André Alfar Rodrigues

Advogado.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Católica Portuguesa, Escola de Lisboa.
Pós-graduação Avançada em Direito das Sociedades Comerciais pelo Centro de Investigação de Direito Privado da FDUL.
Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (PhD).
Formação Avançada em Compliance pelo Instituto de Formação Bancária.
Foi Conselheiro Pedagógico da FDUL e Coordenador do Gabinete de Erasmus e Relações Internacionais da Associação Académica da FDUL.
É Investigador no Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal (CIDEEFF) da FDUL.


A 2.ª Edição do Manual Teórico-Prático de Compliance é a mais recente obra de sua autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado a 3 de Novembro de 2022.

Consulte a obra neste link.


            Para compreendermos a importância do compliance ([1]) para as organizações empresariais temos de compreender o conceito “tone at the top”. Este termo foi popularizado após a introdução da Lei Sarbanes-Oxley (SOX) de 2002 ([2]). Este conceito pode ser utilizado para definir os valores orientadores e o clima ético de uma organização que são estabelecidos pelo CEO (Chief Executive Officer), pelo seu Conselho de Administração e pelo CCO (Chief Compliance Officer) ([3]). Ou seja, quando falamos em “tone at the top”, falamos da cultura corporativa estabelecida pela liderança de uma organização ([4]).

As pessoas responsáveis e que estão no topo da hierarquia de uma empresa devem estabelecer claramente, através de procedimentos internos, quais as funções que desempenham e de que modo o fazem ([5]). Tem de existir uma harmonização de valores. De certa forma, e recorrendo a uma analogia, podemos ver o conceito do “tone at the top” como uma “orquestra”. Embora quem toque a “melodia” seja a administração, esta facilmente desafina se não for bem coordenada por um “maestro”. A quem cabe esta última função é ao CEO. O seu papel é crucial para o sucesso da empresa, pois este não só é o rosto desta, como também é aquele que os funcionários veem em última análise, como o pilar da visão, liderança e orientação da organização.

O conselho de administração deve assegurar que a escolha do CEO assenta em critérios baseados na sua formação, experiência, personalidade, credibilidade e idoneidade. Assim, o conselho de administração tem uma dupla função, o de criar códigos de conduta ([6]) e o de agir de acordo com eles ([7]). O Chief Executive Officer, deve ser alguém com capacidade de liderança e com capacidade de punir, mas também de recompensar os funcionários. Leonard Brooks e Paul Dunn descrevem que os líderes de uma organização devem ser recetivos às preocupações éticas dos funcionários, devendo valorizar a ética e a integridade, em relação às metas de negócios de curto prazo e devem respondem apropriadamente se tomarem conhecimento de uma conduta inadequada ([8]).

            A avaliação do “tone at the top” é feita pelos auditores. A Lei Sarbanes-Oxley (SOX) de 2002 foi precisamente criada devido ao escândalo do caso Enron ([9]). A Enron foi uma empresa norte-americana ligada ao setor energético, que empregava cerca de 21.000 trabalhadores e que foi uma das empresas líderes durante largos anos no que respeitava à distribuição de energia, como o gás ou a eletricidade. Sucede, porém, que a empresa apresentava dezenas de biliões de dólares de lucros, quando na verdade tinha de facto biliões de dólares em prejuízos. O CFO da Enron utilizava uma estratégia “mark to market” ([10]). Esta técnica permitia manipular o valor dos rendimentos da empresa, pois esta recorria ao valor da projeção dos resultados de contratos futuros, contando-os como correntes. Os números que constavam dos balanços eram muito elevados, no entanto, a empresa pagava valores muito baixos em impostos. Após diversas denúncias, foram descobertos os verdadeiros resultados da empresa. A Arthur Anderson que era uma das principais cinco empresas de auditoria do mundo, era a responsável por fazer a auditoria das contas da Enron. No entanto, a Arthur Anderson contribuiu para a falsificação de resultados da Enron, ocultando e destruindo documentos que comprovavam a corrupção e os crimes de colarinhos branco que esta praticava, de forma deliberada e concertada com a empresa de energia. Esta concertação de esforços entre a Enron e a Arthur Anderson abalou toda a economia mundial e além de ter levado ambas as empresas à falência, permitiu que as empresas se apercebessem da importância da existência dos sistemas de controlo internos.

