Fernanda Paula Oliveira
Professora associada da Faculdade de Direito de Coimbra, onde leciona as disciplinas de Direito do Ordenamento e do Urbanismo e Direito Administrativo.
Ordenamento do Território e Urbanismo face aos Desafios Ambientais e Energéticos – Atas do Encontro Anual da Ad Urbem 2021 é a mais recente obra de sua autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado a 10 de Novembro de 2022.
1. Notas introdutórias
A mudança de paradigma no sector energético, que tem sido induzida por políticas de transição energética (isto é, por políticas orientadas para o abandono de combustíveis fósseis e para a utilização de energias renováveis), tem levado ao surgimento de um grande número de projetos destinados à produção e distribuição deste tipo de energias.
A concretização de tais projetos – que têm uma forte dimensão física -, deve ocorrer no território, sobre o qual tais projetos têm, frequentemente, um significativo impacto. Pense-se, a título de exemplo, na instalação de centrais solares fotovoltaicas, algumas com uma dimensão assinalável.
Ora, não são poucas as questões que a concretização destes projetos tem suscitado na prática, desde logo, a possibilidade (ou não) da sua instalação (e em caso positivo, em que condições) em municípios cujos instrumentos de planeamento, dada a data em que foram elaborados, não preveem este tipo de atividade/instalações. É certo que é precisamente para fazer face à evolução das condições económicas, culturais e sociais que a lei prevê os procedimentos de dinâmica dos planos (designadamente o procedimento de alteração) de modo que estes passem a enquadrar (e a regular) este tipo de instalações no território. E não restam dúvidas de que os procedimentos de planeamento, enquanto procedimentos de ponderação de interesses, são os mais adequados para, de forma integrada, fundamentada e sustentável, se fazerem as melhores opções quanto à localização destas atividades e á sua articulação com os restantes usos que também aí podem ocorrer[1]. Porém, o desencadeamento e conclusão destes procedimentos nem sempre tem a celeridade pretendida (e mesmo as soluções destinadas a antecipar a sua execução, como adoção de normas provisórias, novamente admitidas entre nós a partir de 2015, não é adequada à necessidade e urgência de concretizar este tipo de investimentos).
Tem-se, assim, perguntado até que ponto o facto de o plano em vigor (em regra um plano diretor municipal) não ter previsto expressamente, dada a data em que foi elaborado, este tipo de ocupação territorial impede a sua concretização, tendo em consideração que na maior parte das vezes, dada a extensão territorial exigida, as propostas de localização destes projetos surgem em espaço rural, frequentemente na categoria de espaços agrícolas.
E caso se venha a concluir que a sua não previsão expressa não significa a sua proibição, a questão que de seguida se coloca é a de saber que condições podem municípios impor para que tal atividade possa ser levada a cabo[2]. Esta questão está relacionada com uma outra, agora no âmbito da gestão urbanística em sentido estrito: a de saber se a instalação de uma central solar fotovoltaica é (deve ser) considerada como uma operação urbanística e, em caso afirmativo, qual.
Estas são duas questões que nos têm sido colocadas frequentemente; o objetivo deste texto é de apresentar aquelas que consideramos as respostas mais adequadas. De modo a orientar o leitor, seguiremos aqui o seguinte roteiro: iniciaremos afirmando que a instalação de uma central solar fotovoltaica corresponde, efetivamente, a uma operação urbanística, procurando identificar qual, de entre as definidas no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE)[3], é a mais adequada às suas características especificas, para nos debruçarmos, num segundo momento, sobre a forma como a mesma pode ser avaliada e decidida em face de um plano que não a admite de forma expressa[4].
2. Caraterização da operação de instalação de uma central fotovoltaica
Como referimos, uma das questões que de imediato se coloca em relação à concretização de centrais solares fotovoltaicas é a de saber se a mesma pode ser qualificada como uma operação urbanística, o que, a obter resposta positiva, significa estar a mesma sujeita aos procedimentos de controlo administrativo da responsabilidade dos municípios prevista e regulada no RJUE.
