Ana Rita Magalhães

Técnica Superior (jurista) na Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, no Departamento Jurídico e de Auditoria.

Formadora de Regulamentação Laboral e da Atividade, no âmbito da Formação CAM dirigida a motoristas de transporte pesado de mercadorias e de passageiros.


Créditos Laborais no Processo de Insolvência é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponível no mercado desde 20 de Outubro de 2022.

Consulte a obra neste link.


Atualmente, a maioria dos processos de insolvência que correm os seus termos nos tribunais portugueses padecem, desde logo, de uma adversidade: a sua instauração tardia. Esta realidade poderá trazer consequências nefastas à satisfação da generalidade dos créditos, destacando-se aqui os créditos laborais, titulados por um grupo de credores frágil. Como tal, são créditos que carecem de especial atenção e sensibilidade do legislador.

De facto, a preocupação que o crédito laboral acarreta, nesta matéria, para o legislador português é notória, uma vez que foram sendo desenvolvidas inúmeras soluções legislativas de salvaguarda daquele tipo de crédito, as quais passaremos a abordar.

Ora, a declaração de insolvência de uma empresa, e consoante seja o seu destino (manutenção, encerramento ou transmissão), tem um forte impacto nos contratos de trabalho.

Assim, no caso de manutenção da empresa, poderá haver lugar à cessação de contratos de trabalho de trabalhadores que não sejam indispensáveis ao funcionamento da empresa, nos termos do artigo 347º, número 2 do Código do Trabalho, ou à contratação, a termo certo ou incerto, de novos trabalhadores com vista à exploração daquela, à luz do artigo 55º, número 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

No caso de encerramento definitivo da empresa, os contratos de trabalho caducam por impossibilidade objetiva do cumprimento, nos termos do artigo 790º, número 1 do Código Civil, devendo seguir-se a tramitação do despedimento coletivo, embora com as necessárias adaptações, nos termos do artigo 347º, número 3º do Código do Trabalho.

Já no caso de transmissão da empresa, o contrato de trabalho acompanha a transmissão com todos os direitos adquiridos, nos termos do artigo 285º, números 1 e 3 do Código do Trabalho.

Ora, a cessação dos contratos de trabalho, neste âmbito, implica o pagamento de determinados direitos aos trabalhadores, passando estes a ser credores de três tipos de créditos: remuneratórios, indemnizatórios e compensatórios.

Ademais, os trabalhadores poderão ainda assumir a posição de credores da insolvência e/ou credores da massa insolvente, com importantes repercussões na satisfação dos seus créditos.

Acontece que, frequentemente, o património das empresas se revela insuficiente para fazer face a todas as suas dívidas, o que significa que caso se considerassem os créditos laborais como créditos comuns muito dificilmente seriam pagos.

Nesta senda, o legislador vem, desde logo, no artigo 333º do Código do Trabalho, instituir que os créditos laborais gozam de um privilégio mobiliário geral e de um privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade. No entanto, a avaliação destes privilégios creditórios deve ser realizada com cautela, pois estão também aqui em causa os direitos dos demais credores.

Além disso, foi ainda criado o Fundo de Garantia Salarial, cujo regime se encontra consagrado no Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, o qual assegura os créditos remuneratórios, indemnizatórios e compensatórios vencidos nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência (artigo 2º, número 4 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril), sendo para tanto necessário que seja proferida sentença de declaração de insolvência e que o requerimento de pagamento dos créditos seja dirigido ao Fundo até um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

A propósito do artigo 2º, número 4 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, e articulando-o com o previsto nos artigos 3º e 4º da Diretiva 2008/94/CE, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, somos da opinião segundo a qual a primeira norma deveria conceber um período mínimo de garantia correspondente aos últimos três meses da relação de trabalho, ainda que esses três meses não se insiram no período de referência dos seis meses[1]. Baseamos o nosso entendimento no seguinte exemplo: o empregador não paga os salários a determinado trabalhador, sendo que este decide resolver o contrato de trabalho, intentando a competente ação no tribunal de trabalho para obter o pagamento dos seus créditos. Obtida a sentença de condenação do empregador ao pagamento dos respetivos direitos do trabalhador, este intenta ação executiva. Ora, perante esta e outras circunstâncias, o empregador decide então requerer a insolvência. Eventualmente, pode acontecer que o lapso temporal decorrido entre a instauração da ação pelo trabalhador e a instauração da ação de insolvência pelo empregador seja superior a seis meses, fazendo com que, nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, não tenham vencido créditos e, consequentemente, nada seja devido pelo Fundo de Garantia Salarial, o que configura um atentado à natureza de direitos, liberdades e garantias conferida ao direito à retribuição, bem como ao princípio da igualdade de tratamento, ambos constitucionalmente previstos.

Ainda quanto às soluções legislativas destinadas à tutela dos créditos no processo de insolvência, é importante analisar o Fundo de Garantia de Compensação de Trabalho, o Fundo de Compensação de Trabalho e o Mecanismo Equivalente. São fundos cujo objetivo é assegurar o direito dos trabalhadores ao recebimento efetivo de metade do valor da compensação devida por cessação do contrato de trabalho, calculada nos termos do artigo 366º do Código do Trabalho.

Ainda podemos apontar uma outra solução legislativa nesta matéria: o direito de alimentos do trabalhador à custa da massa insolvente, consagrado no artigo 84º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Finalmente, propomos uma solução viável à recuperação e rentabilização dos créditos dos trabalhadores num processo de insolvência: o saneamento por transmissão, previsto no artigo 199º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, através da aquisição, pelos quadros da insolvente, do estabelecimento da empresa insolvente, o qual engloba ativos e os negócios em atividade. Isto é, os quadros da insolvente podem constituir uma nova sociedade destinada à exploração de um ou mais estabelecimentos adquiridos à massa insolvente, mediante uma contrapartida.

A reflexão sobre esta e as restantes soluções legislativas encontra-se desenvolvida na nossa obra “Créditos Laborais no Processo de Insolvência”, a qual resultou de um longo processo de investigação no âmbito da tese de mestrado, e que será publicada e disponibilizada no mercado pela Almedina.


[1] Por oposição ao acórdão do Tribunal Constitucional número 152/2020, relatado pela Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros.