José Gaspar Schwalbach

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A Lei 23/2007, de 4 de Julho (Regime de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Cidadãos Estrangeiros do Território Nacional), em vigor desde 2007, prevê que ao cidadão estrangeiro a quem tenha sido recusada a entrada em território nacional é garantido, em tempo útil, o acesso à assistência jurídica por advogado, a expensas do próprio ou, a pedido, à protecção jurídica, aplicando-se, com as devidas adaptações, a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no regime previsto para a nomeação de defensor do arguido para diligências urgentes.

De 2007 até 2020, tal acesso ao Direito não foi assegurado a milhares de cidadãos estrangeiros não admitidos em Território Nacional.

Celebrado a 4 de Novembro de 2020, o protocolo entre o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados entrará em vigor a 8 de Março de 2021 assegurando a presença permanente de Advogado no EECIT (no caso do Aeroporto de Lisboa) ou a sua indicação em sistema de Escalas de Prevenção (para os restantes Aeroportos do País – Porto, Faro, Funchal, Porto Santo, Ponta Delgada e Lages) a fim de assegurar assistência jurídica a todos os cidadãos que vejam recusada a sua admissão em Território Nacional.

Actualmente a identificação de passageiros a quem possa ser recusada a entrada em Território Nacional é levada a cabo na chamada Primeira Linha (postos de entrada em Espaço Schengen) onde é exibido passaporte à chegada a Portugal e onde os inspectores do SEF admitem a entrada ou reencaminham para a chamada Segunda em caso de dúvida sobre motivos de entrada, condições económicas de estada ou fraude documental, por exemplo.

Nessa chamada Segunda Linha, e sem direito a acompanhamento por Advogado, os cidadãos são ainda (e continuarão a ser) inquiridos/interrogados por elementos do SEF, sendo lavrado auto que terá que ser obrigatoriamente assinado para que possam ver terminada a diligência, sendo que finda essa produção de prova (à qual é impedido de participar qualquer Advogado), é elaborada proposta de decisão pelo Inspector instrutor a qual deverá ser despachada pelo Director de Fronteira, com possibilidade de subdelegação.

Após tal despacho de recusa de entrada, os cidadãos estrangeiros são encaminhados para os centros de detenção / Espaços Equiparados a Centros de Instalação temporária de Cidadãos Estrangeiros e cujo regime surge previsto na  Lei n.º 34/94, de 14 de Setembro (Regula o acolhimento de estrangeiros, por razões humanitárias ou de segurança, em centros de instalação temporária) e que ali remete, ainda, a nível de direito subsidiário para o Decreto-Lei n.º 265/79, de 01 de Agosto que aprovou a Reforma do Sistema Prisional.

Será neste momento que, a partir deste mês de Março de 2021, terão direito a assistência jurídica no âmbito do protocolo celebrado.

É certo que se trata de um direito elementar, consagrado quer no art. 67.º do Código do Procedimento Administrativo, segundo o qual se prevê que os particulares têm o direito de intervir pessoalmente no procedimento administrativo ou de nele se fazer representar ou assistir através de mandatário, igualmente previsto no âmbito do Código de Processo Penal (artigo 61.º CPP) onde se garante que aos arguidos é assegurado o direito de constituir um advogado, ou solicitar a nomeação de um defensor, e por este ser assistido em todos os actos processuais em que participarem.

Mas, no que aos Cidadãos Estrangeiros diz respeito, apenas após o terminus do processo administrativo de Recusa de Entrada terão direito a consultar Advogado, ou seja, após serem interrogados, após produção de prova e após terem assinado declarações sobre os seus motivos de entrada ou outros factos que, no caso, levaram à decisão de recusa de entrada.

Ora, o papel do Advogado nesta situação, ou seja, a jusante do procedimento, revelar-se-á extremamente importante na identificação de eventuais erros procedimentais ou vícios processuais, mas o certo é que se torna, na verdade, de mais difícil exequibilidade, uma vez que imporá uma reanálise da prova produzida e de todo o processo administrativo.

Aqui chegados, haverá que ter em consideração os factos relatados pelo cidadão (impondo-se a presença de interprete para qualquer língua, mesmo que dominada pelo Advogado) para concluir pela inexistência de vícios ou, verificando-se qualquer causa de nulidade ou falta de produção de prova, requerê-la de imediato.

Das várias situações possíveis de verificar em sede de Escala em Aeroporto, será essencial ter presente a possibilidade e necessidade de produção de prova adicional (requerendo a revisão da decisão de recusa) para efeitos de justificação de motivos de entrada ou de condições de estada, a sanação de qualquer nulidade processual (legitimidade processual, vícios da vontade, falta de pressupostos ou errónea aplicação da lei) ou situações identificáveis como abrangidas pelas Convenções Internacionais relativamente a pedidos de Protecção  Internacional.

Um dos vícios habitualmente verificados decorre da omissão de audiência prévia (Artigo 121.º CPA) e do conhecimento do sentido provável de decisão, impedindo-se ao cidadão estrangeiro, querendo, apresentar prova adicional ou apresentar as suas alegações o que coloca em causa o Princípio da participação que impõe aos órgãos da Administração Pública assegurar a participação dos particulares na formação das decisões que lhes digam respeito.

Independentemente da análise casuística levada a cabo no âmbito do apoio jurídico, e tendo em conta a duração da escala  prevista no protocolo assinado (quatro horas) e dos tempos programados para as viagens de retorno ao aeroporto de origem (muitas vezes no próprio dia, à noite ou no dia seguinte), qualquer diligência a realizar deverá ser levada a cabo de imediato (através do recurso ao envio por correio electrónico ou mediante entrega ao balcão do SEF do Aeroporto devendo quem recebe apor no duplicado o carimbo de recepção, datando e rubricando o referido documento como prova de entrega).

Será uma solução provisória e meramente reparatória, porquanto se impõe a presença ab initio de Advogado em todo o processo (à imagem do que acontece em vários países europeus), impedindo-se a instrução de um processo administrativo em violação do princípio da Boa-fé e o Princípio da Participação dos Interessados (Art. 266.º n.º2 e Art. 267.º n.º5 CRP) previstos na Constituição da República Portuguesa, mas também destes e de outros princípios gerais da actividade administrativa consagrados no Código de Procedimento Administrativo como é o caso do Artigo 6.º (Princípio da igualdade),  Artigo 10.º  (Princípio da boa-fé),  Artigo 11.º (Princípio da colaboração com os particulares),  Artigo 12.º (Princípio da participação) e Artigo 67.º (Capacidade procedimental dos particulares), este último que prevê o acompanhamento por Advogado em todas as etapas do processo e que ainda continuará a ser negado em 2021.