Quanto a nós, na ausência de legislação especifica que qualifique em geral o tipo intervenção que representa a instalação de centrais solares fotovoltaicas, não temos dúvidas em afirmar que as mesmas integram o conceito de operação urbanística constante daquele regime, por se tratar de um uso do solo que não se destina a fins agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água [artigo 2.º, alínea h) do RJUE].
É certo que as definições constantes do artigo 2.º do RJUE valem apenas, diretamente, para a determinação do âmbito de aplicação deste diploma e não para, em primeira linha, suprir lacunas de outros. No entanto, a ausência de referentes normativos em diplomas temáticos pode motivar o recurso indiciário às definições constantes no artigo 2.º do RJUE, desde que estas definições se alinhem com a teleologia ou finalidade subjacentes a tais diplomas.
Pelo que é relevante indagar qual o enquadramento que deve ser dado às unidades/centrais solares fotovoltaicas no 2.º do RJUE, de modo a aferir, desde logo, se se enquadram no conceito, bastante amplo, de obras de edificação. Estas integram “a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência” [cfr. alínea a) do artigo 2.º do RJUE].
Não sendo, a situação que aqui estamos a tratar – centrais solares fotovoltaicas -, incontestavelmente, um imóvel destinado a utilização humana (ou seja, em termos simplistas, um edifício), poderia perguntar-se se não estamos aqui perante uma situação de incorporação no solo com caráter de permanência, já que, como temos vindo a defender, esta exigência deve ser entendida de forma adequada, sendo bastante, para que este critério se mostre cumprido, que a construção, ainda que amovível, se implante no solo de forma estável e que a sua “deslocação” ou “desmontagem” do solos em que se implantou o comprometa, de tal forma que a sua instalação e a reposição na situação anterior venha a carecer de intervenções de grande monta (movimentos de terras, infraestruturação, etc.) [5].
Em face deste entendimento – que julgamos ser o mais adequado da noção de edificação -, é questionável que as estruturas a que nos estamos a referir sejam verdadeiras edificações, uma vez que não é nítido que estas se implantem no solo com caráter de estabilidade, colocando em causa a posterior utilização deste para outras finalidades.
Aliás, da caraterização técnica destas centrais solares fotovoltaicas resulta que as mesmas podem ser deslocadas finda a sua utilização; sendo deslocadas, o espaço anteriormente ocupado passará a estar disponível e descomprometido para qualquer outra função assinalada para a categoria de espaços em que se insere.[6]
Cumpre, portanto, aferir, para além de uma eventual qualificação como edificação – o que nos parece desadequado em face das caraterísticas das estruturas em debate, ainda que, admitamos, seja a solução que parece mais imediata[7] -, se não haverá outra tipologia de operação urbanística que melhor assente nas caraterísticas próprias destas instalações.
Em resposta a esta questão, parece-nos que o conceito constante do RJUE mais adequado às características deste tipo de intervenção e, portanto, à sua qualificação, não é a noção ampla de edificação, mas a noção, mais estrita, de obras de urbanização, por se tratar de obras de criação e remodelação de infraestruturas com manifesta proximidade com as outras infraestruturas referidas exemplificativamente na alínea h) do artigo 2.º do RJUE, tais como as redes de eletricidade e gás.
É aliás, alinhado com esta nossa posição, que quer o Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio de 2009 quer o Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro (ambos diplomas que definem os conceitos técnicos a utilizar nos instrumentos de gestão territorial), qualificam os sistemas gerais de produção e distribuição de energia e de telecomunicações fixas e móveis (como é claramente o caso) no conceito de infraestruturas territoriais (definidas por este diploma como sendo “os sistemas técnicos gerais de suporte ao funcionamento do território no seu todo, de âmbito internacional, nacional, regional, municipal e interurbano”).
Em face desta possível qualificação, que se nos afigura, perante os interesses públicos em presença, mais adequada do que a de obras de edificação, pensamos que as unidades/centrais solares fotovoltaicas devem ser consideradas, do ponto de vista urbanístico, como infraestruturas, ainda que de titularidade e gestão privadas (como o são hoje, inclusive, muitas das tradicionais infraestruturas).
