Luís Aires
Licenciado em Direito e Mestre em Direito Fiscal pela Universidade Católica Portuguesa. Pós-graduado em Direito Fiscal das Empresas, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Correspondente do IBFD (International Bureau of Fiscal Documentation) da publicação ECJ VAT Case Notes. Desde 2015 que tem centrado o exercício da atividade na área da consultoria do IVA em empresas nacionais e internacionais. Participante em vários projetos internacionais relacionados com a regulação fiscal dos criptoativos, e da transformação digital das administrações fiscais na União Europeia. É ainda autor de vários artigos com relevância na área do IVA.
Em resultado da situação pandémica em que vivemos, a força catastrófica desta pandemia assume contornos humanitários, económicos, financeiros e operacionais para a generalidade dos setores, dando origem a uma reformulação da ordem económica global. Durante os últimos meses, vários países anunciaram pacotes de resgate económico no valor global ascendente a triliões de euros direcionados a suprir cuidados de saúde e problemas de cariz económico que estão a emergir.
A atual crise sanitária criou enormes desafios às finanças públicas, pela primeira vez na história existe um evento de dimensão global com um impacto devastador ao nível da criação de riqueza e da circulação económica. As estimativas iniciais da OCDE sugerem que as medidas de contenção podem levar a um declínio da produção entre um 1/5 e 1/4 em muitas economias, com os gastos dos consumidores a caírem aproximadamente 1/3 (estas estimativas são indicações aproximadas resultantes dos efeitos diretos das medidas de contenção num contexto de grande incerteza)[1].
Os consumidores estão a mudar o seu comportamento, levando a que diversas jurisdições tenham de implementar uma panóplia de medidas (temporárias) de forma a mitigar os efeitos provocados por este surto pandémico. A lista de países que adotaram medidas em matéria do Imposto sobre o Valor Acrescentado e os governos tentam compensar as empresas, visto que muitas são obrigadas a suspender temporariamente a sua atividade (sendo que esta suspensão é aplicada de variadas formas) de forma a evitar a dispersão do coronavírus[2].
O papel do IVA enquanto estímulo fiscal foi observado não só em termos globais durante a crise financeira de 2007-2008, mas também ao nível europeu no período de 2009-2014 (veja-se por exemplo o caso do Reino Unido em que a taxa normal de IVA sofreu um corte de 2.5%, descendo de 17.5% para 15% entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2010. Esta foi a primeira vez em que um corte temporário na taxa normal de IVA foi utilizado desta forma a meio de uma crise).
Existem vários fatores que tornam o IVA um imposto com uma capacidade e flexibilidade no que toca à arrecadação de receita, tal como o seu efeito “anestesiante” (antagonicamente ao impostos diretos), e também o facto deste imposto ter um efeito estabilizador automático das receitas[3], uma vez que a sua cobrança ocorre em todas as fases do processo produtivo. Assim, a não cobrança do IVA numa determinada fase não afeta a cobrança nas restantes fases.
Nestas últimas duas décadas, com a necessidade cada vez maior dos governos em aumentar a receita fiscal, para fazer face às restrições de uma situação orçamental cada vez mais exigente, o IVA foi um dos principais (se não mesmo o principal) mecanismos de aumento de receita fiscal. Um vasto número de países optou, nos últimos anos por reduzir a tributação sobre as empresas, compensando com uma maior tributação sobre o consumo, aumentando assim a receita de IVA, quer em termos de percentagem do total de receita fiscal, que naturalmente, em percentagem do PIB. Este aumento tem maioritariamente a sua ratio num aumento das taxas do imposto, bem como num aumento da base tributável (quer reduzindo o escopo de bens e serviços sob taxas reduzidas ou intermédias, quer reduzindo as isenções), mas também por um maior combate à fraude e evasão fiscal.
