Fabrício Castagna Lunardi

Professor Permanente e Coordenador Acadêmico do Mestrado da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, Brasil (ENFAM).
Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).
Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Coimbra.
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). 


José Neves Cruz

Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. 
Doutor em Ciências Económicas na Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade de Santiago de Compostela.


Pedro Sousa

Professor Auxiliar na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP), onde é diretor da Escola de Criminologia.
Doutor em Economia, no ISEG, Universidade de Lisboa.


Criminologia e Efetividade da Justiça: dialéticas de Brasil e Portugal é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado desde 15 de Fevereiro de 2024.

Consulte a obra neste link.


A Editora Almedina publicou recentemente o livro “Criminologia e Efetividade da Justiça: dialéticas de Brasil e Portugal”, por nós organizado, que reúne capítulos escrito por pesquisadores e juízes brasileiros e portugueses nessa importante temática.

Mas por que os estudos da Criminologia são tão importantes para melhorar a efetividade da justiça? E por que os dados do sistema de justiça são importantes para a Criminologia?

Na introdução ao mencionado livro, mostra-se que a Criminologia tem como objeto de estudo o crime e o comportamento criminal. Está preocupada com as causas e com as condições que levam ao cometimento de um crime, a fim de analisar os potenciais e efetivos ofensores, com as suas potenciais e efetivas vítimas. Investiga também a reação social informal e, sobretudo, a reação formal onde se inclui o sistema de justiça.

Assim, a Criminologia, no âmbito da sua abrangente atividade, tem por escopo avaliar as dimensões que contendem com a efetividade da justiça, por exemplo, avaliando como o sistema judiciário responde ao crime e procedendo a avaliações científicas de intervenções no sistema de justiça. Para isso, desenvolve estudos empíricos, recorrendo a metodologias de investigação quantitativas, qualitativas e mistas, crescentemente melhoradas com o aproveitamento de novas tecnologias e técnicas.

No contexto luso-brasileiro, em particular, refletir e debater sobre a efetividade da justiça é praticamente um imperativo social para a Academia, pois é publicamente reconhecido no Brasil e em Portugal que o aumento da qualidade do sistema judicial é um fator-chave de desenvolvimento económico e social e o empenho das instituições e da sociedade civil nesse desiderato. Nesse sentido, os estudos empíricos criminológicos podem ser utilizados para orientar políticas de justiça, a fim de que a Justiça Criminal seja mais efetiva na redução da criminalidade e na proteção das garantias e direitos dos indivíduos.

A esse respeito, o eminente Sebastião Reis Júnior, Ministro do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, ressalta a importância de estudos multidisciplinares, como os realizados no livro em comento:

Nesse contexto, cresce a importância da presente obra, resultado do trabalho de especialistas do Brasil e de Portugal que nos trazem um olhar diverso e multidisciplinar sobre o crime e sobre uma justiça falha, bem como alternativas viáveis para o enfrentamento do primeiro; e a efetividade e o aprimoramento da segunda.

A fim de proporcionar trocas de conhecimentos e pesquisas na temática, foi realizado, pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP), o Seminário Luso-Brasileiro Criminologia e Efetividade da Justiça, nos dias 28 a 30 de setembro de 2022. O evento, organizado pelo então designado Centro de Investigação Interdisciplinar Crime, Justiça e Segurança da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (CJS-FDUP) e pelo Grupo de Pesquisa Gestão, Desempenho e Efetividade da Justiça da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (GEJUD-ENFAM), contou com a participação, como palestrantes e mediadores, de professores e alunos das duas instituições, autoridades e professores convidados que são referência na temática.

O livro “Criminologia e Efetividade da Justiça: dialéticas de Brasil e Portugal” é um desdobramento das investigações científicas que foram expostas no referido seminário internacional, que permitiu importantes debates e reflexões sobre cada tema, constituindo-se em importante produto das investigações científicas realizadas no âmbito das duas instituições e do acordo de cooperação acadêmica e científica.