E não se diga que esta qualificação é irrelevante. Não o é nem o poderia ser, uma vez que as disposições aplicáveis a edificações e as aplicáveis a outras operações urbanísticas podem não corresponder e, na maioria dos casos não correspondem, dadas as diferentes funcionalidades. Com efeito, usualmente o legislador e os instrumentos de planeamento regulam de forma mais apertada e estrita as edificações, uma vez que estas têm um caráter mais perene na sua implantação ao solo, para além de poderem ter uma utilização mais flexível (podendo a sua utilização ser alterada e ajustada a novas funções). Já as infraestruturas, sobretudo as privadas, de que agora tratamos, têm uma função menos estável, com um tempo de vida definido à partida e sem possibilidade de serem refuncionalizadas para novas utilizações.
Assim, grande parte das regras definidas em planos municipais – como área de construção, índice de utilização, altura das edificações, altura da fachada, etc. – não se aplicam a estas infraestruturas, o que é particularmente visível nos planos mais antigos ou, pelo menos, anteriores à relevância (e frequência) destas atividades.
Refira-se que esta qualificação está em consonância com o Decreto-lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, que trata e denomina sempre, ao longo do seu texto, os centros electroprodutores de energias renováveis como infraestruturas.
De igual modo, encontram-se, na jurisprudência, várias decisões em que centrais solares fotovoltaicas foram enquadradas na categoria de obras de urbanização, na modalidade de criação de infraestruturas territoriais.[8]–[9]
É, assim, deste princípio – isto é, de que em causa estão infraestruturas territoriais mais alinhadas com o conceito de obras de urbanização do que com o conceito de obras de edificação – que consideramos adequado partir-se quer quanto os instrumentos de planeamento as regulam expressamente, definindo regras e parâmetros para a sua concretização, quer quando temos de interpretar as normas dos instrumentos de planeamento que expressamente os não contemplam mas que, como veremos de seguida, não significa que os não admitam[10].
3. Da admissibilidade de instalação de centrais solares fotovoltaicas em planos que expressamente as não contemplam
Em face da ausência de regulamentação deste tipo de intervenções nos instrumentos de planeamento em vigor, várias têm sido as posições que vimos serem defendidas. Não podemos deixar de afirmar, logo à partida, que nos parece simplista tanto a posição que defende que, não estando a atividade em causa referida, a mesma é permitida (o que valeria quer para esta atividade quer para todas as restantes não expressamente referidas nos planos) quer a posição, de sentido oposto, que defende que a atividade em causa, por não estar expressamente referida, é proibida.
Este tipo de argumentação deve mesmo ser afastada nas situações em que o plano identifica simultaneamente quer as ocupações e utilizações interditas quer as atividades e ocupações permitidas já que, como facilmente se constata, existe um número elevado de atividades que não estão numa nem noutra destas situações, o que colocará naturalmente, em relação a essas atividades, o problema de determinar da sua admissibilidade ou não.
Nos casos de ausência de menção, nos planos, a este tipo de atividades, consideramos que a solução há de passar pela interpretação das normas do plano, não podendo tal interpretação deixar de ser feita a partir do respetivo elemento literal (que é o ponto de partida de qualquer interpretação), mas sem deixar de atender aos restantes elementos da interpretação jurídica, designadamente, o elemento histórico (em particular o facto de, à data da elaboração do plano estas estruturas não existirem, o que exige um esforço de interpretação atualista) e o elemento sistemático (isto é, a leitura cruzada e global das várias normas que integram o regulamento do plano).
Partindo deste princípio, há que procurar, nos planos em não se faz referência a esta atividade, quais as normas que regulam a classe e a categoria de espaço onde se pretende proceder à sua instalação e que, muitas vezes, corresponde a categorias de solo rústico (com particular relevo para o solo agrícola).