A diminuição do compliance e o aumento da fraude
Temos vindo a assistir nos últimos anos a várias reformas no sentido de fazer o sistema comum do IVA mais consistente e amigo das empresas, um desses exemplos são os chamados Quick Fixes que começaram a produzir efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020[4] (estes Quick Fixes materializam a necessidade premente de intervenção do legislador comunitário de introduzir no sistema de IVA um conjunto de regras coerentes suscetíveis de aplicação harmonizada em todos os Estados-Membros da União Europeia), que almejam a harmonização as regras das trocas comerciais intra-União, uma vez que empresas que atuam neste tipo de comércio atingem custos de conformidade e custos administrativos (“compliance”)[5] na casa dos 11% a mais comparativamente às empresas que cingem o seu negócio dentro do país em que estejam localizadas.
O pacote de IVA para o E-commerce [6] que irá produzir efeitos plenos a partir de 1 de Janeiro de 2021 (isto porque desde Janeiro de 2019 os Estados-Membros decidiram simplificar, com efeitos imediatos, certas obrigações aplicáveis aos serviços já abrangidos pelo Mini One Stop Shop), vai permitir a simplificação do comércio eletrónico transfronteiriço, i.e., as empresas que efetuem vendas de bens online para consumidores localizados noutros Estados-Membros, já não terão que efetuar múltiplos registos nos diversos Estados-Membros de destino dos bens , generalizando assim, o principio da tributação no Estado-Membro de consumo/destino nas operações entre sujeitos passivos e consumidores finais (Business to consumer “B2C”) de bens e serviços. As novas regras aplicáveis às pequenas e médias empresas (cujos efeitos se verificam a partir de 1 de Janeiro de 2025)[7] vão permitir que empresas estabelecidas noutros Estados-Membros possam beneficiar do registo doméstico para efeitos da aplicação de isenções nacionais e de regras simplificadas em matéria de compliance.
Ora, dado o contexto supra descrito, e pugnando pelo rigoroso cumprimento das obrigações fiscais por parte dos contribuintes, tal aumentaria a eficácia do uso de medidas diretamente relacionadas com o IVA de forma a poder mitigar os efeitos de uma crise económica, uma vez que isso traria mais receitas aos governos. Contudo, tal não se verifica, acontecendo exatamente o oposto[8], o mesmo sucede após o fim das crises, quando os governos decidem aumentar as taxas de IVA[9].
Adicionalmente, durante os períodos de crises financeiras, verifica-se um aumento exponencial da fraude, mormente em IVA[10]. Veja-se o exemplo do que aconteceu na Grande Recessão, em que o VAT Gap[11] aumentou de € 166.9 biliões para em 2008 para € 182 biliões em 2009. Na europa sucedeu o mesmo, após uma diminuição de € 152 biliões em 2010, houve um aumento para € 171 biliões em 2011 e para € 177 biliões em 2012, apenas diminuindo nos anos seguintes[12]. Contudo, as causas das crises económicas mencionadas previamente e aquela que estamos a viver atualmente são completamente diferentes, não obstante, possuem um denominador comum que agrava a fraude, ou seja, existe uma falta de controlo o que facilita a vida àqueles que cometem fraude. Para alem disso, toda a miríade de medidas económicas adotadas pelos diferentes governos para diminuir o risco de problemas de cash-flow nas empresas, serve também de convite para os defraudadores.
As soluções adotadas por Portugal
De acordo com a Direção Geral do Orçamento, no ano de 2019 o Estado português arrecadou em receitas fiscais cerca de € 45 mil milhões. Deste montante, o valor correspondente a impostos diretos (IRS e IRC), ascendeu a aproximadamente € 19 mil milhões, i.e., 43% do total da receita fiscal. Por seu turno, a fatia correspondente à arrecadação de receita em matéria de impostos indiretos, foi de 57% (mais de € 25 mil milhões), sendo que a grande parte deste valor pertence ao IVA (€ 17 mil milhões, quase tanto como o IRS e o IRC juntos, e isoladamente destacado quando comparado com a receita individual de cada um destes impostos).
