Miguel Pestana de Vasconcelos
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Professor da Porto Business School (PBS). Antigo Diretor e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (2014-2019). Autor de múltiplos artigos, capítulos de livros (em inglês, espanhol, francês e alemão) e livros sobre direito bancário, direito das garantias, direito da insolvência, recuperação de empresas, direito comercial e direito das obrigações.
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1. Introdução
I. Em virtude da forte diminuição da atividade económica durante o período de estado de emergência (declarado através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, regulamentado pelo Decreto n.º 2 -A/2020, de 20 de março), com vista a minorar os seus efeitos sobre as famílias, em matéria de crédito à habitação própria permanente, e das empresas nacionais, para assegurar o reforço da sua tesouraria e liquidez, foi criado um regime específico de moratória (art. 4.º do Dec.-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março) na realização de determinados pagamentos com vigência até 30 de setembro de 2020 (art. 12.º do Dec.-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março).
II. É essa disciplina que nos seus aspetos centrais se passa agora em revista.
Começaremos pela delimitação do âmbito de aplicação, tanto em termos subjetivos, relativos aos beneficiários e as suas contrapartes, como objetivos, os contratos que as ligam, para depois nos deteremos no regime em si. Na medida do possível, iremos seguir a estrutura do diploma.
2. O âmbito subjetivo
2.1. As entidades beneficiárias
I. A disciplina aplica-se a empresas, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e certas pessoas singulares (as “entidades beneficiárias” – art. 2.º, n.º 5).
Quanto às primeiras, recorre-se a uma noção de empresa como pessoa, neste caso pessoas coletivas, e não como objeto integrado no património do sujeito. Exige-se que elas tenham sede e exerçam a sua atividade económica em Portugal [art. 2.º, n.º 1, al. a)] e sejam classificadas como microempresas, pequenas ou médias empresas de acordo com Recomendação 2003/361/CE da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003 [art. 2.º, n.º 1, al. b)]. Apesar desta aparente limitação, a lei estende no n.º 3 o universo das empresas abrangidas, excluindo só as do setor financeiro[1].
II. É ainda necessário que não estejam a 18 de março de 2020 em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias há mais de 90 dias junto das instituições concedentes de crédito[2] (mas não junto de outros entes, que não estes), ou, estando, não cumpram o critério de materialidade previsto no Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2019 e no Regulamento (UE) 2018/1845 do Banco Central Europeu, de 21 de novembro de 2018 [art. 2.º, n.º 1, al. c)]. O critério utilizado é o mesmo que se recorre para a qualificação dos créditos como créditos não produtivos, ou seja, emergentes de non performing loans.
III. Constitui requisito adicional não se encontrarem (18 de março de 2020) em “situação de insolvência, ou suspensão ou cessão de pagamentos” ou “estejam já em execução por qualquer uma das instituições” [art. 2.º, n.º 1, al. c)]. O último caso não gera dificuldades: tendo-se iniciado a execução, não está abrangido. Os outros dois não são óbvios.
A cessação [a lei diz “cessão”, mas é seguramente lapso de escrita – cessão é transmissão; cessação é deixar de pagar, que é o que a lei pretende dizer] de pagamentos é um dos factos índices da insolvência (“suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” – art. 20.º, n.º 1 al. a) CIRE), mas não significa que o sujeito esteja efetivamente insolvente.
A lei não diz se estamos perante um caso de cessação ou suspensão da generalidade dos pagamentos ou se de todos os pagamentos. Cremos que a interpretação deste requisito deve fazer-se em articulação com o caso mais próximo que é, como se disse, o art. 20.º, n.º 1, al. a) CIRE. Basta que o devedor estivesse em incumprimento de maior parte das suas obrigações vencidas, em particular as que pelo seu relevo demonstrem a sua incapacidade de cumprir.
Nessa medida, é um requisito redundante relativamente à insolvência em si, uma vez que esta significa, numa das suas modalidades, que o sujeito está impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas (que não precisam de ser todas). Só em casos limitados uma situação com estas caraterísticas não consistirá efetivamente numa situação de insolvência, na sua primeira modalidade.
IV. Resta saber se a lei ao distinguir quer abranger na insolvência a sua segunda modalidade, que consiste na situação de manifesto excesso do passivo sobre o ativo, apurados de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis. Numa primeira leitura, ambas estariam abrangidas.
Não creio, porém, que assim seja.