Nesse sentido, a mencionada obra busca, sobretudo, estabelecer uma ponte entre o conhecimento científico e as pesquisas empíricas, de um lado, e a práxis jurisdicional e a efetividade do sistema de justiça penal, de outro. Assim, da amálgama entre investigação científica e práxis judicial, pretende dar maior aplicabilidade e gerar maior impacto às pesquisas na área de Criminologia e, de outro, buscar profissionalizar a atuação jurisdicional na área penal, a fim de que as políticas judiciárias possam ser orientadas a partir de pesquisas teórico-empíricas e com base em dados.

Dessa forma, o mencionado livro tem como objetivo analisar em que medida o conhecimento científico já acumulado pela Criminologia contribui para a melhoria da efetividade da justiça criminal. Para tanto, serão discutidos os desafios metodológicos com que os investigadores se deparam nesta atividade, bem como boas práticas da justiça criminal, de modo a apresentar pesquisas realizadas por professores, investigadores seniores e por graduados pelas duas instituições.

O livro está dividido em quatro partes: inicialmente, abordam-se a Criminologia e as suas contribuições para uma análise crítica da efetividade da justiça; a Parte II trata das boas práticas de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher no Brasil e em Portugal; a terceira parte tem como temática as boas práticas na execução penal, analisando, sobretudo, o papel da magistratura e da comunidade na ressocialização; e a quarta e última parte analisa a justiça restaurativa, a despenalização e a avaliação da política criminal.

A primeira parte é intitulada “A Criminologia e as suas Contribuições para Analisar Criticamente a Efetividade da Justiça”.

O seu primeiro capítulo, de autoria de Pedro Sousa, trata do tema Criminologia e a avaliação sobre a efetividade da justiça. Propõe que a Criminologia deve desenvolver estudos sobre fenômeno criminal, os seus agentes (ofensores e vítimas) e a reação social. Nesse tocante, mostra como ela tem acumulado conhecimento especializado e desenvolvido competências na realização das necessárias análises de eficácia e de eficiência da Justiça Criminal.

No segundo capítulo, Carlos Magno Gomes de Oliveira e Marcus Alan de Melo Gomes abordam o tema colonialidade, neoliberalismo e seletividade penal no Brasil. O capítulo tem o objetivo de analisar como o desenvolvimento de um modelo de produção econômica europeu e o ressurgimento do poder punitivo produziram um legado oculto da Era Moderna para várias partes do globo, inclusive para o Brasil. Nesse ínterim, o artigo busca analisar como a ideia de raça e a experiência da escravidão moldaram a hierarquia social brasileira e fizeram surgir no país uma classe subalterna, de onde são oriundos os preferencialmente selecionados pelo poder punitivo. A partir da teoria da colonialidade, do pensamento pós-colonial e decolonial, o capítulo desenvolve reflexões sobre os efeitos desse processo histórico nos dias atuais, buscando estimular o debate que motive uma tomada de atitude em prol da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como forma de resistir ao reducionismo de uma racionalidade econômica hegemonizante que desumaniza e tudo transforma em mercadoria.

A seguir, José Neves Cruz aborda as condições causais da eficácia da justiça penal e civil na União Europeia, OCDE e Brasil. O capítulo tem como objetivo apreender as condições que contribuem para uma maior ou menor eficácia do sistema de justiça. Assim, analisa a influência isolada ou combinada das seguintes condições na eficácia dos sistemas de justiça criminal e civil: (i) independência do sistema de justiça de grupos de interesse; (ii) transparência no Estado; (iii.a) desigualdade económica (modelo de justiça criminal); (iii.b); acessibilidade a mecanismos alternativos de resolução de litígios imparciais e eficazes (modelo de justiça civil). Parte do pressuposto de que a eficácia do sistema de justiça dissuade o cometimento de crimes, pois incrementa o seu custo ao elevar a probabilidade de deteção e punição, e de que um sistema de justiça ineficaz conduz a um sentimento de impunidade. Assim, a partir da Análise Qualitativa Comparativa “fuzzy set”, busca identificar as condições necessárias e suficientes para alta ou baixa eficácia dos sistemas de justiça criminal e civil na União Europeia, na OCDE e no Brasil.

