
João Pedro Freire
Jurista
Licenciado em Direito e Mestre em Direito da Empresa pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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Em Portugal, os consumidores que procurem resolver litígios podem, sem prejuízo da via judicial, recorrer aos meios de Resolução Alternativa de Litígios de Consumo. Entre estes, os centros de arbitragem de conflitos de consumo são um meio particularmente célere e económico para a resolução extrajudicial de conflitos com uma rede que abrange o país inteiro.
A título de exemplo, verifica-se que em 2024, deram entrada no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa (CACCL) 1984 reclamações; 2008 processos foram arquivados, dos quais 1912 foram resolvidos, e com uma duração média de 57 dias1. Por sua vez, no Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (CICAP) foram apresentadas 1780 reclamações; 1411 processos foram arquivados e com uma duração média de 49 dias2. Finalmente, no Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo (CNIACC) deram entrada 1217 reclamações; 1174 processos foram arquivados, dos quais 979 foram resolvidos, e com uma duração média de 47 dias3. Destes centros de arbitragem, à data da redação do presente artigo, o CACCL cobra uma taxa que pode chegar aos 50€4, o CICAP cobra uma taxa que pode chegar aos 100€5 e o CNIACC não cobra pela prestação dos seus serviços6.
Nos centros de arbitragem de conflitos de consumo, os consumidores podem apresentar a sua reclamação contra uma ou mais empresas obtendo a final, se a tal chegar, uma sentença. Isto é particularmente facilitado se tivermos em consideração que, na esmagadora maioria dos casos, não existe obrigatoriedade de constituição de advogado (artigo 40º, nº 1 do CPC), em função do valor tendencialmente mais reduzido das reclamações7, sendo que alguns centros de arbitragem têm como limite de competência em função do valor 5000€. Sem prejuízo disto, podem fazer-se representar ou solicitar assistência de terceiros, nomeadamente de associações de consumidores (artigo 10º, nº 2 da Lei nº 144/2015, de 08 de setembro e artigo 14º dos Regulamentos dos Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo).
Mais, nos termos do artigo 14º, nº 2 e 3 da Lei da Defesa do Consumidor, os consumidores podem, por declaração unilateral potestativa, decidir remeter os conflitos de consumo de reduzido valor económico para a arbitragem, considerando-se conflitos de consumo de reduzido valor económico aqueles cujo valor não exceda a alçada dos tribunais de primeira instância (artigo 44º, nº 1 da LOSJ). No âmbito dos serviços públicos essenciais, para os utentes pessoas singulares não existe limite em função do valor para recurso à arbitragem necessária (artigo 15º, nº 1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais), sem prejuízo da competência em função do valor fixada pelos próprios Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo.
De resto, as empresas podem aderir (plena ou parcialmente) aos centros de arbitragem e nesse caso facilitar mais o recurso dos consumidores aos centros de arbitragem de conflitos de consumo, ao declararem aceitar que todos ou alguns processos (por exemplo, em função do valor) sejam julgados no centro de arbitragem a que aderirem.
Por tudo isto se vê que existem vários mecanismos para incentivar o recurso aos centros de arbitragem como meio de resolução de conflitos de consumo, com custos reduzidos e celeridade associados. No âmbito do processo, podem as partes chegar a acordo em sede de conciliação e mediação, ou no julgamento arbitral e, se tal não acontecer, o litígio é resolvido via sentença arbitral.
No entanto, apesar do suprarreferido, é necessário ter presente que a sentença arbitral de condenação, caso não seja cumprida pela parte vencida, terá de ser executada. Considerando o valor tendencialmente mais reduzido das reclamações e mesmo com a celeridade do processo arbitral, o consumidor terá no limite de executar a parte vencida recorrendo aos tribunais judiciais para o efeito. E se no processo arbitral podia eventualmente contar com a representação e assistência de terceiros, nomeadamente de uma associação de consumidores, tal não acontece na ação executiva. Na ação executiva, os consumidores/exequentes ou intentam a ação sozinhos com os constrangimentos que isso implica (como a falta de informação técnica, que muitos consumidores naturalmente não têm, e o dispêndio de tempo e trabalho) ou fazem-se representar por advogado, com os custos de patrocínio (sem prejuízo de eventual recurso ao apoio judiciário) e com as custas processuais inerentes.
