Pedro Pinheiro Torres
Advogado especialista em Direito Processual Civil.
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Entrará em vigor no próximo dia 3 de Junho a Lei nº 16/2020, publicada no Diário da República em 29 de Maio e com entrada em vigor prevista para o quinto dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 10º.
Vem, a referida Lei, no que aos aspetos abordados neste texto importa, proceder à quarta alteração à Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.º s 4 -A/2020 e 4 -B/2020, ambas de 6 de abril, e n.º 14/2020, de 9 de maio e à décima segunda alteração ao Decreto -Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março. O estabelecimento deste período de 5 dias de vacatio legis visou, seguramente, atenuar os efeitos da sua entrada em vigor no desenvolvimento dos processos judiciais, e nos próprios direitos dos cidadãos, uma vez que, com a revogação do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020 de 6 de abril, o Legislador põe termo à suspensão generalizada dos prazos processuais.
Este será o primeiro e mais relevante efeito da entrada em vigor da Lei nº 16/2020, da qual resulta, em termos práticos, a continuação da contagem dos prazos judiciais a partir de 3 de junho (inclusive), devendo considerar-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão.
Lamenta-se, que, nesta matéria, o legislador não tenha adotado em regime de suspensão que inutilizasse todo o tempo decorrido até à data da suspensão dos prazos, fazendo-os “renascer” no dia 3 de Junho e com isso evitando inúmeras dificuldades às partes, que poderão, naturalmente, ter “desperdiçado” aquele período inicial, não o recuperando até à data.
A mesma solução foi adotada pelo legislador para os prazos de prescrição e caducidade que deixam de estar suspensos por força das alterações introduzidas por esta lei, os quais são alargados pelo período de tempo que vigorou a sua suspensão (cfr. artigo 6º da Lei sob apreciação).
Compreensivelmente, no que a estes prazos de natureza substantiva diz respeito, lamentavelmente no que importa aos demais.
Pelo artigo 8º desta Lei são revogados, ainda, os nºs 1 e 2 do artigo 7º-A da Lei nº 1-A/2020 de 19/3, na redação pela Lei nº 4-A/2020 de 6 de abril, devendo-se esta revogação, essencialmente, a razões de coerência sistemática, uma vez que ambas as disposições revogadas previam a não aplicação a certas situações do regime de suspensão de prazos, revogado pela presente lei.
Com a revogação do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020 de 6 de abril, o legislador põe, igualmente, termo ao regime de realização das audiências judiciais, enunciado nos nºs 7 a 9 desse artigo 7º, dos quais resultada o principio da realização preferencial de diligências judiciais através de meios de comunicação à distância, nestas incluído as audiências finais ou de discussão e julgamento, apenas se realizando as diligências presencialmente em casos excecionais, previstos naquele diploma.
A revogação do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 na redação dada pela Lei nº 4-A/2020 não repôs, no entanto, (nem poderia repor, naturalmente) a situação que existia à data anterior a 12 de Março de 2020, reconhecendo o legislador que, apesar de ser admissível atenuar as regras impostas pela disposição revogada, se tornava necessário criar determinadas regras ainda excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID -19: esta preocupação do legislador deu origem a que, pelo artigo 2º da Lei nº 16/2020 aditasse à Lei nº 1-A/2020 o artigo 6º- A que, verdadeiramente, veio “substituir” o regime estabelecido para diversos matérias no artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, que, com a Lei nº 16/2020, revogara.
Resulta do nº 1 deste artigo 6º-A (introduzido na Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, que “no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem -se pelo regime excecional e transitório aí previsto.
Neste “novo regime” o legislador confere tratamento diferente às diligências judiciais, distinguindo as audiências finais ou de discussão e julgamento, bem como outras que importem inquirição de testemunhas (cujos termos de realização são reguladas no nº 2 do artigo) das demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros Intervenientes processuais (cuja realização é regulada no nº 3 deste artigo), privilegiando, no que às primeiras respeita, a sua realização presencial e, no que às restantes importa, a sua realização através de meios de comunicação à distância adequados.