Esta transumância fiscal da tributação direta para a tributação indireta (ou “shift tributário” como é comummente conhecido), tem ocorrido de forma mais ou menos acentuada nas ultimas décadas, o que bem se compreende, desde pelo facto de que se a tributação direta sobre o rendimento é socialmente incómoda e geradora de anticorpos, pois sente-se de forma imediata no bolso, a tributação indireta é “silenciosa, eficaz mas não se nota (tem um efeito anestésico) e parece revestir-se de um certo protecionismo social e moral. Estamos perante a fiscalidade associada à economia comportamental, pois é certo que quem não quiser pagar, não consome. Mas andar de carro e abastecer com combustível é inevitável, assim como também o é comprar ou arrendar uma casa. Todavia, a preferência do legislador pela tributação indireta parece advir da sua enorme capacidade creditícia, ou mesmo da sua eficiência e eficácia corretiva ao nível da tributação especial sobre o consumo.
Vale lembrar que o consumo tem o seu teto máximo, um valor absoluto delimitado por condições geográficas, características socioeconómicas, populacionais e mesmo do próprio nível de rendimento per capita em si. A tributação indireta é geradora de receita, mas é também uma “armadilha” em si mesma, pois pode dar azo a fenómenos regressivos em famílias de menores rendimentos. A única forma de ultrapassar esta “falácia tributária” será unicamente obtida através de um crescimento económico robusto, alicerçado na criação de bens e serviços transacionáveis e na melhoria do rendimento global como um todo.
Numa visão macroeconómica, sendo o IVA uma das principais fontes de receita dos Estados, assume uma preponderância fundamental, o que determina a introdução de algumas alterações ao sistema vigente ou colocar em prática medidas até agora não viabilizadas.
As soluções para proteção do impacto do IVA nas empresas são evidentemente mais abrangentes do que aquelas que, infelizmente, clinicamente têm sido possíveis no controlo dos impactos negativos da pandemia. Com a quebra acentuada da atividade global impõe-se a maximização de recursos e a redução de custos de transação para garantir liquidez, eficiente gestão de tesouraria e postos de trabalho.
O Governo Português aprovou recentemente um pacote de medidas fiscais que visa, no essencial, permitir, em determinadas circunstâncias, o diferimento do cumprimento de obrigações relativas à liquidação de vários impostos, tendo o IVA sido incluído.
Paralelamente, o Despacho do SEAF n.º 129/2020-XXII, de 27 de março, permite que os sujeitos passivos que apresentem um volume de negócios referente ao ano de 2019 até €10 milhões aferido nos termos do artigo 42.º do Código do IVA; ou que tenham iniciado atividade em ou após 1 de janeiro de 2020; ou que tenham reiniciado a atividade em ou após 1 de janeiro de 2020 e não tenham tido volume de negócios em 2019 (caso tenham tido aplica-se o limite do volume de negócios anterior de até € 10 milhões), podem calcular o imposto a constar da declaração periódica de IVA de fevereiro de 2020 com base nos dados constantes do e-fatura (independentemente da documentação de suporte). Reporte e pagamento que apenas serão admissíveis caso as regularizações declarativas e de pagamento que se mostrem necessárias sejam efetivadas por meio de declarações de substituição e o imposto devidamente pago no mês de julho de 2020. Neste pressuposto e prazo, sem sujeição à aplicação de quaisquer acréscimos ou penalidades.
Mantendo a tendência digital (agora mais necessária do que nunca) durante os meses de abril, maio e junho, devem ser aceites faturas em PDF, as quais são consideradas faturas eletrónicas para todos os efeitos previstos na legislação fiscal.