De referir que, frequentemente, tais normas limitam-se a definir os usos dominantes (por vezes, os usos complementares), sendo igualmente comum conterem, tais planos, regras gerais sobre compatibilidade de usos. Dúvidas nunca nos restaram, nas situações que nos foi dado a analisar, que os projetos relativos a centrais solares fotovoltaicas não correspondiam nem aos usos dominantes da área onde se pretendiam instalar (aqueles para os quais preferencialmente tais solos estão vocacionados) – e que normalmente eram usos pastorícios, agrícolas ou cinegéticos -, nem a outros usos que o plano expressamente admitia que neles fossem instalados (numa ótica de complementaridade).
Porém, sempre nos guiamos, na tarefa de interpretação dos planos que, dada a data da sua elaboração, não fazem qualquer referência a este tipo de projetos, pelos princípios que devem reger a atividade de planeamento territorial. Referimo-nos, por um lado, ao princípio de que o zonamento do espaço operado pelos planos deve garantir e promover uma plurifuncionalidade das diferentes áreas do município, de modo a garantir “uma coexistência harmoniosa das funções”[11] e, por outro lado, ao princípio da mistura de usos compatíveis ou da proximidade simbiótica, que se apresenta como complementar de um outro, de sinal contrário – o da separação de usos incompatíveis; enquanto este último se refere aos usos territoriais que se prejudicam mutuamente – e que, por isso, não podem “conviver” -, o primeiro, fundamental em matéria de planeamento territorial, compele à promoção de uma mistura de distintos usos, de forma a otimizar a localização de atividades de diferente natureza e a promover a sustentabilidade das respetivas áreas.
O que significa que a previsão, nos planos, dos usos dominantes que podem ser realizados em cada categoria de espaço, não afasta (não pode afastar) a localização, na mesma categoria, de outros usos que sejam com eles compatíveis. E, realce-se, os usos compatíveis não têm de se traduzir em usos complementares ou acessórios do uso principal, podendo ter uma autonomia própria; fundamental é que sejam compatíveis com aquele, compatibilidade que terá de ser aferida em concreto, com base em critérios funcionais que, contudo, admitem um espaço de discricionariedade à entidade decisora[12].
Esse espaço de discricionariedade é maior quando a ponderação das atividades que devem ser consideradas compatíveis não decorre diretamente do plano (este limita-se, por exemplo, a regular o usos dominantes ou, quando muito, as atividades complementares desse); já será menor quando é o próprio a identificar que atividades compatíveis são essas, o que significa que, fora elas, as restantes devem ser consideradas incompatíveis. Existe ainda uma terceira hipótese: a de os planos em vigor identificarem as ações compatíveis de forma genérica e pela negativa, isto é, identificando, muitas vezes num artigo próprio, as situações ou os critérios de incompatibilidade, o que significa que, não se verificando uma situação destas, a ação poderá ser considerada compatível.
Chama-se igualmente a atenção para o facto de, frequentemente, na definição das situações de incompatibilidade se utilizarem conceitos indeterminados. É o caso da expressão provocar o agravamento das condições ambientais e urbanísticas, que embora muitas vezes densificadas no próprio artigo, este, ainda assim, remete para conceitos também eles indeterminados (como é o caso de “ações que prejudiquem a salvaguarda e a valorização do património classificado ou de reconhecido valor cultural, paisagístico ou ambiental”). Como é sabido, a utilização, nas normas administrativas, de conceitos indeterminados corresponde a uma forma de concessão de poderes discricionários à administração, conferindo-lhe um poder de avaliação próprio na apreciação do projeto. No entanto, como também se sabe, discricionariedade não significa “liberdade de decisão” ou arbítrio, mas decisão de acordo com critérios, pelo que um eventual deferimento ou indeferimento com estes argumentos exige uma fundamentação rigorosa quer de direito quer de facto, de modo que resulte clara a ponderação dos vários interesses em confronto, identificando-os e explicitando os critérios de preferência de uns em comparação com os outros.