Ao estabelecer o principio da realização presencial das audiências finais ou de discussão e julgamento, ou que importem inquirição de testemunhas, o legislador impõe, na alínea a) do nº 2, que sejam asseguradas as regras de segurança, de higiene e sanitária definidas da DGS, nomeadamente com a observância do limite máximo de pessoas, admitindo, na alínea b) daquele número, que estas diligências se realizem através de meios de comunicação à distância, nomeadamente através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea a) (ou sejam, presencialmente) e se for possível e adequado, designadamente se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, embora a prestação de declarações do arguido ou de depoimento das testemunhas ou de parte deva sempre ser feita num tribunal, salvo acordo das partes em sentido contrário ou verificando–se uma das situações referidas no n.º 4, adiante analisado.
Em matéria de realização das restantes diligências acima enunciadas o legislador inverteu a preferência, prevendo que as mesmas se realizem através de meios de comunicação à distância, designadamente teleconferências, videochamadas ou outro equivalente, admitindo a sua realização presencial, apenas quando as mesmas não puderem ser realizadas através daqueles meios, desde que observando as regras da SGS em termos de segurança de higiene e sanitárias, nomeadamente com a observância do limite máximo de pessoas (cfr. nº 3 do artigo 6ºA).
No nº 4 o legislador previu que “ em qualquer das diligências previstas nos n.º 2 e 3, as partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar -se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional”, sendo, pelo nº 5 do artigo 6º- A, garantida ao arguido a presença no debate instrutório e na sessão de julgamento quando tiver lugar a prestação de declarações do arguido ou coarguido e o depoimento de testemunhas.”
Reconhecendo a especificidade de determinadas situações, o legislador mantém, nos nºs 6, 7 e 8 do artigo 6º-A desta Lei, o tratamento excecional das mesmas.
Assim, no nº 6 do artigo 6º-A mantêm-se suspensos no decurso da vigência do período excecional e transitório (cujo fim, recorde-se, deverá ser anunciado por Dec-Lei do Governo) o prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004,
de 18 de março, os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, bem como os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos naquele nº 6 e os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos da alínea b) do n.º 2, da alínea b) do n.º 3 ou do n.º 7 daquele artigo.
Tal como sucedera com a Lei nº 1-A/2020, também agora o nº 8 deste artigo 6º prevê que o disposto naquele o n.º 6 em matéria de prescrição ou caducidade prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo correspondente à vigência da suspensão.
Também nos casos em “que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.
Entre as disposições com impacto na vida dos intervenientes processuais, deve ser referida a alteração do nº 4 do artigo 14º da Lei nº 10-A/2020 de 13 de Março, que passa a prever que a declaração emitida por autoridade de saúde a favor de sujeito processual, parte, seus representantes ou mandatários, que ateste a necessidade de um período de isolamento destes por eventual risco de contágio do COVID -19seconsidera, também, para todos os efeitos, fundamento para a alegação do justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais que podem ser praticados remotamente quando o sujeito não tenha acesso a meios de comunicação à distância ou esteja incapacitado por infeção por COVID -19 para os praticar, no âmbito dos processos, procedimentos, atos e diligências referidos no nº 1 desse artigo 14º, concretamente os que corram os seus termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios, cartórios notariais, conservatórias, serviços e entidades administrativas, no âmbito de procedimentos contraordenacionais, respetivos atos e diligências e no âmbito de procedimentos, atos e diligências regulados pelo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e demais
legislação administrativa.
Finalmente, pelo artigo 5º da Lei nº 16/2020 fica esclarecido que os prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação original e na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, consideram -se vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da referida lei., enquanto os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da mesma lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, se devem considerar vencidos no vigésimo dia útil posterior à sua entrada em vigor caso se vencessem até essa data.
Cumpre-se, assim, mais uma etapa no regresso à normalidade, estranhamente anunciada como “nova normalidade” o que nos faz desconfiar….
Vamos aguardando, com muita expectativa e alguma ansiedade.