O critério do excesso manifesto é inseguro e difícil de concretizar em termos gerais. Depende sempre de um conjunto de outros fatores relativos, p. ex., ao setor de atividade, à evolução da situação financeira, à causa do desequilíbrio. A isto acresce a faculdade que o devedor tem de demostrar de acordo com os critérios do art. 3.º, n.º 3. als. a) a c) CIRE, que o seu ativo é superior ao ativo.
Dado o caráter da medida, a aferição desta situação de insolvência é impossível num curto período de tempo. Por isso, se a empresa continua a cumprir a generalidade das suas obrigações, ela deve poder aceder à moratória, independentemente da relação ativo/passivo.
V. A lei exige, por fim, cumulativamente que as empresas tenham a situação regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social, na aceção, respetivamente, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não relevando até ao dia 30 de abril de 2020, para este efeito, as dívidas constituídas no mês de março de 2020 [art. 2.º, n.º 1, al. d)].
VI. As pessoas singulares estão abrangidas, se o contrato for crédito para habitação própria permanente. Para tal, é necessário que, à data de publicação do decreto-lei, elas tenham residência em Portugal e preencham as condições referidas nas alíneas c) e d) do n.º 1.
Não basta, porém: é ainda necessário que estejam em situação de isolamento profilático ou de doença ou prestem assistência a filhos ou netos, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial, em situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., bem como os trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente, nos termos do artigo 26.º do referido decreto-lei, e os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência, nos termos do artigo 7.º do Decreto n.º 2 -A/2020, de 20 de março;
VII. O regime é depois alargado aos empresários em nome individual, às instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e as demais entidades da economia social (exceto aquelas que reúnam os requisitos previstos no artigo 136.º do Código das Associações Mutualistas, aprovado em anexo ao Dec.-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto), que, à data de publicação dodecreto-lei, preencham as condições supra referidas nas alíneas c) e d) do n.º 1 e tenham domicílio ousede em Portugal [art. 2.º, n.º 2, al. b)].
2.2. Os concedentes de crédito
I. Em termos subjetivos, as contrapartes dos beneficiários têm necessariamente que ser instituições de crédito, sociedades financeiras de crédito, sociedades de investimento, sociedades de locação financeira, sociedades de factoring e sociedades de garantia mútua, bem como por sucursais de instituições de crédito e de instituições financeiras a operar em Portugal (art. 3.º, n.º 1).
O que bem se compreende, porque, como veremos de seguida, o que se pretende regular são determinados contratos – as operações de crédito – entre os beneficiários e, essencialmente, a banca. As relações, mesmo de crédito, ente outros sujeitos, como, p. ex., o crédito comercial traduzido na concessão de um prazo para pagamento, muito comum na prática mercantil, estão excluídos.
3. O âmbito objetivo
I. O diploma aplica-se a determinadas “operações de crédito” celebradas entres os sujeitos supra referidos (art. 3.º, n.º 1), que não define. Resulta do disposto no número seguinte que se trata de crédito em sentido muito amplo, em sentido económico, abrangendo, mútuos, aberturas de crédito, antecipações bancárias, desconto, locação financeira, cessão financeira (factoring) e uma panóplia de outros contratos que conjuguem elementos desses negócios.
Nessa medida, incluem-se também formas indiretas de concessão de crédito, como a prestação de garantias por parte de uma instituição de crédito, ou outra, para o seu beneficiário obter um financiamento em si de uma outra entidade.
II. Excluídos estão só determinados tipos de créditos, que a lei enumera no art. 3.º, n.º 2: crédito ou financiamento para compra de valores mobiliários ou aquisição de posições noutros instrumentos financeiros, quer sejam garantidas ou não por esses instrumentos [no art. 3.º, n.º 2, al. a)]; crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais, para fixação de sede ou residência em Portugal, incluindo para atividade de investimento, com exceção dos cidadãos abrangidos pelo Programa Regressar [art. 3.º, n.º 2, al. b)]; crédito concedido a empresas para utilização individual através de cartões de crédito dos membros dos órgãos de administração, de fiscalização, trabalhadores ou demais colaboradores [art. 3.º, n.º 2, al. c)].
4. O conteúdo da moratória (art. 4.º)
A moratória traduz-se em três medidas, só uma delas sendo uma moratória, em sentido estrito, isto é uma extensão do prazo conferida pelo credor ao devedor, sem que ele incorra em mora.
Assim, ela inclui a proibição de revogação (4.1.), a extensão do prazo (4.2.) e a suspensão da obrigação de capital e de juros (4.3.).
Vejamos cada uma delas.
