Ana Sirage Coimbra

Mestre em Direito Judiciário e em Administração Pública pela Universidade do Minho.
Jurista em funções públicas desde 2001.
Investigadora no Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) da Escola de Direito da Universidade do Minho.
Formadora nas áreas do Direito das Contraordenações, Direito Administrativo e/ou Procedimento Administrativo e Legislação da Proteção de Dados Pessoais.


Consulte a sua obra neste link.


O Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro (denominado Simplex Ambiental[1]), iniciou a reforma do licenciamento ambiental. Conforme referido no preâmbulo do mencionado diploma, “[…] não é apenas a simplificação administrativa que está em causa. Num contexto de crise energética, de seca e de luta contra as alterações climáticas, é necessário acelerar a concretização das transformações que é preciso realizar. A transição energética, a promoção da economia circular, o melhor aproveitamento da água e a descarbonização da economia implicam medidas que facilitem e promovam essas transformações, para as quais o presente decreto-lei contribui”. O mesmo prefácio anunciava ainda a futura adoção de “novas iniciativas legislativas com o mesmo propósito de simplificação e redução dos encargos administrativos para as empresas também noutras áreas, incluindo, em especial, o urbanismo[2], ordenamento do território, indústria, comércio e serviços e agricultura”.

No âmbito desta reforma ampliada, o Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de março, entrou em vigor em 27 de março[3], e procede à alteração do Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR) e do Regime Jurídico de Deposição de Resíduos em Aterro, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, bem como à alteração do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, que unificou o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sujeitos ao princípio da responsabilidade alargada do produtor (o Regime Unificado de Fluxos Específicos). No proémio do Decreto-Lei n.º 24/2024 pode ler-se: […] Quanto ao RGGR, e apesar das recentes alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro, que procedeu à reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais e que alterou, entre outros, o RGGR, torna-se necessário rever este regime jurídico, por forma a completar a transposição da Diretiva (UE) 2018/851 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, que altera a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos, a Diretiva Quadro dos Resíduos. Ademais, tendo presente a recente publicação de uma nova geração de Planos Estratégicos para o setor dos resíduos (Plano Nacional de Gestão de Resíduos, Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos e Plano Estratégico para os Resíduos Não Urbanos), torna-se necessário efetuar atualizações ao RGGR, de modo a garantir a compatibilização das normas de gestão de resíduos com os objetivos e medidas preconizadas naqueles documentos].

Ainda que a introdução do Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de março, não o refira expressamente, nas alterações efetuadas destacamos a inserção de novos tipos contraordenacionais no artigo 117.º do RGGR (Contraordenações ambientais), e nos artigos 90.º (Contraordenações ambientais) e 91.º (Contraordenações económicas), do Regime Unificado de Fluxos Específicos. A diferenciação na qualificação das contraordenações (ambientais ou económicas), determina a aplicação de dois regimes jurídicos distintos no processamento contraordenacional dos ilícitos verificados. Se estivermos perante uma contraordenação ambiental, rege a Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais [em que o n.º 2 do artigo 1.º enuncia o conceito de contraordenação ambiental, na mesma linha do que sucede com o artigo 1.º do Regime Geral das Contraordenações, para a noção de contraordenação em geral. No caso da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, a tipicidade implica a infração de normas relativas ao ambiente)[4], enquanto que para as contraordenações económicas vigora o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas. O n.º 2 do artigo 1.º deste diploma define o conceito de contraordenação económica[5], também em termos análogos ao estabelecido no artigo 1.º do Regime Geral das Contraordenações para a noção de contraordenação. A única particularidade prende-se com a associação da tipicidade à infração de normas relativas ao acesso e exercício de atividades económicas.

Considerando o notado alargamento do conjunto de contraordenações ambientais, nas alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de março, ao Regime Geral de Gestão de Resíduos (num total de quarenta e oito), e ao Regime Unificado de Fluxos Específicos (num total de trinta e seis)[6], parece-nos evidente o propósito do legislador em contribuir para garantir a minimização dos danos ambientais (potenciais ou futuros), através da aplicação de sanções contraordenacionais. A obrigação do cumprimento do dever omitido prevista no artigo 24.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais materializa claramente essa preocupação, quando determina que o pagamento da coima não dispensa o infrator da reposição da legalidade, sempre que ainda for possível.


[1] Em análise às principais alterações introduzidas pelo diploma, ver COIMBRA, Ana Sirage. Simplex Ambiental Abreviado − Notas ao Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro Coimbra: Edições Almedina, S.A, 2023.

[2] A título de exemplo, o pacote legislativo denominado Simplex Urbanístico, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, incluindo, entre outras, alterações legislativas a regimes jurídicos em matéria de ordenamento do território (respetivamente, à Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e do Urbanismo e ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial).

[3] Com a ressalva estabelecida no artigo 20.º Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de março, quanto à data de produção de efeitos em determinados casos, a saber:

1 – O disposto no artigo 11.º do Regime Geral de Gestão de Resíduos, aprovado pelo anexo I ao Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, com a redação dada pelo presente decreto-lei, produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2025.

2 – O disposto no n.º 6 do artigo 19.º, no n.º 2 do artigo 22.º e na alínea a) do n.º 5 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, com a redação dada pelo presente decreto-lei, produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2025.

[4] Sobre o regime jurídico das contraordenações ambientais, ver COIMBRA, Ana Sirage. Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais – Anotada e Comentada, Coimbra: Edições Almedina, S.A, 2022.

[5] Ver COIMBRA, Ana Sirage. Regime Jurídico das Contraordenações Económicas Anotado, Coimbra: Edições Almedina, S.A, 2021.

[6] Sendo que ao grupo das contraordenações económicas abrangidas pelo artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, na sua redação atual, apenas foram acrescentadas três.