Catarina Gomes Mendes Noronha
Licenciada e mestre em direito fiscal pela UCP – Porto. Pós-graduanda em Contratação Pública pelo CEDIPRE
O combate ao planeamento fiscal agressivo assume, nos dias de hoje, um lugar cimeiro nas agendas políticas da maioria dos governos[1].
A edificação de uma Europa coesa e preparada para enfrentar desafios económicos à escala global exige um plano de combate eficaz a estes esquemas, necessariamente complementado por uma luta pela transparência fiscal que promova a troca de informação tributária entre os Estados[2].
A construção de técnicas de combate à fraude e evasão fiscal é quase tão antiga como os próprios esquemas ilícitos. Contudo, a eclosão de escândalos fiscais recentes, envolvendo multinacionais como a Nike, a Apple ou a Amazon deixaram a descoberto a debilidade do sistema fiscal e paralelamente, a facilidade com que este era contornado[3] – contribuindo, inevitavelmente, para o seu descrédito.
Tendo em consideração o cenário de consternação social e crise política emergente da sucessiva eclosão de esquemas de planeamento fiscal agressivo, surge a DAC6, correspondendo esta à sexta-alteração da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro – “Directive on Administrative Cooperation – DAC”. A DAC6 visa introduzir, no ordenamento jurídico europeu, as recomendações constantes do relatório final da Ação 12 do projeto BEPS[4] (“Base Erosion and Profit Shifting”) da OCDE/G20, relativo às “mandatory disclosure rules” – transposta para o ordenamento jurídico nacional pela Lei 26/2020, de 21 de julho.
Isto dito, estava lançado o caminho daquela que se revelaria a “nova geração” de reporte e deteção de esquemas de planeamento fiscal à escala europeia e internacional. Contudo, tendo em consideração a densidade das disposições legislativas, bem como o seu carácter inovador, seria imprescindível a elaboração de um guia prático, as denominadas guidelines, para uma correta aplicação da lei, sob pena de esta se tornar obsoleta[5].
Perante este cenário de incerteza quanto à sua aplicação, bem como o desconhecimento do seu modus operandi, a Autoridade Tributária, à semelhança de outros países europeus[6], emitira as tão esperadas “orientações gerais”[7].
Note-se que, a principal inovação da DAC6 assenta na criação de “características-chave” que funcionam como indicadores sobre se uma determinada operação deverá ser considerada como “suspeita” ou “alarmante” apontando para um eventual esquema de planeamento fiscal agressivo. A dificuldade na aplicação destes métodos a um caso concreto reside não só na novidade que representam como, na utilização de expressões e vocabulário de elevado recorte técnico e complexidade. Assim sendo, a conclusão inevitável é que ao longo das cerca de quinze páginas dedicadas pela AT à explicação da aplicação das características-chave[8], pouco mais é feito do que copiar o texto da própria lei e elaborar remissões para documentos europeus sobre as questões abordadas em determinada característica-chave. Deste modo, questões fraturantes não são abordadas ou sequer explicadas ao longo das orientações portuguesas. A título exemplificativo, o problema da conversão de rendimentos e o que se deverá ter por incluído no seu âmbito, passando pela fraca e insuficiente delimitação e explicação sobre reporte relacionado com ativos intangíveis difíceis de avaliar e, por fim a não perceção de como algumas características-chave se poderão revelar atentatórias de liberdades fundamentais do direito europeu.
Estes são alguns exemplos de determinados pontos que, claramente, ficaram aquém da explicação e, eventualmente exemplificação necessária para uma correta compreensão e aplicação da “nova geração” de combate ao planeamento fiscal agressivo contribuindo para uma (des) orientação das Guidelines da AT.
Estes e outros pontos são abordados na monografia, “O Novo regime de Comunicação Obrigatória de Esquemas Planeamento Fiscal” bem como, as eventuais propostas de solução para melhorar e eficácia deste novo mecanismo de molde a realizar uma tentativa de não incorrer em erros do passado.
É com expectativa que aguardamos o resultado de todos os recentes esforços encetados na luta contra o planeamento fiscal agressivo, responsável por grande parte da fraude e evasão fiscal ao nível mundial.
Vila Nova de Gaia, 18 de
Maio de 2021
[1] Cfr. OCDE, “Harmful Tax Competition – An Emerging Global Issue”, OECD Publishing, 1998.
[2] Neste sentido, CACHIA, F., “Tax transparency for Intermediaries: The Mandatory Disclosure rules and Its EU Impact”, EC Tax Review, Vol. 27, n.º 4, 2018, p. 206.
[3] Enunciando uma clara mudança de paradigma quanto a este ponto, sublinha-se a “mão de ferro” revelada, a 12 de maio de 2021, pelo TJUE na decisão do recurso do caso Engie (antes GDF Suez) (T-516/18 e T-525/18), mantendo a decisão da Comissão Europeia em como o Luxemburgo atribuíra auxílios de Estado ilegais e, por isso, violadores do art. 107.º, n.º 1 do TFUE.
[4] Poderá ser consultada em https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/mandatory-disclosure-rules-action-12-2015-final-report_9789264241442-en.
[5] Quanto a este ponto, relembre-se o fracasso do DL 29/2008, hoje revogado pela Lei 26/2020 (transposição da DAC6), sobre deveres de comunicação, informação e esclarecimento à administração tributária para prevenir e combater o planeamento fiscal abusivo.
[6] Seguindo igual orientação a Agenzia Centrate em Itália emitiu um conjunto de completas orientações, disponíveis em https://www.agenziaentrate.gov.it/portale/documents/20143/3158195/Circolare+DAC+6n.+2+del+10+febbraio+2021.pdf/4450f787-c3ea-9ec4-bc86-f3ece92e085d. Em igual sentido a Irlanda desenvolvera o “Tax and Duty Manual” relativo à DAC6, que poderá ser consultado em https://www.revenue.ie/en/tax-professionals/tdm/income-tax-capital-gains-tax-corporation-tax/part-33/33-03-03.pdf.
[7] Poderão ser consultadas em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/apoio_contribuinte/Regime_Comunicacao_Mecanismos_internos_transfronteiricos/Comunicacao_de_Mecanismos/Documents/Lei_26_2020_Orientacoes_Gerais_Guidelines.pdf.
[8] Supra, página 37 a 49.