
Glória Teixeira
Glória Teixeira (Doutoramento QMC/Universidade de Londres), Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Joaquim Ribeiro
Licenciatura em Economia (Faculdade de Economia do Porto)
MBA (Universidade Nova de Lisboa)
Pós-graduação em Investimento Imobiliário (City University, Londres)
Carreira profissional em grupo privado, no setor imobiliário
Consulte a sua obra da Glória Teixeira neste link.
O populismo tem estado no centro das discussões sobre o estado atual da política nas democracias ocidentais. Em primeira linha, o populismo surge como reação e oposição aos partidos políticos tradicionais e às políticas que têm constituído o consenso nas últimas décadas – globalização, imigração, políticas de género, etc.
Mas o discurso populista vai mais além. Na campanha de 2016, Donald Trump dizia que ia “drenar o pântano” de Washington. Esse Washington de que ele falava não era só o Partido Democrata – na sua mente, e na mente dos seus eleitores, esse pântano incluía o funcionalismo público, os reguladores, os tribunais … vistos como grupos com agendas próprias, crescentemente desalinhados da vontade da generalidade do eleitorado, e que perseguem a sua agenda impunemente dado que, em muitos casos (reguladores, tribunais) têm total autonomia – ou seja, não têm de prestar contas a ninguém.
Este discurso populista tem sido fortemente criticado pelos políticos e pelos media tradicionais, como sendo um discurso sensacionalista, inflamatório e atentatório quase das fundações do sistema democrático.
Só que 2016 já foi há muito tempo. E nesse tempo todo, os partidos populistas têm vindo a ganhar terreno, em países com tradições e contextos muito variados. Parece haver no seu discurso algo mais que puro oportunismo. E há políticos de partidos tradicionais que começam a pensar um pouco mais no assunto.
No dia 5 de Dezembro, Sir Keir Starmer, primeiro-ministro (trabalhista) do Reino Unido fez um discurso em que apresentou os objetivos do seu governo para os próximos anos. Os media enfocaram bastante na discussão dos objetivos para as várias áreas (crescimento económico, saúde, educação, etc.). Mas, lá pelo meio, o discurso tinha ideias bem mais interessantes. Seguem alguns extratos (traduzimos e adaptamos o texto para facilitar a compreensão):
Primeiro o país, depois o partido. Porque isto é algo que perdemos de vista na política britânica … e, para ser sincero, no funcionalismo público (Whitehall) também.
Não acho que haja um pântano aqui para ser drenado … Mas acho que muita gente no funcionalismo público está muito confortável num banho tépido de declínio controlado.
……
Em 30 anos, não construímos um reservatório de água de grande escala … E mesmo quando os projetos são aprovados, a resistência mantem-se sempre feroz.
E acabamos com o espetáculo absurdo de gastarmos 100 milhões de libras, no projeto de alta-velocidade, para construir uma instalação para morcegos …
Tudo isto leva a aumentos de impostos, e aumento do custo de vida …
Digo-vos desde já, este governo não vai continuar a aceitar este absurdo.
Vamos enviar uma mensagem muito clara aos opositores de novos projetos (nimbys), aos reguladores, aos bloqueadores, aos burocratas … À aliança dos negativistas, às pessoas que dizem que a Grê-Bretanha não pode fazer isto …
Vamos dizer-lhes – vocês já não têm o controle – a Grã-Bretanha diz sim.
Toda a gente pode ver a impaciência com a política tradicional …Toda a gente pode ver como as pessoas estão fartas daqueles que não fazem as coisas acontecer.
O populismo não é a resposta para os desafios da Grâ-Bretanha … “Soluções fáceis” não vão tornar o país forte.
Mas ninguém pode negar que este tipo de política se alimenta de preocupações reais. De facto – esse é o cerne do problema.
Um discurso extremamente forte – principalmente porque vindo de um político de Esquerda. Porque é inaudito, na política europeia, ouvirmos um político de Esquerda vir dizer que o problema também está no aparelho do Estado … E que esse é o cerne do problema.
Mas então, qual é o problema hoje com o aparelho de Estado?
O problema é que, nas últimas décadas, o Estado cresceu enormemente.
Por vezes, olhamos para as Finanças Públicas e achamos que o crescimento não foi assim tão grande. Em Portugal, por exemplo, a Despesa Pública cresceu de 40% do PIB em 1990, para 45% do PIB em 2022.
Não é dramático – mas a ideia de um crescimento suave do Estado é ilusória. É que, nesse período, a regulação da economia pelo Estado cresceu explosivamente.
Este tema não é evidente nos títulos da comunicação social por uma razão simples: é que não há uma medida numérica desse volume da regulação. E então aplica-se a regra empírica: o que não é medido, não é gerido.
Como não há um indicador que quantifique o crescimento da regulação, não há notícias sobre esse crescimento, não há sequer discussão pública qualificada.
Mas esse crescimento existe, esse crescimento é percebido pelos agentes económicos, pelo cidadão na rua. E porque é que esse crescimento avassalador da regulação é problemático?
É que essa regulação geralmente produz dois efeitos. Ou gera novas proibições – não se pode fazer isto, não se pode experimentar aquilo – ou acrescenta novos custos a atividades existentes – para se fazer qualquer coisa é preciso mais um estudo, mais um projeto, ou mais obras, o que torna tudo muito mais caro …
É esse o cerne das preocupações de Starmer – proibições que dificultam, por exemplo, obras públicas e privadas, ou então, custos adicionais. E esses custos adicionais das atividades económicas, como ele bem nota, levam a impostos mais altos (no caso de serviços públicos), ou aumento de custo de vida (no caso de atividades privadas).
Numa situação em que as nossas sociedades enfrentam múltiplos desafios que exigem ação determinada e consistente, a resposta do aparelho do Estado parece ser tornar tudo mais difícil. A imagem que se cria é que o Estado não está do lado da iniciativa e da ação, o Estado está do lado da complicação e da travagem.
Este problema é mais grave na Inglaterra do que um Portugal. Mas Portugal está integrado na União Europeia e sofre por essa via o impacto dessa atitude reguladora maximalista.
O discurso de Sir Keir Starmer é portanto bem-vindo. Abre caminho a uma discussão necessária sobre os verdadeiros desafios que se colocam ao Estado nos dias de hoje.
Políticos, investigadores, académicos têm colocado a tónica na questão do volume total de despesa pública. O verdadeiro problema é a manta opressiva de regulação que está a travar o dinamismo das nossas economias.
Feito o diagnóstico, a questão que se coloca é: que fazer quanto a este estado de coisas?
Como refere Starmer, não há uma respostas fáceis ou evidentes. Fica tema de discussão para uma próxima nota.