Note-se ainda, tendo em consideração o tipo de infraestruturas que aqui estão em causa, que a sua localização tanto pode ocorrer em solo urbano como em solo rural. Com efeito, embora tenhamos equiparado estas estruturas a obras de urbanização, tal não deve ser motivo para excluir a sua localizado do solo rural. Mesmo a legislação atualmente em vigor em matéria de planeamento (Decreto-lei n.º 80/2015, de 14 de maio), expressamente admite que seja classificado como rústico o solo que, pela sua reconhecida aptidão, se destine, não apenas a usos mais “naturais” (como o aproveitamento agrícola, pecuário, florestal, conservação, valorização e exploração de recursos naturais, de recursos geológicos ou de recursos energéticos, etc.)mas também o que “seja ocupado por infraestruturas” (cfr. a alínea b), do n.º 2 do artigo 71º ). Com efeito, considerando as extensas áreas necessárias para a instalação deste tipo de infraestruturas e o tipo de utilização do solo que elas pressupõem, as mesmas operações tornam-se, frequentemente, mais compatíveis com solos rurais do que com solos urbanos. Aliás, Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19 de agosto assume até, como situação normal, que estas infraestruturas se localizem em espaços de exploração de recursos energéticos e geológicos, que enumera como uma das categoriais de solo rústico.
Assim, se é certo que projetos deste tipo não correspondam, no caso de planos que expressamente os não previram, aos usos dominantes para os quais está vocacionado o espaço onde se pretendem instalar, tal utilização pode, na maior parte das vezes ser aí concretizada, garantidas que estejam as exigências de compatibilidade que na maior parte das vezes são definidas nos próprios planos.
Refira-se que, localizando-se em espaços agrícolas ou florestais de produção, a concretização deste tipo de projetos não diminui, por regra, nem destrói as potencialidades agrícolas, silvícolas ou geológicas dos solos e o seu valor ambiental, paisagístico e ecológico; muito pelo contrário, em múltiplas situações, a concretização deste tipo de projetos potencia a sua valorização, em especial em casos, como muitos que temos apreciado, que assentam em premissas ecológicas: existe, de facto, frequentemente, por parte do promotor, uma intenção (e uma preocupação) de que o empreendimento seja ambientalmente responsável, desde logo pela não utilização de betão, de asfalto ou de quaisquer componentes não reutilizáveis ou biodegradáveis.
Mais, esta ocupação, pela estabilidade das ações propostas com horizonte temporal de 20 ou 30 anos, permite frequentemente a manutenção dos revestimentos vegetais permanentes com elevado valor ecológico, constituídos por espécies arbustivas autóctones, não havendo lugar a operações recorrentes capazes de incrementar a erosão e a pedogénese. Configura-se assim a possibilidade efetiva de proteção do recurso solo, e também da água através de estratégias, muitas vezes contidas no projeto, para sua conservação.
É assim, possível concluir-se, frequentemente, pela compatibilidade deste uso com os usos dominantes a que se destinam as categorias de espaço onde o mesmo se pretende implantar, correspondendo a um uso que não coloca em causa os princípios que devem nortear a ocupação do solo rural, designadamente, não comprometendo o aproveitamento dos recursos naturais, agrícolas, e geológicosnem a biodiversidade e a integridade biofísica natural e antrópica fundamental do território.
Note-se que mesmo em regimes mais restritivos estas ações não são, à partida, afastadas. Por exemplo, o regime da Reserva Ecológica Nacional permite estas instalações sem condições e requisitos específicos [Portaria n.º 419/2012, de 20 de dezembro, no Anexo I, Ponto II, alínea f)]; apenas em áreas com risco de erosão e em zonas ameaçadas pelas cheias é sujeita a parecer obrigatório e vinculativo da Agência Portuguesa do Ambiente. E no regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN – Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março) o artigo 22.º (relativo à utilização de áreas abrangidas por esta restrição por utilidade pública para outros fins) identifica expressamente as instalações ou equipamentos para a produção de energia a partir de fontes de energia renovável ainda que, com a exigência de que não causem graves prejuízos para os objetivos a que se refere o artigo 4.º e não exista alternativa viável fora das terras ou solos da RAN, no que respeita às componentes técnica, económica, ambiental e cultural, devendo localizar-se, preferencialmente, nas terras e solos classificados como de menor aptidão.