4.1. A proibição de revogação
I. Determina-se a proibição de revogação, total ou parcial, de linhas de crédito contratadas e empréstimos concedidos, nos montantes contratados durante o período em que vigorar a medida.
Estamos essencialmente perante aberturas de créditos e empréstimos. As primeiras podem assumir formas diferentes, mas que tem em comum o direito do creditado de utilizar os montantes do plafond, em regra com uma cláusula de conta corrente, que permite repor o valor da quanta disponibilizada com as restituições que sejam realizadas.
Os contratos de abertura de crédito podem, como se sabe, ser celebrados por tempo determinado ou por tempo indeterminado[3]. No primeiro caso, estão em regra previstas cláusulas de prorrogação automática; no segundo, podem ser feitos cessar a qualquer momento através de denúncia, com observância de pré-aviso. Qualquer dos casos está abrangido por esta disposição: nem o saldo pode ser reduzido, nem os contratos (celebrados por tempo indeterminado) poderão ser denunciados ou feitos cessar por oposição à prorrogação. Se o contrato for celebrado a termo sem uma cláusula de prorrogação automática, aplica-se a disposição seguinte e o prazo estende-se durante o período de tempo de vigência da medida.
Uma das modalidades de abertura de crédito consiste no direito movimentar o saldo quando este tenha valor negativo até ao valor acordado. Para isso, é necessário que tenha havido acordo nesse sentido. Não se confunde com simples permissão, a avaliar caso a caso pelo banco, de utilização do saldo. Mesmo que tenha sido concedida no passado, o banco não está, em regra, obrigado a concedê-la no futuro.
II. A refere-se depois a empréstimos. Estes contratos em regra tem um prazo que será a favor de ambas as partes, como presume o art. 1147.º, ou a favor do devedor, que pode pagar antes do decurso do prazo, embora eventualmente com penalizações. A lei parece referir-se a uma das modalidades de concessão de crédito: aquela em que o prazo é a favor do credor que pode exigir a restituição da quantia, no todo ou em parte, mediante a interpelação do outro contraente. Não sendo tecnicamente mútuos, são contratos próximos[4]. Neste caso, o credor não pode exercer essa faculdade nesse período de tempo.
Podem ainda tratar-se empréstimos ou aberturas de crédito, relativamente aos quais se tenha verificado um facto que permita o exercido antecipado do direito à restituição do bem objeto do contrato, por alteração da sua situação financeira ou por incumprimento desse contrato, ou de um outro contato celebrado entre o devedor e esse credor ou entre o devedor e um terceiro (cláusulas de cross default)[5].
O mesmo sucede para os casos em que o devedor não tenha cumprido o dever de prestar garantias adicionais com fundamento na desvalorização, que pode ser muito acentuada, do valor da garantia inicial, nomeadamente quando exista uma relação de proporcionalidade entre a obrigação garantida e o valor desta (que é típico na antecipação bancária[6]), sempre que não estejamos face aos casos previstos no art. 4.º, n.º 4 (ver, infra, n.º 4.4.).
4.2. A extensão do prazo dos contratos de crédito
I. A lei estabelece a extensão do prazo dos contratos de crédito (no sentido amplo que começamos por apontar) cujo pagamento de capital se vença decorrido o prazo negocial por um período igual ao da vigência da medida (e não somente até ao fim da vigência da medida), mantendo-se os seus termos. O contrato é o mesmo, o prazo é que se alarga. Assim, os juros correspondentes à disponibilização do prazo adicional serão devidos. Contudo, se se vencerem dentro do período em vigor devem capitalizados à taxa em vigor a essa data [art. 4.º, n.º 3, al. c)].
As garantias de qualquer natureza, acessórias ou autónomas, reais ou decorrentes do recurso à titularidade do direito como garantia, prestadas pelo devedor ou por terceiro (nomeadamente, empresas de seguro), qualquer que seja o seu objeto, estendem-se igualmente pelo referido período. A solução é a mesma para os contratos que cessassem no espaço de tempo da medida.
4.3. A suspensão de pagamentos
I.A última medida é diz respeito à suspensão de um conjunto de pagamentos de obrigações diversas emergentes dos contratos de crédito durante o período de vigência da medida. Com efeito, naqueles contratos que prevejam o pagamento do capital, ou outras prestações pecuniárias, em diversas prestações com vencimento escalonado ao longo tempo que durar a medida, ou a prestações compósitas, constituídas por uma parte de capital e outra de juros, comissões e outros encargos, o seu pagamento suspende-se até à cessação da medida.
