Glória Teixeira

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Glória Teixeira (Doutoramento QMC/Universidade de Londres), Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade do Porto


O Direito, desde as suas origens, foi conformado pela ideia de justiça. Passando por Sócrates, Platão e Aristóteles, Rawls, Dworkin, Hart e Sandel, os juristas ao longo dos séculos têm vindo a ser orientados por estes valores e princípios doutrinais a que os estados civilizados aderem e incentivam.

Mais recentemente, um prémio nobel da economia (Robert Shiller) na sua obra ‘Animal Spirits’ veio demonstrar a importância das ciências humanas na economia (e.g. psicologia) e do elemento essencial ‘justiça’ nas decisões macroeconómicas.

Assim, temos este fator intangível ‘justiça’ elevado no século XXI a um expoente máximo também na área económica.

Não é, portanto, original para os juristas questionar se determinado ato ou decisão são justos mas este conceito entra agora noutras áreas do saber, permitindo aos políticos do século XXI tomarem decisões mais justas ou conformadas com a ideia de justiça.

Vemos a justiça em ação nas sentenças dos tribunais, especialmente nos tribunais de 1ª instância, e jurisprudência consolidada, adaptando as juízes e magistradas a Lei ao caso concreto, pesando as alternativas possíveis face aos factos e com apoio da ‘bússola’ essencial dos princípios e conceitos jurídicos (e.g. princípios da transparência, proporcionalidade, não discriminação, etc.).

Se no mundo jurídico estamos familiarizados com o objetivo da prossecução da justiça, passemos ao nível político e comecemos por colocar algumas questões:

  1. Será justo o sistema fiscal que atribui uma isenção geral fiscal em sede de IVA até determinado valor (no caso português, no ano 2021, 12.500 euros) e passar a tributar os contribuintes que ultrapassem este limiar de isenção a uma taxa máxima de 23%?

Somos unânimes em responder que este regime não é justo, desincentiva o investimento e promove a fraude.

A ideia de justiça fiscal exige uma graduação na aplicação do regime que pode ser atingida de vários modos, nomeadamente através do aumento da isenção e/ou aplicação de uma taxa intermédia aos micro e pequenos negócios que não caiam nesta isenção geral.

Neste contexto, é útil lembrar experiências muito recentes da aplicação, pela primeira vez, da inteligência artificial (ver ‘The AI Economist: Improving Equality and Productivity with AI – Driven Tax Policies’) na modulação das taxas sobre o rendimento, adequando-as aos contribuintes com menos rendimentos mas também não desencorajando o aumento de rendimentos por parte de outros contribuintes.

Conforme refere o editorial do The Economist de 16-22 de janeiro 2021, é de esperar que esta 2ª década do século XXI, não obstante ter início com uma pandemia e sofrimento, seja uma década de prosperidade e mais justiça devido aos avanços tecnológicos e da ciência. Refere este artigo (‘Innovation, the roaring 20s?’), que os desenvolvimentos tecnológicos e científicos da 1ª década deste século começam já a surtir os seus efeitos na nossa saúde (e.g. vacinas covid e novos tratamentos oncológicos) e nas nossas economias, com sistemas económicos mais justos e adaptados à nossa humanidade.

Passando à 2ª questão:

  • Será justo regular em excesso determinados setores da atividade económica, investindo recursos exagerados e nocivos, descurando a cobertura de outras áreas sociais carentes de regulação ou com regulação deficiente?

Os investidores queixam-se, com frequência, do excesso e morosidade dos procedimentos de regulação em Portugal e da excessiva carga tributária. Temos os impostos, pesados na atualidade, e a estes somam-se pesadas taxas ou contribuições (que são verdadeiros impostos também) sobre a atividade económica não nociva para o ambiente ou saúde pública.

Será justa esta dupla ou múltipla carga tributária?

Os políticos nacionais não tomam em consideração o quadro global da fiscalidade, assumindo posições parciais e, por consequência, pouco justas.

Ainda, e no contexto da regulação ou ausência dela, esta é um fator importante não só nas áreas económicas mas também na saúde e na informação. O direito a uma informação transparente e civilizada impõe direitos e obrigações ao nível da comunicação, proibindo-se, nomeadamente expressões baseadas no ódio, discriminação ou assédio. É justo e fundamental a liberdade de discurso mas este direito tem de ser exercido com responsabilidade e transparência. De facto, o conceito de justiça assim o exige para o normal funcionamento das nossas democracias que devem respeitar as maiorias e minorias, o normal e o desviante, a saúde mas também a deficiência.

Por último, é legítimo questionarmos sobre a justiça de determinados expedientes fiscais que os políticos portugueses têm lançado mão nos últimos tempos tais como os pagamentos especiais por conta, derramas, sobretaxas, adicionamentos (apelidados incorretamente de adicionais) e contribuições extraordinárias sobre determinados setores da economia. Pelo seu caráter discriminatório e violadores do princípio da proporcionalidade são profundamente injustos, devendo ser eliminados e substituídos por medidas fiscais justas e conformes os princípios nacionais e internacionais.

Por exemplo, tem-se esquecido o legislador português do princípio da equivalência, introduzido no artº 2º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que impõe a oneração dos contribuintes na medida dos custos que estes provocam no domínio do ambiente e da saúde pública.

Não seria de maior justiça fiscal tributar multinacionais ou operadores económicos do setor dos pesticidas, fertilizantes, inseticidas não orgânicos, detergentes ou outros produtos altamente poluentes (e.g. pilhas, pastilhas elásticas, restos de cigarros, etc.) com um imposto especial sobre estes produtos nocivos para a saúde ou ambiente?

A experiência comparada (e.g. Dinamarca) demonstra que estes impostos não são repercutidos sobre os consumidores e, portanto, não encarecem o preço final do produto, já de si elevado, e geram um volume considerável de receitas.

O princípio constitucional da igualdade, tão utilizado no contexto português, é de aplicação teórica e sem tradução prática, servindo apenas para de um modo desproporcional tributar trabalhadores dependentes, pensionistas e empresas com maiores rendimentos ou em determinados setores ‘não nocivos’, desencorajando o investimento, a iniciativa individual e o aumento de rendimentos ao nível dos contribuintes singulares.

Até breve!