente, uma prioridade e corre o risco de se tornar ineficaz, dado que os tribunais estão encerrados ou a funcionar com restrições. No caso dos processos em curso, a instrução é para que apenas sejam proferidas decisões sobre o plano de transmissão da empresa e quando este tenha impacto nos direitos dos trabalhadores. No que toca ao processo, confidencial e informal, de conciliação (procédure de conciliation), o Ministro da Justiça entende que os prazos não são compatíveis com a situação actual, uma vez que as negociações para o plano de restruturação devem estar concluídas no prazo de cinco meses. Em contrapartida, o processo, também confidencial e informal, do mandat ad hoc é susceptível de disponibilizar às empresas que não tiverem cessado a sua actividade o apoio de que necessitam. Comentando esta situação, Emmanuelle Inacio [“A closer look at: The impact of COVID-19 on (pre-)insolvency”, in: Eurofenix – The Journal of INSOL Europe, 2020, n.º 79, pp. 14-15] preconiza o recurso aos meios electrónicos pois é preciso continuar a permitir às empresas aceder aos instrumentos de recuperação.