Indalécio Sousa

Advogado. Mestre em Direito: Especialidade em Ciências Jurídico-Forenses (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)

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Cíntia Andrade

Advogada. Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito Civil (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)

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O impacto do Coronavírus (COVID-19) é transversal a toda a sociedade, sendo particularmente incisivo no complexo das relações familiares. Trata-se de um novo – verdadeiramente exigente – desafio no atual contexto global de pandemia.

A recomendação de permanência em isolamento domiciliário (quarentena voluntária ou obrigatória), por ter um impacto direto na liberdade de circulação das pessoas, poderá tornar inexequível o cumprimento do exercício das responsabilidades parentais.

Devem os progenitores divorciados ou separados de pessoas e bens, com filhos menores em comum, cumprir o regime de guarda partilhada com residência alternada ou o regime de visitas? Estamos perante um incumprimento do regime das responsabilidades parentais se o menor não for entregue ao outro progenitor? Precisamos, antes de mais, indagar as eventuais consequências legais resultantes do incumprimento do regime das responsabilidades parentais.

Desde logo, no âmbito dos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevê o artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro), que se um dos progenitores não cumprir com o regime das responsabilidades parentais – acordado pelos progenitores ou imposto pelo Tribunal -, pode o outro progenitor requerer ao Tribunal as diligências necessárias para o seu cumprimento coercivo e o pagamento de multa, sem prejuízo da condenação em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.

No âmbito do procedimento criminal, o progenitor que viole de modo repetido e injustificado (ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a entrega do menor) o regime estabelecido na regulação do exercício das responsabilidades parentais, é punido com pena e prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias (artigo 249.º do Código Penal).

Conhecidas a breve trecho as consequências legais previstas para o incumprimento do regime das responsabilidades parentais, por se tratar de uma contingência potenciadora do seu incumprimento, é indispensável chamar à colação a atual conjuntura de pandemia de COVID-19.

A situação de exceção e a proliferação de casos de contágio de COVID-19 exigiu a aplicação de medidas extraordinárias e de caráter urgente de restrição de direitos e liberdades, a implementar durante a vigência do estado de emergência, com vista a prevenir a transmissão do vírus. Uma das medidas excecionais decretadas foi a restrição à liberdade de circulação na via pública, salvo algumas exceções de ordem imperativa, designadamente, deslocações para “(…) o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente.” – Cfr. artigo 5.º, n.º 1, alínea j), do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março. Em termos estritamente legais, não restam dúvidas que a previsão desta exceção ao dever geral de recolhimento domiciliário implica o cumprimento do regime das responsabilidades parentais.

Sem prejuízo, sendo evidente que estamos perante uma situação de exceção, fará sentido num regime de guarda partilhada com residência alternada, sujeitar o menor à troca de residência, elevando o risco de contágio? Deverá antes ser privilegiado um acordo entre ambos os progenitores – que dê prioridade ao bem-estar e segurança dos menores -, em detrimento daquele que é o cumprimento rigoroso do regime das responsabilidades parentais?

Salvo melhor opinião, sem olvidar que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores são exercidas em comum por ambos os progenitores (artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil), no atual cenário de pandemia, somos em crer que o dever de contenção prevalece sobre o regime das responsabilidades parentais. É que no confronto direto entre o direito à segurança e o direito de convívio dos menores com os seus progenitores, não nos restam grandes reservas que o primeiro sobrepõe-se ao segundo.

Uma vez que a própria lei já prevê restrições ao exercício das responsabilidades parentais quando o superior interesse da criança o exija, dado o atual período de contingência, somos em crer que deve imperar, acima de tudo, o bom senso. O superior interesse da criança deve sempre prevalecer ao regime de guarda estabelecido, não podendo ser entendido como incumprimento a violação do regime das responsabilidades parentais com fundamento na obrigação de distanciamento social.

Se é verdade que a democracia não pode ser suspensa, acrescentamos que nas relações afetivas entre pais e filhos, mais do que nunca, de modo a evitar a quebra dos laços afetivos, deve ser promovido o contacto com o progenitor com quem a criança não se encontre (v.g., videochamadas, fotografias ou contactos telefónicos), sem prejuízo de os progenitores acordarem na compensação de dias de convívio após o fim do período de quarentena.