Estas últimas são prestações financeiras, como as rendas da locação financeira (e só a esta modalidade de rendas – rendas financeiras – se pode referir a lei, e não a outras, como é claro), ou as prestações dos mútuos decorrentes de créditos à habitação, em regra com vencimentos mensais.
Haverá que distinguir a parte da restituição do capital e aquela correspondente aos juros. Em qualquer hipótese, o prazo contratual estende-se por um período idêntico ao da vigência da medida. O que implica, quanto às restituições de capital, que elas não têm que ser realizadas no período de duração da medida, porque o serão mais tarde. No que toca aos juros, eles não deixam de se constituir calculados pela taxa acordada sobre o montante do capital em dívida (que podem variar, sempre que tomem por base um indexante), mas não são pagos neste espaço temporal. Com efeito, o seu valor, tal como sucede quanto à medida anterior, será capitalizado se se vencerem durante esse período à taxa em vigor [art. 4.º, n.º 3, al. c)].
O mesmo sucede com as comissões, nomeadamente de gestão do empréstimo. Não são devidas, mas podem ser acrescentadas ao capital, uma vez que correspondem a um serviço prestado neste período de tempo. Como referimos no número anterior, o contrato mantém-se com as alterações referidas. O mesmo sucede com as garantias destes créditos: elas estendem-se igualmente nos termos referidos, quer sejam prestadas pelo devedor, quer por terceiros, qualquer que seja a sua natureza. Diga-se, por último, que os beneficiários podem solicitar que somente o pagamento do capital, ou de parte deste, seja suspenso (art. 4.º, n.º 2)
4.4. Incumprimento contratual, vencimento antecipado e ineficácia ou cessação das garantias
I. Tanto relativamente aos casos de extensão do prazo e da suspensão de pagamentos, a lei procura afastar qualquer possibilidade da produção de efeitos que possam obstar a essas prorrogações e suspensões, algumas delas sendo um simples reforço do que o anteriormente estatuído.
II. Com essa finalidade, dispõe-se expressamente que a extensão dos prazos por força da lei não dá origem a um incumprimento contratual [art. 4.º, n.º 3, al. b)]. Os casos previstos seriam aqueles, raros, em que as cláusulas contratuais equiparem um evento desta natureza ao incumprimento do contrato. Fora destas situações muito específicas, a existência de lei sobre a matéria afastaria qualquer responsabilidade contratual. O sentido da lei é que também não possam ser usadas para esse efeito, bloqueando-as.
O mesmo raciocínio vale para as cláusulas de vencimento antecipado, ou seja, aquelas em se atribua este efeito a um evento desta natureza, isto é, a extensão, por força da lei dos prazos de pagamento de capital, rendas, juros, comissões e demais encargos [art. 4.º, n.º 3, al. b)].
III. Estando as garantias ligadas, tanto à concessão de crédito, como à manutenção do crédito concedido, a lei, como se viu, estende o seu prazo de forma simétrica ao contrato de crédito. Pode dar-se o caso, porém, de existirem cláusulas contratuais que façam cessar as garantias quando prestadas pelo devedor ou por terceiro, qualquer que seja a sua natureza, a este tipo de circunstâncias, isto é, a uma intervenção legislativa que estenda os prazos contratuais. Daí a lei ter impedido qualquer ineficácia ou cessação das garantias nesta hipótese, especificando algumas modalidades como os seguros, as fianças ou avales [art. 4.º, n.º 3, al. d)].
IV. Caso diferente é o do direito do credor de exigir de imediato garantias adicionais, sempre que se desvalorize o valor da garantia, como sucederá em muitas destas situações, em especial se existir uma relação contratual de proporcionalidade entre o valor da garantia e o montante em dívida, que é típico da antecipação bancária. A solução legal foi a de estender os prazos também para estas obrigações, se a garantia for constituída por “colaterais financeiros” (art. 4.º, n.º 4). A disposição não define o que sejam “colaterais financeiros” (recorrendo aliás a uma expressão que existe com outro significado na língua portuguesa, mas que resulta de um suposto neologismo decorrente do termo inglês collateral, e que tem o significado de garantia), sendo por isso necessariamente remetidos para o regime dos contratos de garantia financeira, decorrente do Dec.-Lei n.º 105/2004, de 8/5.