Ora fazendo uma pesquisa pela jurisprudência dos centros de arbitragem de conflitos de consumo verifica-se que os valores em causa podem ser bastante reduzidos (às vezes na ordem das dezenas de euros), sendo que apesar desse valor reduzido, para os consumidores com menos rendimentos, esse valor pode ser necessário para fazer face às suas despesas correntes.
Assim verifica-se que, se por um lado na fase declarativa existem meios para o consumidor fazer valer os seus direitos, mesmo que tenham valor monetário reduzido (centros de arbitragem especializados tendencialmente gratuitos e eventual apoio de associações de consumidores na defesa dos seus direitos), por outro, se o consumidor vir a sua acção de condenação ser julgada procedente, obtendo a respetiva sentença arbitral e a empresa não a cumprir voluntariamente terá o consumidor de intentar acção de execução, sendo que face à falta de apoio nesta fase tal pode desencorajar o consumidor a prosseguir com o processo.
Não se pondo em causa que muitas empresas cumprem e cumprirão com a sentença arbitral, temos aqui um dilema perante o qual os consumidores e as próprias empresas terão de fazer um juízo sobre a viabilidade ou não do caminho que vão percorrer; sendo que diversas empresas e consumidores têm diversas realidades económico-financeiras, que afectam a ponderação dos elementos supra referidos e abaixo elencados.
Do lado do consumidor, e tendo informação para isso, tem de analisar se compensa o tempo, trabalho e dinheiro despendido na prossecução do seu objectivo de fazer valer o seu direito, nos termos acima referidos, tendo de cogitar o cenário da sua reclamação ser julgada improcedente; ser julgada procedente ou parcialmente procedente e a empresa cumprir a sentença; ou ser julgada procedente ou parcialmente procedente e a empresa não cumprir a sentença. Terá também de considerar a possibilidade de reconvenção por parte da empresa (sem prejuízo da divergência doutrinal e jurisprudencial sobre a admissibilidade de pedido reconvencional em arbitragem necessária).
Do lado da empresa, e tendo informação para isso, tem de analisar se o valor em causa e se o tipo de acção em causa compensa as despesas inerentes ao processo, ou se, pelo contrário, é mais benéfico para a empresa reconhecer a pretensão do consumidor; tem de avaliar a disponibilidade do consumidor, ou dos consumidores em geral, para percorrer o caminho acima referido e tem de avaliar também os danos reputacionais para a empresa resultantes de tais litígios e da forma como os resolve.
1 Cf. Relatório de Atividades de 2024 do CACCL, disponível em: Microsoft Word – CACCL – Relatorio Atividades 2024
2 Cf. Relatório de Atividades de 2024 do CICAP, disponível em: 1-72.pdf
3 Cf. Relatório de Atividades de 2024 do CNIACC, disponível em: Documentos previsionais e retrospetivos e protocolos – CNIACC – CENTRO NACIONAL DE INFORMAÇÃO E ARBITRAGEM DE CONFLITOS DE CONSUMO – CNIACC – Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo
4 Cf. Regulamento da taxa de utilização dos serviços de mediação e arbitragem do CACCL, disponível em: Regulamento TUS
5 Cf. Regulamento e tabela de taxas de arbitragem anexo ao Regulamento do CICAP, disponível em: Regulamento-CICAP-2025.pdf
6 Cf. artigo 16º do Regulamento do CNIACC, disponível em: regulamento-cniacc-2019.pdf
7 A título de exemplo, entre 2018 e 2024, o valor médio dos processos remetidos ao CICAP cifrou-se entre 591,67€ e 1947,48€ e o do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo de Braga (CIAB) variou entre 583,77€ e 942,99€. Cf. Relatório de Atividades de 2024 do CICAP, disponível em: 1-72.pdf e Relatório de Atividades de 2024 do CIAB, disponível em: Microsoft Word – RA 2015 15022016. Não se encontrou valores de medianas.