A segunda parte da obra é intitulada “Boas Práticas de Enfrentamento à Violência Doméstica contra a Mulher: Análises de Brasil e Portugal”.

Adriana Ramos de Mello e Taís de Paula Scheer, no primeiro capítulo, tem o objetivo de analisar o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher e as boas práticas no âmbito da justiça brasileira. Após traçar um panorama sobre as boas práticas no Poder Judiciário brasileiro em relação à violência doméstica contra as mulheres, analisa, a partir de dados, o fenômeno que vem ceifando a vida de várias mulheres no Brasil e no mundo. Nesse tocante, mostra como os estereótipos e o preconceito de gênero têm prejudicado as mulheres no direito de acesso à justiça, o que levou o CNJ a editar várias resoluções instituindo a Política Nacional para o Enfrentamento à Violência contra a Mulher, o Protocolo Brasileiro para Julgamento com Perspectiva de Gênero e a Obrigatoriedade de Capacitação em Gênero, Raça/Etnia e Direitos Humanos. O capítulo também mostra outras iniciativas criadas pelo Judiciário brasileiro, através de projetos institucionais e da implantação de boas práticas, para aproximar e atender de forma humanizada as mulheres vítimas de violência.

A seguir, Marcela Santana Lobo trata da Justiça em Rede, no Brasil, como medida de efetividade do atendimento das mulheres nas medidas protetivas de urgência. A partir de uma perspectiva interseccional, a autora busca investigar como as mulheres solicitantes de medidas protetivas foram individualizadas nos autos processuais e se os fatores de risco registrados impactaram na análise judicial dos requerimentos formulados, bem como se seus direitos à participação processual e assistência jurídica foram resguardados. Com base em pesquisa exploratória, o capítulo analisa procedimentos de medidas protetivas de urgência que tramitaram em duas unidades judiciais do Tribunal de Justiça do Maranhão (Brasil) em 2019. Ao final, a pesquisa apresenta como resultado a invisibilidade dos dados raciais e dados de classe, bem como a ausência de uma efetiva assistência jurídica à mulher em situação de violência doméstica, evidenciando a relevância da formulação de políticas judiciais que contemplem uma efetivação dos direitos fundamentais das mulheres.

No último capítulo da segunda parte, Sara Cardoso, Jorge Quintas e Rosa Saavedra abordam a avaliação de risco realizada pelas forças de segurança portuguesas, analisando o caso particular das pessoas idosas vítimas de violência doméstica. No capítulo, há o objetivo de investigar os instrumentos de avaliação de risco aplicados pelas forças de segurança portuguesas desde 2006, ano da primeira fase de avaliação de risco por parte da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR). Ao constatar a existência de instrumentos generalistas, aplicáveis a todas as vítimas de violência doméstica, os autores entendem que é possível dotar as forças de segurança de um modelo de avaliação de risco específico para pessoas idosas vítimas. Com base nisso, o capítulo apresenta uma proposta de instrumento único de avaliação de risco de violência doméstica e de maus-tratos contra pessoas idosas: o Assessment Guidelines for Elder Domestic Violence (AGED), cujos resultados de validação têm demonstrado que este é um instrumento relevante no futuro da avaliação de risco de violência contra pessoas idosas.

A parte III da obra trata das “Boas Práticas na Execução Penal”, a partir da análise do “papel da comunidade e da magistratura para um sistema de justiça mais humano e efetivo”.

João Teixeira de Matos Júnior, Fabrício Castagna Lunardi e Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia, no primeiro capítulo, analisam a execução penal no brasil, a exclusão social e a ressocialização, buscando investigar empiricamente o papel do conselho da comunidade. Após a abordagem teórica, o capítulo traz estudo de caso, com pesquisa jurídico-descritiva e pesquisa documental acerca da atuação do Conselho da Comunidade da Comarca de Macapá para redução da exclusão social e reintegração da pessoa oriunda do sistema prisional à sociedade. No capítulo, foram analisadas as parcerias existentes entre o Conselho da Comunidade da Comarca de Macapá, o Estado do Amapá e o Município de Macapá, as quais se materializam por meio de Convênios que possibilitam capacitação profissional, atividade laboral e acompanhamento psicossocial dos participantes.

