André Alfar Rodrigues

Advogado.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Católica Portuguesa, Escola de Lisboa.
Pós-graduação Avançada em Direito das Sociedades Comerciais pelo Centro de Investigação de Direito Privado da FDUL.
Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (PhD).
Formação Avançada em Compliance pelo Instituto de Formação Bancária.
Foi Conselheiro Pedagógico da FDUL e Coordenador do Gabinete de Erasmus e Relações Internacionais da Associação Académica da FDUL.
É Investigador no Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal (CIDEEFF) da FDUL.


Duties and Responsibilities of Financial Intermediaries é a mais recente obra do Autor, publicada pelo Grupo Almedina, e disponibilizada no mercado em Dezembro de 2023.

Consulte a obra neste link.


O dever de recolha à informação que respeita ao cliente, apresenta, à semelhança do dever de adequação, um regime dual, conhecendo uma menor intensidade quanto ao regime geral, onde o intermediário financeiro se encontra adstrito, através de questionários dirigidos aos investidores, de forma a obter uma informação que reporta aos conhecimentos e experiências que estes detêm. Como dispõe o artigo 314º, nº1 do CVM, esta informação tem de ser, no mínimo, suficiente para avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos no investimento em causa. Estes questionários são conhecidos por appropriateness tests.

Segundo o disposto nos artigos 304º, nº3 e 314º, nº1 do CVM, para a prestação de serviços de intermediação financeira, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente, de modo a permitir ao intermediário financeiro determinar se produto financeiro ou serviço de investimento é adequado ao cliente ([1]).

            Uma regra importante que consta do artigo 55º, nº2 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565, é a proibição imposta ao intermediário financeiro de não poder dissuadir um cliente ou um potencial cliente a prestar as informações, por si requeridas. Os intermediários financeiros, ao avaliarem a adequação, devem informar os clientes efetivos ou potenciais, de forma clara e simples ([2]), de que a avaliação de adequação serve para permitir ao intermediário financeiro agir no melhor interesse do cliente (best interest duty) ([3]), tal como dispõe o artigo 54º, nº1 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565.

            Por outro lado, quando se trata de consultoria para investimento ou de gestão de carteiras ([4]), o intermediário financeiro, tem um dever acrescido, questionando não só o investidor quanto aos seus conhecimentos e experiência ([5]), como deve apurar detalhadamente a sua situação financeira ([6]), averiguando se o mesmo detém capacidade patrimonial e a liquidez  suficiente para não só cobrir as obrigações inerentes ao investimento, como para cobrir eventuais perdas nas operação de investimentos realizadas (ability to bear losses). Deve ainda recolher a informação necessária para saber quais os objetivos do investimento ([7]) a que o cliente se propõe e o seu grau de disponibilidade ou aversão ao risco da operação (ability to bear risk).

            Este questionário realizado ao cliente, no âmbito da prestação de serviços de consultoria para investimento ou de gestão de carteiras é denominado de suitability tests. Segundo o disposto no artigo 54, nº2 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565, deve o intermediário financeiro obter todas as informações que ache necessárias para que possa compreender os factos essenciais relacionados com o cliente. Nesta medida, deve o intermediário financeiro certificar-se que o investimento corresponde aos objetivos propugnados pelo cliente, tendo em conta a tolerância ao risco que o mesmo demonstrou.

            A operação especifica a recomendar ou a iniciar no âmbito da prestação de um serviço de gestão de carteiras deve ser adequada de modo que o cliente a possa suportar financeiramente, estando a mesma em consonância com os seus objetivos de investimento. O cliente deve ter a experiência e os conhecimentos necessários para compreender a natureza do investimento. Nos termos do artigo 314º-A, nº3 do CVM, no caso de o intermediário financeiro não obtiver a informação necessária para a avaliação da adequação do serviço ou operação em causa ou se considerar que não é adequado, não pode realizar ou recomendar o referido serviço ou operação ao cliente.

            Como refere António Barreto Menezes Cordeiro, deve o intermediário financeiro recolher, informação pessoal do cliente, nomeadamente “a idade do cliente, o seu estado civil, a sua situação familiar e a sua situação laboral” ([8]). Neste momento, importa trazer à colação, o debate que tem ocorrido no Direito Norte-Americano, em torno da informação que deve ser utilizada para a avaliação da adequação.

Por exemplo, Lawrence Cunningham defende que os testes de adequação devem ainda ter em conta o perfil psicológico do cliente, tese essa que suportamos ([9]). Nestes termos, as teorias sobre finanças comportamentais (behavioral finance) podem ter bastante utilidade para uma melhor aplicação dos testes de adequação, na medida em que o risco é afetado por diversos fatores psicológicos e emocionais ([10]).