Mas para além das novas, temporárias e excecionais regras, considerando que a liquidação e recuperação de IVA impactam significativamente a gestão de tesouraria das empresas, identificam-se algumas oportunidades que com base em mecanismos já existentes podem auxiliar no presente momento, a saber:
Numa perspetiva de liquidação de imposto, garantir a correta emissão documental e privilegiar a adoção de mecanismos de faturação eletrónica. Por outro lado, também o cancelamento de eventos ou o seu adiamento no tempo podem determinar a emissão imediata das notas de crédito correspondentes, permitindo às empresas ajustar a seu favor o IVA já entregue ao Estado e deduzindo estes montantes ao valor do imposto a pagar mensalmente / trimestralmente;
No que concerne à recuperação de imposto, em termos de declaração periódica, procurar assegurar que as faturas que titulam a aquisição de bens e serviços são registadas imediatamente após receção. Em caso de reembolso, submeter e assegurar o correto preenchimento do mesmo, evitando razões para suspensão ou recusa, com evidente atraso na recuperação do IVA incorrido;
Em sede de créditos incobráveis e/ou de cobrança duvidosa torna-se imperiosa a recolha diligente do maior número de documentação de suporte garantindo celeridade e evitando a caducidade do imposto;
Por outro lado, a procura de fornecedores fora do espaço da União Europeia gera um custo associado ao pagamento do IVA nas alfândegas. Também a adoção de mecanismos de autoliquidação de imposto nas importações ao reduzir o desfasamento entre o pagamento de imposto às alfândegas e a dedução pelos sujeitos passivos permitem uma gestão mais eficiente de tesouraria;
A análise para efeitos da recuperação do IVA incorrido com as despesas de viagens e alojamento no estrangeiro dos trabalhadores poderá garantir maior liquidez financeira (alguns países permitem a recuperação retroativa do imposto incorrido a montante com essa tipologia de despesas);
O momento atual também favorece a reanálise do circuito de bens (e respetivas taxas) como consequência da disrupção das cadeias de distribuição nacionais e internacionais, nomeadamente com a possibilidade de aplicação de taxas zero ou isenções a produtos específicos agora utilizados para fins diferentes dos tradicionais;
Exemplo paradigmático será o setor da restauração em que com as atuais restrições impostas, a correta aplicação das taxas de IVA às refeições em regime de take away ou entrega ao domicílio, designadamente, 13% quanto às refeições ou alimentos preparados, por um lado, e as taxas individuais que couberem aos restantes produtos objeto da encomenda, por outro, podem ter impacto significativo;
Numa fase posterior, importa considerar ajustamentos de imposto a favor do Estado como consequência de reorganizações empresariais, alterações de atividade, societárias, da reafectação de ativos de uma atividade tributada para uma atividade isenta ou fora do âmbito do IVA (uso privado) ou da necessidade de regularizar a favor do Estado o IVA deduzido na aquisição de bens de investimento ou bens imóveis (caso tenha havido lugar a renúncia à isenção de IVA), que venham a impender sobre os operadores económicos;
Por outro lado, em termos de reconfiguração de negócios, por exemplo, no caso de trespasses e/ou transmissão do negócio, a correta aplicação dos requisitos previstos na lei é indispensável para garantir que, de uma perspetiva de IVA, a falta de liquidação de imposto ou a incorreta liquidação e dedução revelar-se-ão um custo com penalidades associadas.
Note-se ainda a aplicação uma extensão do âmbito de aplicação da isenção de IVA prevista na alínea a) do n.º 10 do artigo 15.º do Código do IVA às transmissões de bens a título gratuito efetuadas ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não governamentais sem fins lucrativos[13]. Assim, esta isenção passou a ser igualmente aplicável às transmissões de bens a título gratuito efetuadas ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não governamentais sem fins lucrativos, para posterior colocação à disposição de pessoas carenciadas, ainda que se mantenham na propriedade daqueles organismos.
Para este efeito são consideradas pessoas carenciadas aquelas que se encontrem a receber cuidados de saúde no atual contexto pandémico, as quais são consideradas vítimas da catástrofe.
Em termos práticos, isto vem permitir, que as entidades que procedam à doação de equipamentos para hospitais, para utilização em doentes no contexto do COVID-19 possam deduzir o IVA da aquisição destes equipamentos, não sendo, o IVA um custo para os mecenas, desde que garantidas os procedimentos necessários.
O novo “normal” no pós crise
Algo que se revela, tanto como uma oportunidade como um desafio nesta crise sanitária, são os “Acordos Transfronteiriços de IVA na UE”, ou “VAT Cross Border Rulings” (CBR)[14].