O capítulo seguinte trata dos desafios à redução do encarceramento provisório no Brasil, com foco no papel da magistratura para um sistema de justiça mais humano e efetivo. As autoras, Rosimeire Ventura Leite e Fátima Aurora Guedes Afonso Archangelo, abordam o fenômeno do encarceramento provisório no Brasil, enfatizando os contornos massivo e seletivo, bem como o papel de magistrados e magistradas na consolidação de um sistema de justiça penal mais humano e efetivo no que tange às prisões cautelares. A pesquisa, com base em dados empíricos e revisão bibliográfica, busca alinhar a criminologia crítica à concepção humanista do processo penal. Ao final, propõe que a tomada de decisão cautelar reserve a custódia preventiva para as hipóteses legais excepcionais e se revista de caráter político em necessário esforço argumentativo.

A quarta e última parte trata da “Justiça Restaurativa, Despenalização e Avaliação da Política Criminal”.

No primeiro capítulo, Claudio Camargo dos Santos aborda a aplicação da justiça restaurativa em crimes dolosos contra a vida, com base em um estudo de caso. Tem o objetivo de analisar como a justiça restaurativa pode contribuir para que pessoas afetadas pelo crime dialoguem sobre o ocorrido, buscando analisar seus motivos e chegar a uma compreensão que impeça o recrudescimento da violência, auxiliando-os a superarem traumas decorrentes do fato. A pesquisa empírica foi realizada por meio de entrevistas com dois personagens de caso ocorrido em Maringá/PR/Brasil que participaram de práticas restaurativas após um deles ser condenado pelo Tribunal do Júri porque atentou contra a vida do outro. No capítulo, o autor conclui que que há formas de responsabilização de infratores, resolução de conflitos e superação de traumas que não são utilizadas no sistema de justiça penal brasileiro, calcado no paradigma punitivo.

O capítulo seguinte traz um estudo sobre a (des)penalização da sonegação fiscal no Brasil. Os autores, Fernando Braga Damasceno e Matheus Andrade Braga, buscam, inicialmente, analisar o analisar o tratamento conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro ao crime de sonegação fiscal, a fim de compreender a sua legitimação constitucional e a sua compatibilidade no âmbito de um Estado Democrático e de Direito. O capítulo análise criticamente a (in)existência de respaldo constitucional para a previsão de pena privativa de liberdade relativamente à prática de sonegação fiscal e o tratamento legislativo conferido à sonegação fiscal no Brasil, sobretudo em comparação ao tratamento atribuído a outros crimes análogos. Por fim, analisa se sentido em afirmar que a Constituição impõe o dever de uso da pena de prisão para (ao menos) as formas mais graves de sonegação fiscal.

No último capítulo, Taís Schilling Ferraz analisaa avaliação da política criminal a partir do que os indicadores de reincidência penal revelam (ou não revelam). O capítulo tem o objetivo de investigar o que evidenciam os diferentes dados estatísticos sobre reincidência no Brasil, em que medida eles são suficientes para uma adequada avaliação da política criminal e apontar para possíveis estratégias que poderiam ser adotadas para uma melhor compreensão do fenômeno. O estudo apresenta o que os dados sobre reincidência têm sido capazes de revelar sobre o fenômeno e sobre a efetividade da política criminal. Por fim, busca apresentar algumas propostas para melhor monitoramento, compreensão e possível prevenção da reincidência.

Esperamos que o livro proporcione boas reflexões sobre a Criminologia e a Efetividade da Justiça, bem como que as investigações expostas possam auxiliar em novos desdobramentos, em uma análise crítica, na formulação de políticas públicas e na transformação da realidade.