            Em ambos os regimes, o intermediário financeiro deve, como dispõe o artigo 54º, nº7 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565, assegurar que as informações por si recolhidas são confiáveis, atuais e exatas; nesta medida recai sobre a esfera jurídica do intermediário financeiro o dever de adoção de políticas que assegurem a confiabilidade e a atualidade da informação prestada pelo cliente. O intermediário financeiro tem ainda o dever de, periodicamente, realizar uma revisão dos questionários, de forma a garantir o sucesso da operação de investimento. É importante notar que o dever de atualização da recolha de informação, apenas existe, quando haja uma relação em curso, entre o intermediário financeiro e o cliente.

            Outro aspeto relevante para identificar o nível de intensidade do dever de adequação prende-se com a natureza jurídica do cliente, variando consoante se trate de cliente profissional ou não profissional, e consoante se trate de uma pessoa singular ou coletiva. Perante um cliente profissional, por natureza, o intermediário financeiro pode inferir que este, em relação aos produtos, transações e serviços, tem o nível necessário de experiência e conhecimentos para compreender os riscos envolvidos do investimento.

            Dispõe ainda o artigo 54º, nº3 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565 que o intermediário financeiro se encontra dispensado de realizar o teste de adequação se presumir que o cliente profissional seja capaz de suportar financeiramente quaisquer riscos do investimento realizado ou a realizar. Esta presunção, contudo, só opera quando esteja em causa a prestação de serviços de consultoria, não valendo a mesma para os serviços relativos à gestão de carteiras. Apesar da existência desta presunção, encontra-se o intermediário financeiro adstrito a avaliar a aversão ao risco do cliente. A presunção ora referida é ilidível, nos termos do artigo 350º, nº2 do CC.

            Dispõe ainda o 54º, nº6 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565 que, se o cliente for uma pessoa coletiva ou se atuar como representante de um grupo, o intermediário financeiro deve estipular e executar uma política que possa determinar quem deve ser sujeito à avaliação da adequação. Deverá ainda o intermediário financeiro determinar a quem recolherá as informações sobre conhecimentos e experiência, situação financeira e objetivos de investimento. Se estivermos perante uma pessoa singular representada por outra ou perante uma pessoa coletiva que, expressamente, tenha solicitado tratamento como cliente profissional, dispõe o artigo 54º, nº6, 2º parágrafo do presente Regulamento Delegado, que a experiência e os conhecimentos a recolher serão os do representante relevante do cliente. Ao invés, quanto à situação financeira e aos objetivos de investimento, a recolha de informação deverá ser feita em relação à pessoa coletiva ou singular representada.

            O intermediário financeiro, ao prestar consultoria para investimento, deve disponibilizar ao cliente não profissional um relatório contendo um sumário do aconselhamento prestado e o modo como a recomendação formulada é adequada ao cliente ([11]). Este relatório deve ainda conter o modo como o intermediário financeiro irá cumprir os objetivos propugnados pelo cliente, com referência ao prazo do investimento solicitado, aos conhecimentos e à experiência do cliente, além da sua intensidade de aversão ao risco e da sua capacidade de suportar eventuais perdas. No referido relatório, deverá ainda existir uma menção quanto à revisão periódica dos acordos estabelecidos entre o intermediário financeiro e o cliente, bem como a forma como o cliente não profissional a pode solicitar. O relatório deve ser facultado até ao momento da prestação da consultoria para investimento e antes da transação da operação ser realizada ([12]).

            Apesar do dever de recolha de informação se encontrar expressamente previsto para o intermediário financeiro, a lei não estabelece um dever dos clientes de prestar as informações requeridas pelo intermediário financeiro. Adotamos a posição sustentada por Paulo Câmara, segundo a qual, em caso da não prestação da informação necessária, o intermediário financeiro pode invocar a “justa causa de resolução do contrato de intermediação, por corresponder a uma violação de um dever acessório de lealdade, decorrente da boa fé (762º, nº2 do CC)” ([13]).

            O dever de adequação desdobra-se em múltiplos deveres, que se interligam e são instrumentais ao mesmo fim. Através do artigo 54º, nº9 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565, é reconhecido o dever de adotar políticas e procedimentos adequados destinados a assegurar que compreendem a natureza, as características, incluindo os custos e os riscos, dos serviços de investimentos e instrumentos financeiros selecionados para os seus cientes e que avaliam, tendo simultaneamente em conta os custos e a complexidade, se existem serviços de investimento ou instrumentos financeiros equivalentes capazes de corresponder ao perfil do cliente.

Nestes termos, o dever de adequação encontra-se interligado com o dever de conhecimento do cliente (know your client), havendo uma extensão ao nível de cada operação individual sobre instrumentos financeiros (know your security). O Direito Europeu consagra, deste modo, um dever de conhecimento dos instrumentos financeiros na esfera jurídica do intermediário financeiro.

