Edgar Valles

Advogado e autor de vasta obra jurídica.


A 4.ª Edição de Nacionalidade e Estrangeiros é a mais recente obra do Autor, publicada pelo Grupo Almedina, e disponibilizada no mercado a partir de 4 Abril de 2024.

Consulte a obra neste link.


O dia 1 de abril é conhecido como sendo o dia das mentiras. Mas a notícia da entrada em vigor, neste dia, da Lei Orgânica nº 1/2024, de 5 de março, é verdadeira.

O diploma introduziu as seguintes alterações relevantes em matéria de nacionalidade:

a) Aquisição da nacionalidade por descendentes de judeus sefarditas:
para além da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, torna-se obrigatório comprovar a residência em Portugal, por um período mínimo de 3 anos seguidos ou interpolados.

Em relação aos pedidos apresentados até à data em que a lei entrar em vigora da lei, o Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, aos descendentes de judeus sefarditas, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, bem como: – da titularidade, transmitida mortis causa, de direitos reais sobre imóveis sitos em Portugal, de outros direitos pessoais de gozo ou de participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas sediadas em Portugal; ou – da realização de deslocações regulares ao longo da vida do requerente a Portugal que atestem uma ligação efetiva e duradoura a Portugal; ou – a titularidade de autorização de residência há mais de um ano;

b) Aquisição de nacionalidade portuguesa por netos de portugueses:
entre outros requisitos, exige-se não apenas o não envolvimento em atividades relacionadas com o terrorismo como também em atividades relacionadas com criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada;

c) Aquisição de nacionalidade por naturalização, por meio da residência em Portugal:
a aquisição está igualmente condicionada ao o não envolvimento em atividades relacionadas com criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada, e não apenas do não envolvimento em atividades relacionadas com o terrorismo;

d)Oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade:
o envolvimento em atividades relacionadas com criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada acresce ao envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo constitui fundamento para a oposição da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade. A oposição passa a poder ser deduzida no prazo de 1 ano a contar da data do registo da aquisição da nacionalidade, em vez da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade;

e) Suspensão de procedimentos:
é aditado um nº 2 ao artigo 13º que tem por objeto a suspensão de procedimentos, pelo qual se suspende igualmente o procedimento de aquisição de nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, por adoção ou por naturalização, enquanto o interessado for destinatário de medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia;

f) Estabelecimento de filiação na maioridade quando a filiação for estabelecida na maioridade, pode ser atribuída a nacionalidade originária, mas apenas quando o estabelecimento da filiação ocorra na sequência de processo judicial ou quando seja objeto de reconhecimento em ação judicial, após o trânsito em julgado da sentença. Neste caso, a atribuição da nacionalidade apenas pode ser requerida no prazo de três anos a contar do trânsito em julgado da decisão;

 g) Contagem dos prazos de residência legal para a aquisição de nacionalidade, por via da residência em Portugal, passa a considerar-se residência legal, não apenas o período de validade dos títulos de residência, mas também o tempo decorrido desde o momento em que foi requerido o título de residência temporária, desde que o mesmo venha a ser deferido

Esperava-se uma rápida promulgação do diploma, aprovado em 5 de janeiro última na Assembleia da República. Porém, uma petição com cerca de 5 mil subscritores, pediu ao Presidente da República que o vetasse, invocando que o diploma iria restringir o acesso dos descendentes de judeus sefarditas portugueses à nacionalidade portuguesa, com medidas que consideram retroativas e que, inclusivamente, iriam pôr em risco vidas humanas (reféns de Gaza). A norma “não poderá implicar uma retroatividade legislativa e defraudar centenas de requerentes da nacionalidade portuguesa que veem as regras serem mudadas a meio do jogo, sem que sejam salvaguardados os seus direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, referiram os promotores da carta.

   O Presidente optou pelo pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade, com a invocação de que a “a alteração da lei da nacionalidade, com efeitos aplicáveis a processos ainda em curso, pode agravar a situação de reféns israelitas em Gaza que têm pendentes pedidos de concessão de nacionalidade portuguesa”.

    O acórdão do Tribunal Constitucional, aprovado por maioria, considerou que o diploma não estava ferido de inconstitucionalidade. Aí se lê esta referência interessante:

“…não pode, deste modo, considerar-se inusitada a atuação do legislador no sentido de exigir uma vinculação mais forte a Portugal, ainda para mais, como se viu, num domínio em que o legislador nacional está internacionalmente vinculado pelo princípio da efetividade, e, ademais, num regime especial em relação ao qual o Estado optou pelo figurino clássico ou tradicional do instituto da concessão da nacionalidade (portuguesa), reservando para o Governo um poder efetivo de concessão ou não da nacionalidade portuguesa”.

   É previsível , pois, que a vitória da Aliança Democrática nas eleições de 10 de março e a subsequente constituição do Governo de Luís Montenegro tragam, a médio prazo, mais alterações na legislação sobre nacionalidade, já que esta está fortemente condicionada pelas opções políticas de cada Governo.