Diogo Pessoa

Licenciado e Mestre em Direito. Exerceu advocacia, primeiro como Advogado estagiário, depois como Advogado. Em 2019, requereu a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados para se dedicar à preparação do Doutoramento. É Doutorando em Direito na Universidade Católica Portuguesa, instituição onde tem exercido funções de assistente convidado.


Com a publicação, no passado dia 31 de dezembro, da mais recente alteração ao Código dos Valores Mobiliários (Lei 99-A/2021), o legislador português consagrou, em Portugal, a possibilidade de emissão de ações com voto plural. Num desvio claro face à regra geral de um voto por ação (one share one vote), o recente artigo 21.º-D do Código dos Valores Mobiliários vem permitir, entre nós, que as sociedades com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral possam emitir ações dotadas de um direito especial a ter mais do que um voto.

Ora, numa primeira apreciação, deve dizer-se que, para um país que quer atrair unicórnios, ter um direito societário flexível e adaptável é um requisito essencial, pelo que a referida alteração é, em si mesma, de louvar.

O regime escolhido, e uma análise ao ordenamento jurídico como um todo, deixou-nos, porém, algumas questões. Atenta a novidade desta alteração, não mais faremos, neste momento, do que identificá-las, na expectativa de, no futuro, lhes conseguir vir a dar resposta.

  1. Qual a razão para restringir a possibilidade de emissão destas ações a sociedades cotadas, e não permitir a sua emissão, em geral, a todas as sociedades anónimas?
  2. Porquê o limite de 5 votos por ação? Deve notar-se que, por exemplo, as ações de categoria B do Facebook conferem 10 votos por ação. Há alguma razão para o ordenamento jurídico português não permitir que um Facebook fosse uma sociedade portuguesa?
  3. O legislador optou, desta vez, por prever a possibilidade de emitir ações com voto plural em sociedades cotadas. Em 2015, quando criou um novo figurino de ações preferenciais sem direito de voto, restringiu essa figura a investidores qualificados, e exigiu que as ações não fossem cotadas em bolsa. Ora, se o objetivo era proteger investidores pouco sofisticados de adquirirem tais ações, tão perigoso é adquirir ações sem voto como ações ordinárias em sociedades com voto plural (talvez mais, porque as ações sem voto, ao menos, têm de ter privilégio patrimonial adicional). Está o legislador pronto para corrigir o erro de 2015?
  4. O legislador, em 2016, consagrou um regime especial (Decreto-lei 20/2016, de 20 de abril) para as instituições de crédito, segundo o qual, havendo limitações ao direito de voto (ex. tetos de voto), as mesmas instituições teriam de reanalisar, de cinco em cinco anos, a sua manutenção. Ademais, se o órgão de administração propuser a sua revogação, os referidos tetos de voto não vigoram em tal deliberação. Atenta essa limitação aos tetos de voto, e enquanto esta se mantiver, faz sentido permitir, nas instituições de crédito, o voto plural?
  5. O artigo 383.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais prevê que: «Para que a assembleia geral possa deliberar, em primeira convocação, sobre a alteração do contrato de sociedade, fusão, cisão, transformação, dissolução da sociedade ou outros assuntos para os quais a lei exija maioria qualificada, sem a especificar, devem estar presentes ou representados accionistas que detenham, pelo menos, acções correspondentes a um terço do capital social». Se as ações corresponderam a um terço do capital social, mas não corresponderem a um terço dos votos, faz sentido que a sociedade possa deliberar de imediato?