            O intermediário financeiro tem ainda o dever de registar as informações por si recolhidas. Segundo o disposto no artigo 25º, nº5 da Diretiva 2014/65/UE, o intermediário financeiro deve criar um registo que inclua os documentos acordados entre si e o cliente, nos quais se encontram vertidos os direitos e obrigações que decorrem para ambas as partes, bem como as demais condições em que o intermediário financeiro irá prestar nos seus serviços ([14]).


([1]) Como ora referido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, “actua com culpa grave aquele Banco que oculta informação e desconsidera grosseiramente o perfil do cliente, que conhece há vários anos, colocando-lhe um produto financeiro que este não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto” (acórdão de 23.01.2018, processo n.º 4327/16.1T8VIS.C1, relator Fernando Monteiro).

([2]) Nomeadamente, Orientações relativas a determinados aspetos dos requisitos da DMIF II em matéria de adequação, ESMA35-43-1163, de 06 de Novembro de 2018, p. 6, ponto 15.

([3]) Como afirmam Luca Enriques e Matteo  Gargantini, “the best interest duty is further specified by more detailed provisions within the body of MiFID II, including rules concerning the management of conflicts of interest and inducements, best execution, and suitability or appropriateness of financial instruments and investment services”, in “The Expanding Boundaries of MiFID II Duty to Act in the Client´s Best Interest: The Italian Case”, The Italian Law Journal (2017), disponivel em http://ssrn.com (consultado a 16 de janeiro de 2019), p. 26.

([4]) Nestes termos, Perguntas e Respostas sobre novas regras para os mercados e instrumentos financeiros (DMIF II), Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, p. 6. Disponível em: https://www.cmvm.pt.

([5]) Enuncia o artigo 55º, nº1 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565 que importa considerar em matéria de conhecimentos e experiência dos clientes: os tipos de serviços, transações e instrumentos financeiros com que o cliente se encontra familiarizado; a natureza, o volume e a frequência das transações do cliente com instrumentos financeiros e o período durante o qual foram realizadas; o seu nível de habilitações, assim como a sua atual e anterior profissão relevante.

([6]) Atento ao disposto no artigo 54º, nº4 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565, para avaliar a situação financeira do cliente, deve o intermediário financeiro recolher informações relativas à fonte e dimensão dos seus rendimentos regulares, incluindo os seus ativos líquidos e os seus ativos imobiliários, bem como os investimentos realizados. Deve ainda informar-se sobre os compromissos financeiros periódicos e da necessidade de liquidez do cliente.

([7]) Segundo o artigo 54º, nº5 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565, deve ainda ser apurado a duração do investimento e qual o perfil de risco do cliente.

([8]) António Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Almedina, 2018, p. 309.

([9]) Lawrence Cunningham, “Behavioral Finance and Investor Governance”, Washington & Lee Law Review, Vol. 59, 2002, disponível em http://ssrn.com, (consultado a 27 de dezembro de 2018), pp. 33 a 37.

([10]) Como afirmam Nadia Linciano e Paola Soccorso, “behavioral economists depart from the notion of objective risk by supporting the idea that the risk is multi-dimensional and it is affected by emotional factors, cognitive limitations and psychological traits. Elements such as feelings, dread, knowledge, trust, optimism, overconfidence make perceived risk differ from the objective risk as measured by standard finance scholars”, in “Assessing Investors’ Risk Tolerance Through a Questionnaire”, CONSOB Discussion Paper No. 4 (2013), disponível em http://ssrn.com, (consultado a 16 de janeiro de 2019), pp. 8 e 9. Veja-se ainda a este propósito, Martin Breencke, “The Legal Framework for Financial Advertising: Curbing Behavioural Exploitation”, Eur Bus Org Law Rev, doi/10.1007/s40804-018-0111-9 (2018), disponível em http://ssrn.com (consultado a 17 de janeiro de 2019), pp. 3 a 9.

([11]) Artigo 54º, nº12 do Regulamento Delegado (UE) 2017/565.

([12]) Como expressamente dispõe o artigo 25º, nº6, 2º Parágrafo da Diretiva 2014/65/UE, de 15 de Maio de 2014.

([13]) Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª Edição, Almedina, 2018, p. 448.

([14]) Este dever de registo de informações recolhidas, encontra-se ainda previsto no artigo 56º e nos artigos 72º e ss do Regulamento Delegado 2017/565 da Comissão de 25 de abril de 2016, além de se encontrar igualmente previsto no artigo 25, nº5 da Diretiva 2014/65/UE da Comissão de 15 de maio de 2014.