Do ponto de vista das regras aplicáveis, há que ter presente, como referimos supra, que grande parte dos instrumentos de planeamento em vigor regula de forma mais apertada e estrita as edificações porque, como também já referimos, estas têm um caráter mais perene na sua implantação ao solo – ao contrário das infraestruturas de que aqui curamos, dada a sua função menos estável, com um tempo de vida definido à partida e sem possibilidade de serem refuncionalizadas para novas utilizações).
Assim, se, na maior parte das vezes tais planos definem um regime de edificabilidade, a verdade é que regras a eles atinentes estão particularmente vocacionadas para regular as edificações, não tendo aplicação ao tipo de infraestruturas territoriais de que aqui curamos.
Tal não significa, porém, que não haja critérios urbanísticos que se lhes apliquem, como sucede com os relacionados com a adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens (artigo 24.º, n.º 4 do RJUE). Compreende-se que tanto na legislação, como nos instrumentos de planeamento, estas disposições sejam mais indeterminadas do que aplicáveis às edificações. De qualquer modo, o devido enquadramento na paisagem é um critério que deve pautar a avaliação e decisão que venha a ser tomada pela administração.
O que significa que deve ser dada particular
atenção ao projeto no sentido de garantir que ele minora eventuais impactes
visuais e paisagísticos que possa ter, o que significa que a sua integração na
envolvente deve ser cuidadosamente apreciada[13].
[1] De facto, à luz da legislação em vigor em matéria de planeamento, “Os programas e os planos territoriais devem identificar as áreas afetas à exploração de recursos energéticos e geológicos” (artigo 15.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial). A delimitação, de áreas afetas à exploração de recursos energéticos, que incluirá a localização de centrais solares fotovoltaicas, deve, efetivamente, ser feita nos instrumentos de planeamento municipal – os únicos que têm capacidade para vincular diretamente projeto públicos e privados –, designadamente através da identificação de categorias de solo especificamente a elas destinado (cfr. artigo 20.º do Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19 de agosto), já que tais instrumentos são os adequados para assegurar a compatibilização de usos (em especial deste uso com usos cinegético, agrícola, silvícola e florestal) e a minimização dos seus impactes ambientais. Sem prejuízo desta afirmação, estes planos devem conter a flexibilidade desejável que permita acolher tais atividades noutros locais com potencial para o seu desenvolvimento.
[2] É certo que nestes casos, não tendo a localização destes empreendimentos sido ponderada no plano, as decisões relativas ao local em que serão desenvolvidas serão sempre casuísticas, o que deve ser evitado quando se trata de atividades com um impacto tão significativo. Por isso, a identificação de critérios genéricos que devam ser tidos em consideração na tomada destas decisões pelas entidades competentes se apresenta como fundamental.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, e alterado sucessivamente pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, pelos Decretos-Leis n.os 18/2008, de 29 de janeiro, 116/2008, de 4 de julho, 26/2010, de 30 de março, 28/2010, de 2 de setembro, 266-B/2012, de 31 de dezembro, 136/2014, de 9 de setembro – este último retificado pela Declaração de Retificação n.º 46-A/2014, de 10 de novembro –, 214-G/2015, de 2 de outubro, e 97/2017, de 10 de agosto, pela Lei n.º 79/2017, de 18 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 121/2018, de 28 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 66/2019, de 21 de maio, e pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro)
[4] Estamos a pensar especificamente naquelas situações em que os planos foram elaborados à luz de um enquadramento jurídico distinto porque, como se viu, atualmente os planos devem ponderar e identificar as áreas afetas à exploração de recursos energéticos, seja áreas dedicadas, seja estabelecendo normas de compatibilidade de usos.
[5] Cfr. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado, 4.ª Edição, Almedina, 2016, comentário ao artigo 2.º.
