José Manuel de Oliveira Antunes

Advogado e Consultor Jurídico de sociedades do sector das obras públicas, participa regularmente em Processos de Mediação e Arbitragem. Formador nas áreas do Direito Público e Docente convidado em Cursos de Pós-Graduação.

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Entre as várias causas justificativas da suspensão da execução dos contratos, conta-se o motivo de força maior ou o justo impedimento.

Vamos analisar em concreto, a aplicação de tal regime aos contratos de empreitada e em especial aos contratos de empreitada de obra pública.

Os contratos de empreitada de obra pública, são actualmente regulados pelo Decreto-Lei 18/2008 de 29 de Janeiro, o designado Código dos Contratos Públicos ou CCP, diploma que foi ao longo da sua vigência, objecto de sucessivas alterações, a última das quais em 2017, com a publicação do Decreto-Lei 111-B/2017 de 31 de Agosto.

Anteriormente a 2008, o regime jurídico das empreitadas de obra pública, encontrava-se regulado pelo Decreto-Lei 59/99 de 2 de Março, revogado pelo CCP.

Este regime jurídico, conhecido como RJEOP, definia a força maior, como o facto de terceiro ou facto natural ou situação, imprevisível e inevitável, cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais do empreiteiro, tais como actos de guerra ou subversão, epidemias, ciclones, tremores de terra, fogo, raio, inundações, greves gerais ou sectoriais e quaisquer outros evento da mesma natureza, que impeçam o cumprimento do contrato.

O CCP, não incluiu uma norma semelhante, tendo deixado assim, a regulação destas situações, para as normas gerais do direito civil e para o domínio do contrato administrativo.

Existe abundante doutrina e jurisprudência sobre o que se deve entender por caso fortuito ou caso de força maior. Para uma mais rápida consulta no caso de necessidade, remetemos para a biografia citada por Jorge Andrade da Silva (Código dos Contratos Públicos Anotado, 8ª edição, Almedina, 2019, pág. 865).

No domínio do Direito Civil, Alberto dos Reis (CPP anotado Vol. I, pág. 273), sublinha que “o justo impedimento actua como limitação ao efeito do prazo peremptório. Se a parte teve justo impedimento, para praticar o acto dentro do prazo, é admitida a prática do acto depois do prazo expirar”. Isto é, “evento imprevisto”, entendido no sentido de “evento que excede a previsão normal”.

Em sede de contratação pública, estamos no domínio do contrato administrativo, que também acolhe a aplicação do conceito de justo impedimento e por conseguinte, a possibilidade, diga-se mesmo o direito, de cumprir os prazos contratuais ou estabelecidos na lei, com a necessária e, de facto, até imperativa dilação, decorrente dos eventos anormais.

Os procedimentos a seguir pelo contraente executante da obra, no que se refere à verificação e comunicação dos factos, que considera consistirem um justo impedimento ou força maior, são de cumprimento obrigatório, independentemente do CCP, não regular especificamente estas situações, como acontecia na legislação anterior.

Assim, o empreiteiro deverá dar conhecimento ao dono da obra, directamente ou através da fiscalização, no momento, ou logo que lhe seja objectivamente possível, da verificação do facto, que entende ser um caso de força maior.

No caso vertente da situação actual de declaração de pandemia e subsequente declaração de estado de emergência, não se afigura suficiente, a simples invocação dessa situação em abstracto, como configurando um caso de força maior, que impeça o cumprimento dos prazos contratuais.

No caso da interrupção da execução dos trabalhos, por via da suspensão do contrato por motivo de força maior e a iniciativa for do dono da obra, isso enquadra-se dentro dos seus poderes de direcção da execução do contrato como entidade pública. Sem prejuízo das consequências de índole indemnizatória ou não, que possam ter lugar, se o empreiteiro decidir mais tarde, resolver o contrato, por a suspensão se prolongar por período superior a um quinto do prazo de execução da obra, conforme dispõe a alínea i) do artigo 406º do CCP. Não é essa questão indemnizatória, no entanto, o objecto deste texto sucinto.

Se a iniciativa, ocorrer por parte do executante dos trabalhos, é necessário que o mesmo, invoque e fundamente, quais os factos decorrentes da situação de excepção vigente, que afectam de modo efectivo o cumprimento do contrato.

É necessário levar em conta, que o estado de emergência só vigora por períodos de 15 dias, embora renováveis e que a legislação entretanto publicada, nomeadamente o Decreto-Lei 10-A/2020 e todos os diplomas subsequentes, são legislação excepcional e transitória.

Acresce que a legislação publicada, não contém disposições especificas referentes a contratos em execução.

Mas de facto, são as disposições de todo este pacote legislativo e a própria declaração de pandemia, que dão causa aos factos, que na esfera da execução de cada contrato, podem colocar em crise, os respectivos prazos de execução.

Entre os factos que mais correntemente têm surgido – nestas situações não é possível prever e muito menos enunciar todos – como condicionantes ou impeditivos da execução dos contratos nos termos dos respectivos prazos, contam-se: A confinação nas suas residências de trabalhadores afectos à obra; a interrupção de fornecimentos ou materiais necessários à execução dos trabalhos; a dificuldade ou impossibilidade de transportar os trabalhadores afectos ao plano de mão de obra, sem violar as normas em vigor sobre lotação de transporte; alojamento de trabalhadores em condições contrárias ao distanciamento social exigido e a impossibilidade de cumprir, total ou parcialmente, os planos de segurança e saúde, com as normas agora em vigor, sobre a proximidade social.

Estas situações, que são notoriamente factos imprevisíveis, inevitáveis e irresistíveis, configuram caso de força maior, desde que devidamente fundamentados, com a identificação das situações e das actividades da empreitada que afectam.

Dispõe a alínea a) do artigo 297º do CCP, que “a execução das prestações que constituem o objecto do contrato, pode ser total ou parcialmente suspensa” por “impossibilidade temporária de cumprimento do contrato”.

Apesar desta disposição se referir a uma suspensão ordenada pelo contraente público, nada impede a sua invocação fundamentada por parte do contraente executante, que conduzirá a entidade adjudicante, à consequente suspensão dos trabalhos.

Esta disposição, que já foi utilizada em contexto de crise económica e financeira muito recentemente, por maioria de razão é de aplicação evidente numa situação de pandemia e de estado de emergência declarado.

Cumulativamente ou não, o nº 3, alínea a) do artigo 366º do CCP, confere ao empreiteiro o direito de suspender a execução dos trabalhos por falta de condições de segurança.

As “condições de segurança”, exigidas na execução dos trabalhos em situação de normalidade, não são as mesmas que se encontram temporariamente em vigor derivadas da situação de excepção originada pela pandemia.

Cumpre por isso avaliar, em cada caso concreto, se o cumprimento das normas vinculativas sobre segurança das pessoas, exigidas no presente momento, são ou não, compatíveis com a execução do tipo e características dos trabalhos da obra em execução.

Seja qual for o motivo invocado para a suspensão por parte do empreiteiro, esta intenção deve ser comunicada ao dono da obra nos termos do nº 4 do artigo 366º do Código dos Contratos Públicos, a que se seguirá a elaboração do respectivo Auto, nos termos do artigo 345º do CCP.

Na actual situação de natureza absolutamente excepcional, muitas questões novas, sobre os contratos em execução, se vão seguramente colocar. Este texto, pretende ser apenas um mero contributo, para situações prementes, que em situação de força maior, não são susceptiveis de aguardar por solução legislativa futura.