Estes dois exemplos demonstram claramente a importância do compliance. Se uma organização possuir um excelente “tone at the top”, através da implementação e atualização dos sistemas de controlo interno, se tiver canais de denúncias adequados, entre outros, os riscos associados à sua atividade serão reduzidos. O objetivo de um programa de compliance é assim, o de prevenir e detetar irregularidades, fraudes, desvios, e conflitos que possam surgir no decurso de uma atividade.

            É por estas razões que, apesar do “tone at the top” ser imprescindível, é também necessário que exista um “mood in the middle”. Na maior parte dos casos, os funcionários não têm contacto direto com os órgãos de administração de uma empresa, em especial nos casos das empresas de grandes dimensões. Assim, as pessoas que estão no meio da hierarquia, são também de grande importância na medida em que têm contacto direto com, tanto os órgãos de administração, como os demais funcionários e colaboradores. 

O Compliance Chief Officer tem uma importância acrescida, na medida em que, é imprescindível para um bom “mood in the middle”. Cabe a este, a implementação de sistemas de controlo interno e dos programas de ética e compliance da empresa. Assim, tanto os compliance officers como os outros gestores são fundamentais na medida em que servem de ponte entre os órgãos de administração e os colaboradores da empresa.


([1]) Paola Musile Tanzi, Giampaolo Gabbi, Daniele Previati, Paola Schwizer, “Compliance Risk in the Evolution of the Investment Services – Characteristics, Control Tools and Organizational Issues”, SSRN Electronic Journal, 2009.

([2]) David Hess, “A Business Ethics Perspective on Sarbanes Oxley and the Organizational Sentencing Guidelines”, Michigan Law Review, Vol. 105, No. 8, 2006; Renu Desai e Robert W. McGee, “The Sarbanes-Oxley Act: Deterrent or Aid to Finance and Accounting Outsourcing?”, SSRN Electronic Journal, 2009.

([3]) Todd Archibald, Ken Jull e Kent Roach, “Corporate Criminal Liability: Myriad Complexity in the Scope of Senior Officer”, Criminal Law Quarterly 50(3), 2013.

([4]) Scott Killingsworth, “Modeling the Message: Communicating Compliance Through Organizational Values and Culture”, Georgetown Journal of Legal Ethics, Vol. 25, No. 4, 2012, 6

([5]) Geoffrey P. Miller, “The Compliance Function: An Overview”, NYU Law and Economics Research Paper No. 14-36, 2014. 

([6])  Dimitrios N. Koufopoulos, “Corporate Ethics Governance – The Role of Stakeholders in a Framework beyond Codes and Borders” SSRN Electronic Journal, 2012.

([7])  David O’Regan, Auditor’s Dictionary: Terms, Concepts, Processes, and Regulations ([Online-Ausg.] ed.). New York: John Wiley and Sons Ltd., 2004, pp. 257.

([8])  Leonard J. Brooks e Paul Dunn, Business & professional ethics for directors, executives, & accountants (5th ed.). Mason, OH: South Western Cengage Learning, 2010, p. 261.

([9]) Sobre o caso Enron: Julen Carreño Aguado, El tratamiento jurídico-penal de la inveracidad en la información social. Una propuesta de revisión del artículo 290 del Código Penal, Madrid: La Ley, 2013, pp. 35 a 95.

([10]) Consiste numa avaliação de um ativo (ou uma posição) de acordo com seu valor de mercado, tal como está expresso por sua cotação mais recente. A ideia é que cada posição seja avaliada por um valor que corresponda ao que se pensa que seria possível realizar se quiséssemos liquidar essa posição no mercado.