Na prática, este tipo de acordos visa permitir aos sujeitos passivos a obtenção de orientações prévias no que respeita à qualificação e tratamento em matéria de IVA, de transações transfronteiriças complexas que envolvam dois ou mais Estados-Membros participantes. Caso os sujeitos passivos pretendam obter um acordo desta natureza, os mesmos deverão submeter o pedido junto das Autoridades Fiscais no Estado-Membro onde se encontram registados em sede de IVA. Este pedido deverá ser submetido em cumprimento das disposições legais em vigor nesse mesmo Estado-Membro, o que não significa, contudo, que as condições jurisdicionais locais sobre a submissão de pedidos de acordos necessariamente se apliquem aos CBR’s. Se dois ou mais sujeitos passivos estiverem envolvidos, o pedido deverá ser efetuado apenas por um deles, atuando este em nome dos restantes. Saliente-se que este tipo de acordo apenas pode ser solicitado mediante o cumprimento estrito de dois requisitos fundamentais.
Em primeiro lugar, se se tratar de uma operação complexa, em segundo, se apresentarem um carácter transfronteiriço (operações que envolvam dois ou mais Estados-Membros participantes do projeto piloto). Em boa verdade o tratamento em sede de IVA das operações transfronteiriças nem sempre é óbvio e imediato, o que pode originar enquadramentos incorretos de operações, aumentando-se, por consequência direta, o litígio tributário entre contribuintes e Administrações Fiscais. À medida que os negócios se tornam globais na sua escala, aumenta igualmente a possibilidade das operações económicas se encontrarem envoltas em litigância de IVA, atentas as diferenças existentes entre Estados-Membros ao nível deste imposto, em razão das interpretações díspares de algumas normas da Diretiva IVA.
A situação de pandemia originada pela propagação do coronavírus (COVID-19) veio aumentar a incerteza no contexto das transações e da atividade económica mundial como um todo. Qualquer medida que possa reduzir os níveis de insegurança por parte dos operadores económicos é desejável. Os CBR’s em matéria de IVA são, assim, uma boa notícia. Uma âncora de segurança sobre fiscalidade indireta na tomada de decisões, facilitadora das operações de investimento por parte de grupos económicos a uma escala transnacional.
À semelhança de Portugal, outros países como a Bélgica, Espanha, França, Holanda, Itália ou Reino Unido integram também o projeto piloto, curiosamente, países que, de forma mais ou menos acentuada, foram e são afetados pela recente pandemia. Poderá ser o caso da nova crise sanitária sedimentar os CBR em sede de IVA como uma prática corrente entre empresas e Estados, possa o projeto piloto singrar. Seria este um sintoma de salutar concorrência tributária.
A jusante, prevê-se que a médio prazo iremos todos passar por um período de dificuldades com ecos da crise financeira de 2008:
- Recessão económica – é evidente que 2020 será um ano de recessão, de dimensão dependente da duração do fecho da economia. Já li sobre vários analistas e entidades credíveis que estimam uma descida do PIB de 2% por cada mês que estivermos sem produzir. Concordo com esta abordagem em função do tempo de paragem, assim como com a tese de que os países que se fecharam cedo (como Portugal) sofrerão menos danos económicos a prazo;
- Recomeço da economia – é fundamental abrirmos a economia logo que possível para voltarmos ao trabalho e começarmos a nossa recuperação económica. Penso que esta abertura, que poderá ter início durante o mês de maio, será gradual e controlada. Assim sendo, podemos voltar ao crescimento económico na ordem dos 1%-2% (não linear, mas em dinâmica de pára-arranca devido ao impacto setorial diferenciado) já em 2021. Alguns setores jamais voltarão ao que eram pré-Covid-19 e por isso haverá um aumento do desemprego, que alguns estimam em 10%-12% em 2020 e descendo para a ordem dos 8% em 2021;
- Nova dinâmica nas empresas – até haver uma arma eficaz contra o Covid-19 as empresas terão que adotar estratégias de defesa organizacional. Haverá um novo racional de trabalho – por células. As empresas terão que planear as operações rigorosamente e, em cada momento, saber quem está nas instalações e limitar a movimentação dos seus colaboradores. Haverá sempre alguém em trabalho remoto. Na eventualidade de haver uma infeção têm que saber exatamente qual a célula a colocar em quarentena sem comprometer a saúde de toda a sua força de trabalho nem o funcionamento da empresa. Se a segunda onda de Covid-19 chegar no próximo outono/inverno e ainda não houver a vacina, as nossas empresas e as infraestruturas do estado estarão mais preparadas;
