André Alfar Rodrigues

Advogado.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Católica Portuguesa, Escola de Lisboa.
Pós-graduação Avançada em Direito das Sociedades Comerciais pelo Centro de Investigação de Direito Privado da FDUL.
Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (PhD).
Formação Avançada em Compliance pelo Instituto de Formação Bancária.
Foi Conselheiro Pedagógico da FDUL e Coordenador do Gabinete de Erasmus e Relações Internacionais da Associação Académica da FDUL.
É Investigador no Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal (CIDEEFF) da FDUL.


A 2.ª Edição de O Regime de Proteção dos Denunciantes (Whistleblowers) é a mais recente obra do Autor, publicada pelo Grupo Almedina, e disponibilizada no mercado em Janeiro de 2024.

Consulte a obra neste link.


Existem importantes diferenças entre as decisões tomadas pelo TEDH e aquilo que é disposto na Diretiva 2019/1937 ([1]).

            O Tribunal de Estrasburgo orientou as suas decisões no sentido em que os denunciantes devem denunciar, em primeiro lugar, dentro da organização e, tendo esta ser prestada de boa-fé e no interesse público. Em contrapartida, para ser protegido como denunciante, esses elementos não são exigidos pela Diretiva 2019/1937.

Coloca-se a questão de saber como o TEDH irá lidar com essas diferenças, em casos futuros. Podemos avançar que defendemos que o TEDH deve reconsiderar a sua jurisprudência e alinhá-la com a Diretiva, a fim de garantir o mesmo nível de proteção para todos os Estados-Membros do Conselho da Europa.

A jurisprudência do TEDH tem sido aplicável quando um sujeito efetua uma denúncia sobre qualquer temática, desde que haja interesse público na informação revelada. A Diretiva não é compatível com o elemento de interesse público. Apenas as divulgações públicas dependem, em alguns casos, explicitamente de um teste de interesse público, como previsto no art. 15.º.

Por exemplo, os denunciantes que revelem informações sobre a segurança nacional de um país, não são protegidos pela Diretiva, tal como se encontra previsto no considerando 24 e no art. 3.º, n.º 2. No entanto, podem ser protegidos pelo art. 10.º do CEDH, tal como o Tribunal de Estrasburgo assim decidiu no caso Bucur e Toma vs. Romênia. A exclusão desta categoria de informação é uma lacuna significativa, mas que pode ser corrigida pelos legisladores nacionais se os Estados-Membros optarem por incluir informações classificadas na transposição nacional da Diretiva ([2]).

De acordo com o TEDH, o denunciante deve divulgar as informações de boa-fé, sendo esta feita caso a caso. De acordo com a Diretiva e segundo o artigo 6.º, n.º 1, alínea a), a boa-fé não é um requisito necessário para a apresentação de uma denúncia, não sendo verificados os motivos pessoais da denúncia.  

O TEDH também tem decidido que o denunciante só deve prestar informações autênticas, de forma a evitar que sejam comunicados factos falsos ou errados. À luz da Diretiva, uma denúncia pode ser feita mesmo que seja fundada em apenas meras suspeitas, nos termos do art. 5.º, n.º 2. Além disso, o TEDH exerce uma verificação de proporcionalidade em relação aos danos causados ​​ao empregador pelo denunciante. Essa verificação da proporcionalidade também não é exigida pela Diretiva.

Outro ponto que difere a jurisprudência do TEDH e a Diretiva é referente aos canais de divulgação. O TEDH introduziu um modelo restrito a “três níveis”. Sob este modelo, o denunciante deve utilizar, em primeiro lugar, os canais internos. Se a denúncia interna não for possível, somente então, o denunciante tem o direito de denunciar às autoridades. Se a denúncia às autoridades não for possível ou não seja eficaz, o denunciante pode fazer uma divulgação pública. Desta forma, o “terceiro nível”, a divulgação pública, é o último recurso para o denunciante segundo a jurisprudência do TEDH.

A Diretiva segue uma abordagem semelhante, mas não idêntica. Nos termos da Diretiva, é absolutamente claro que o denunciante pode denunciar internamente ou às autoridades sem qualquer prioridade dada à comunicação interna, tal como dispõe o art. 6.º, n.º 1, alínea b). Em qualquer dos casos, o denunciante está protegido. A abordagem também é diferente quando se trata de relatórios internos ou às autoridades. Embora a divulgação pública seja o último recurso para o denunciante de acordo com o TEDH, pode ser uma primeira opção para o denunciante sob certas condições, tal como se encontra previsto no art. 15.º.

Do ponto de vista normativo, o TEDH deve reconsiderar a sua jurisprudência e alinhá-la com a Diretiva de forma a garantir ao denunciante o mesmo nível de proteção previsto no art. 10.º do CEDH em todos os Estados-Membros, sem conferir prioridade à denúncia interna, à existência de um teste de interesse público e de boa-fé. Consequentemente, a Diretiva confere uma maior proteção aos denunciantes e garante um nível mais alto de proteção da liberdade de expressão em comparação com a jurisprudência do TEDH. Tal pode ser problemático, na medida em passam a existir níveis de proteção diferentes consoante o ordenamento jurídico.

A necessidade de uma interpretação coerente da liberdade de expressão pelo TEDH que não fique atrás da proteção da Diretiva decorre do princípio consagrado no art. 53.º do CEDH. Desta forma, nenhuma das disposições da presente Convenção será interpretada no sentido de limitar ou prejudicar os direitos do homem e as liberdades fundamentais que tiverem sido reconhecidos de acordo com as leis de qualquer Alta Parte Contratante ou de qualquer outra Convenção em que aquela seja parte.

Como podemos constatar, as diferenças entre a jurisprudência do TEDH e a Diretiva parecem problemáticas, pois podem criar um quadro complexo para o denunciante. Se o TEDH manter o seu modelo, os denunciantes na UE terão de distinguir entre três conceitos diferentes: a jurisprudência do TEDH, a Diretiva e também a legislação e jurisprudência nacionais dos denunciantes potencialmente divergentes.

Pode-se argumentar que esta “panóplia normativa” é simplesmente o resultado de um sistema jurídico europeu multifacetado.

Desta forma defendemos a harmonização legislativa, devendo o TEDH adotar o nível de proteção introduzido pela Diretiva, pelas razões expostas.


([1]) Ver V. Abazi e F. Kusari, “Comparing the Proposed EU Directive on Protection of Whistleblowers with the Principles of the European Court of Human Rights”, Strasbourg Observers, 22 October 2018, para uma comparação entre a proposta inicial da Comissão e caso direito do TEDH.

([2]) Vigjilenca Abazi, “The European Union Whistleblower Directive: A ‘Game Changer’ for Whistleblowing Protection?”, Industrial Law Journal, Volume 49, Issue 4, December 2020, Pages 640–656.