[6] Isto é assim porque, em regra, os suportes destas estruturas são totalmente amovíveis, reutilizáveis e recicláveis; as cabines de apoio assentam no solo sem necessidade de qualquer maciço de fixação definitiva; os equipamentos montados nas cabines de apoio são desmontáveis, encontrando-se apenas fixos ao próprio chão dos respetivos monoblocos. O que significa que qualquer deles pode ser deslocado a qualquer momento. Daqui resulta que a instalação destas estruturas não compromete as caraterísticas dos solos onde assentam, particularmente o seu potencial agrícola ou florestal que nele eventualmente exista.
[7] Esta parece ser a qualificação que decorre do preâmbulo do Decreto-lei n.º 72/2022, de 19 de outubro, que procedeu à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril (referente às medidas excecionais que visam assegurar a simplificação dos procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis). No preambulo daquele Decreto-Lei expressamente se refere a necessidade de simplificar os procedimentos relativos a estas instalações referindo-se a elas como “operações materiais de edificação”.
[8] Ver, por todos, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31/03/2011, Processo n.º 06793/10, (Relator: Coelho da Cunha), consultado em www.dgsi.pt., onde, genericamente, se qualificam como infraestruturas as instalações destinadas à produção de energia, incluindo os parques fotovoltaicos, os parques eólicos, as antenas de transporte de energia, entre outras operações urbanísticas também são nele referidas.
[9] O pressuposto de que aqui partimos, de que uma central solar fotovoltaica deve ser considerada uma infraestrutura territorial, não é posto em causa pela circunstância de estes projeto preverem a instalação de um edifício de apoio à subestação, considerando que aquela construção partilha as caraterísticas essenciais dos restantes elementos componentes da Central Solar. Com efeito, tem-se entendido, a nível jurisprudencial, que a apreciação e classificação de uma operação urbanística – e a sua subsequente sujeição às regras constantes dos instrumentos de planeamento urbanístico aplicáveis – não deverá processar-se através de uma avaliação fracionada ou individualizada de cada uma das suas componentes ou partes integrantes, mas atendendo à integralidade do empreendimento (isto é, à central solar fotovoltaicana sua globalidade unitária, integrada e funcional.
Acresce que, precisamente pelo caráter unitário e integrado deste edifício no projeto global, o mesmo assume, igualmente, uma natureza provisória e amovível, detendo funções e particularidades – nomeadamente, a diminuta incorporação imobiliária que pressupõe – que o tornam insuscetível de causar prejuízos aos solos da sua instalação.
[10] Do ponto de vista dos procedimentos de controlo, estas operações passam, com o Decreto-Lei n.º 72/2022, a ficar sujeitas a comunicação prévia com prazo, que não é, ao contrário do que se determina no artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, o procedimento previsto no artigo 34.º e 35.º do RJUE, já que a comunicação prévia aqui prevista é a mera comunicação prévia.
[11] Cfr., neste sentido, Jorge de Carvalho, Ordenar a Cidade, Coimbra, Quarteto, 2003, pp. 209-212 e 307 e ss.
[12] Ainda que não exista uma definição legal do que sejam os usos dominantes, os usos complementares e os usos compatíveis, os mais elementares princípios de planeamento permitem identificar, de forma genérica, as suas caraterísticas típicas. Assim, os usos dominantes são os usos que constituem a vocação preferencial de utilização do solo em cada categoria ou subcategoria de espaços considerada; os usos complementares são usos não integrados no dominante, mas cuja presença concorre para a valorização ou reforço deste, completando-o; por fim os usos compatíveis são usos que, não se articulando necessariamente com o dominante, podem conviver com este mediante o cumprimento dos requisitos/exigências que garantam essa compatibilização.
[13] Note-se que com o Decreto-lei n.º 72/2022, exclui-se a afetação paisagística como fundamento de rejeição da comunicação prévia nos casos em que o projeto tenha sido objeto de declaração de impacte ambiental favorável ou favorável condicionada, na medida em que o procedimento de avaliação de impacte ambiental pressupõe a ponderação conjunta de todos os fatores relevantes, incluindo o da paisagem, numa ótica de sustentabilidade do projeto.