- Nova filosofia de gestão – esta crise obrigou muitos gestores a uma reflexão profunda. Creio que muitos irão reorientar as suas empresas para um posicionamento mais defensivo (pelo menos durante uns anos): consolidação em vez da expansão, resiliência em vez da eficiência, proteção em vez da promoção. Antecipo mais economia de qualidade e menos economia de crescimento;
- Vantagens competitivas – Portugal terá uma oportunidade para jogar as suas vantagens competitivas. A relação preço-qualidade dos nossos produtos e serviços será uma alternativa interessante para empresas multinacionais que durante a crise viram os seus fornecimentos e canais de distribuição interrompidos por estarem dependentes de uma só fonte ou uma só geografia (por exemplo na Ásia). O turismo em Portugal voltará porque Portugal vai continuar a oferecer o que oferecia antes, mas agora reforçado pelo selo de qualidade de sermos um país ainda mais seguro e confiável porque soube lidar com a crise e cuidar de quem cá vive de forma admirável.
Prever o futuro é intrinsecamente difícil, sobretudo quando se trata do rescaldo da maior crise económica e social alguma vez vivida, ou sequer imaginada, pela esmagadora maioria da nossa população. Vamos todos emergir desta clausura para encontrar um mundo bem diferente. As pessoas vão relacionar-se de forma diferente, vai haver alguma relutância em estarmos em grandes aglomerados de gente e em espaços confinados com estranhos, mas por outro lado vamos estar mais próximos dos nossos familiares e amigos, pôr em prática mais cidadania e passar a respeitar definitivamente o ambiente. As empresas vão evoluir do choque inicial e do modo atual de sobrevivência para as fases de adaptação à nova realidade – desenvolver resiliência e definir novos modelos de crescimento mais sustentáveis. O crescimento em si vai deixar de ser o Cálice Sagrado da gestão, mas sim um meio para atingir um fim. Ainda estaremos num estádio preliminar para perceber o verdadeiro impacto da pandemia, tanto em Portugal, como a nível mundial, mas mantém-se a esperança que tudo passe e regularize em breve, e que as medidas implementadas por cada Governo – as quais irão certamente sendo atualizadas e complementadas ao longo do tempo e consoante as necessidades – consigam efetivamente ajudar a que se consiga ultrapassar a situação atual e a que volte a ser tudo novamente business as usual.
Referências:
[1]- Cfr., OECD (2020), “Evaluating the initial impact of COVID containment measures on economic activity”; OECD (2020), Flattening the COVID-19 peak: Containment and mitigation policies, OECD, Paris; OECD (2020), “Tax and Fiscal Policy in Response to the Coronavirus Crisis: Strengthening Confidence and Resilience”.
[2]- Para uma atualização das medidas adotadas em sede de IVA pelos diversos países, e concretamente, sobre o trabalho em matéria fiscal desenvolvido pela OCDE no contexto desta pandemia, disponível em: http://www.oecd.org/tax/tax-and-fiscal-policies-central-to-governments-responses-to-covid-19-crisis.htm
[3]- Os estabilizadores automáticos consistem na perda de receita fiscal e aumento das prestações sociais no decorrer de uma desaceleração económica ou de uma recessão. Isto é, os estabilizadores automáticos correspondem às variáveis orçamentais, tanto do lado da despesa como da receita, que reagem automaticamente ao ciclo económico, reduzindo as suas flutuações. Desta forma, tudo o resto constante, sem qualquer alteração discricionária de politica orçamental, o saldo orçamental tende a melhorar em anos de crescimento económico e a agravar-se durante recessões. Por exemplo, se o desemprego aumenta, a despesa com subsídios de desemprego também aumenta e as receitas do imposto sobre o rendimento tendem a diminuir, mitigando o impacto da recessão económica
[4]- Este pacote é composto pela Diretiva 2018/1910, pelo Regulamento (UE) 2018/1909, do Conselho, bem como pelo Regulamento de Execução (UE) 2018/1912, do Conselho, todos de 4 de Dezembro de 2018. Estas Quick Fixes surgem no âmbito do designado Plano de Acão sobre o IVA criado em 2016, cujo intuito é a criação de um regime definitivo de IVA para o comércio transfronteiriço intra-União (mais simples e impulsionador do mercado comum e das trocas transfronteiriças) baseado no principio da tributação no Estado-Membro de destino dos bens, a fim de criar um espaço único de IVA na União Europeia. Cfr., COM(2016) 148 final.