Nos termos desse diploma, podem ser objeto dessas garantias: “numerário” [que consiste em determinados créditos pecuniários – art. 5.º n.º 1 alínea a) do Dec.-Lei n.º 105/2004, de 8/5], “instrumentos financeiros” [art. 5.º n.º 1 alínea b) do Dec.-Lei n.º 105/2004, de 8/5] ou “créditos sobre terceiros” [art. 5.º n.º 1 alínea c) do Dec.-Lei n.º 105/2004, de 8/5][7]. Quando assim for, verificando-se um evento que permita ao credor exigir uma garantia adicional (top up collateral), ele só o poderá exercer esse direito decorrido o prazo pelo qual os créditos foram estendidos.
O mesmo sucede com as cláusulas de stop losses (art. 4.º, n.º 4): o credor só pode exercer o direito, que adquire, depois decorrido esse período de tempo. Sublinhe-se: os direitos em qualquer dos casos são adquiridos, só lhes é fixado um prazo para o seu exercício.
V. Ainda relativamente às garantias (designadamente de seguros, de fianças e/ou de avales), a sua prorrogação não carece de qualquer outra formalidade, parecer, autorização ou ato prévio de qualquer outra entidade previstos noutro diploma legal e são plenamente eficazes e oponíveis a terceiros, devendo o respetivo registo, quando necessário, ser promovido pelas instituições, com base no disposto no presente decreto -lei, sem necessidade de apresentação de qualquer outro documento e com dispensa de trato sucessivo (art. 4.º, n.º 6).
VI. Por fim, no que diz respeito a empréstimos concedidos com base em financiamento, total ou parcial, ou garantias de entidades terceiras sediadas em Portugal, as medidas previstas no art. 4.º, n.º 1, aplicam-se de forma automática, sem autorização prévia dessas entidades, nas mesmas condições previstas no negócio jurídico inicial. (art. 4.º, n.º 5).
5. A insolvência e recuperação do devedor
I. Se o devedor for declarado insolvente neste período de tempo, as suas obrigações vencem-se nos termos do art. 91.º CIRE, podendo (e devendo se os quiserem fazer valer) os credores reclamar os seus créditos. Os efeitos deste regime de moratória não se aplicam esses casos. De forma semelhante, a apresentação de um PER[8] ou de um RERE, não impede os credores de fazer valer os seus direitos nos termos decorrentes do regime dessas figuras. (art. 6.º, n.º 1).
6. As condições de acesso
A lei regula as condições de acesso no art. 5.º. De forma sumária: para o efeito é necessário que as entidades beneficiárias remetam, por meio físico ou por meio eletrónico, à instituição mutuante uma declaração de adesão à aplicação da moratória, acompanhada da documentação comprovativa da regularidade da respetiva situação tributária e contributiva. Ela deverá ser, no caso das pessoas singulares e dos empresários em nome individual, assinada pelo mutuário e, no caso das empresas e das instituições particulares de solidariedade social, bem como das associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social, assinada pelos seus representantes legais. (art. 5.º, ns. 1 e 2).
As instituições aplicam as medidas de proteção previstas
no art. 4.º no prazo máximo de cinco dias úteis após a receção da declaração e
dos documentos referidos, com efeitos à data da entrega da declaração, salvo se
a entidade beneficiária não preencher as condições estabelecidas no artigo 2.º,
caso em que a devem informar desse facto no prazo máximo de três dias úteis, mediante
o envio de comunicação através do mesmo meio que foi utilizado por ela
utilizado para remeter a declaração. (art. 5.º ns. 3 e 4).
[1] Nos termos do art. 2.º, n.º 4, pertencem ao sistema financeiro: “os bancos, outras instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica, intermediários financeiros, empresas de investimento, organismos de investimento coletivo, fundos de pensões, fundos de titularização, respetivas sociedades gestoras, sociedades de titularização, empresas de seguros e resseguros e organismos públicos que administram a dívida pública a nível nacional, com estatuto equiparado, nos termos da lei, ao das instituições de crédito”.
[2] Ver, infra, 2.2.
[3] Ver, desenvolvidamente, sobre estas figuras, M. PESTANA DE VASCONCELOS, Direito bancário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pp. 216, ss..
[4] Ver, sobre eles, e sua admissibilidade, M. PESTANA DE VASCONCELOS, Direito bancário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pp. 169, ss..
[5] Ver, sobre elas, M. PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das garantias, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pp. 693, ss.
[6] Ver, sobre este contrato, M. PESTANA DE VASCONCELOS, Direito bancário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pp. 211, ss
[7] Ver M. PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das garantias, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pp. 323, ss.
[8] Sobre ele, ver M. PESTANA DE VASCONCELOS, Recuperação de empresas: o processo especial de revitalização, Almedina, Coimbra, 2017.