[5]- Consideram-se custos de conformidade os custos relacionados com os investimentos e despesas em que incorrem as empresas e os cidadãos para cumprir obrigações substantivas ou prescrições previstas numa determinada norma jurídica. Por sua vez, os custos administrativos, são os custos suportados pelas empresas em resultado de atividades administrativas para cumprir obrigações de informação, também previstas em normas jurídicas.
[6]- Este pacote é constituído pela Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, pelo Regulamento (UE) 2017/2454 do Conselho e pelo Regulamento de Execução (UE) 2017/2459 do Conselho, todos de 5 de Dezembro de 2017; pela Diretiva (UE) 2019/1995 do Conselho e Regulamento de Execução (UE) 2019/2026 do Conselho, todos de 21 de Novembro de 2019; e finalmente faz ainda parte o Regulamento de Execução (UE) 2020/194 do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2020.
[7]- Cfr., COM(2018) 21 final.
[8]- John Brondolo, Collecting Taxes During an Economic Crisis: Challenges and Policy Options, International Monetary Fund, July, 2009.
[9]- Ruud de Mooij e Michael Keen, “‘Fiscal Devaluation’ and Fiscal Consolidation: The VAT in Troubled Times”, in Fiscal Policy afer the Financial Crisis, University of Chicago Press, December, 2011, pp. 443-485.
[10]- A expressão “fraude” pode abarcar uma multiplicidade de condutas e de comportamentos que, na essência, se traduzem em privar intencionalmente o credor tributário do recebimento de uma receita que lhe é devida e que está legalmente autorizado a cobrar. A fraude fiscal traduz, pois, um qualquer esquema que visa a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. No que ao IVA diz respeito e ao contrario de outros impostos, existem duas vertentes que têm, particularmente, permitido a implementação de esquemas fraudulentos: por um lado, a manipulação da responsabilidade na liquidação do IVA e, por outro, a abusiva utilização do mecanismo da dedução, de modo a obter o reembolso (indevido) do Estado de avultadas quantias.
[11]- O VAT Gap traduz a diferença entre as receitas provenientes do IVA que são esperadas pelos Estados-Membros e o montante que efetivamente entra nos cofres públicos e que de acordo com o relatório publicado pela Comissão Europeia em 2019 referente ao ano de 2017, em que é analisado o período compreendido entre 2013-2017, o valor do VAT Gap foi de 137.5 mil milhões de euros. Este relatório aponta ainda uma estimativa para que no ano de 2018 este valor fique abaixo dos 130 mil milhões de euros. Cfr., Study and Reports on the VAT Gap in the EU-28 Member States: 2019 Final Report, Warsaw, September 4, 2019.
[12]- European Comission, Study to quantify and analyse the VAT Gap in the EU-27 Member States – Final Report, Warsaw, July 2013.
[13]- Ofício Circulado N.º 30220, de 29-04-2020.
[14]- Trata-se de um projeto piloto resultante da atividade do Fórum IVA. O grupo de especialistas do Fórum IVA foi instituído por decisão da Comissão em 2012 , com o propósito de contribuir para a construção de um Sistema IVA mais robusto, simples e feito à medida do mercado único. Este Fórum consiste num canal de comunicação ao nível da União Europeia (UE), no qual as Autoridades Fiscais dos Estados Membros em conjunto com representantes de diversas atividades económicas, especialistas fiscais e a própria Comissão discutem aspetos práticos da administração do IVA, incluindo temas relevantes na luta contra a fraude e evasão fiscal.