Tiago Viana Barra

Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Professor Associado, Conferencista e Jurisconsulto.
Advogado.


A Caducidade no Direito Administrativo é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 12 de Outubro de 2023.

Consulte a obra neste link.


O período que vai de cerca de 1500 até ao séc. XIX retrata tendências na forma de pensar e viver a Saúde por alguns autores que começam a se preocupar com o estudo de esquemas de saúde, mas as medidas e programas de saúde pública levariam séculos a passar à ação, uma vez que se norteavam por conhecimentos pouco precisos ou desprovidos de informação real.

A origem remota das prestações da saúde consistiu na criação de sistemas de Segurança Social no séc. XIX, os quais permitiram que os cuidados de saúde fossem garantidos por seguros sociais públicos e obrigatórios, tendo sido na Alemanha, de 1881 a 1884, que a previdência, se tornou, gradualmente, sujeita a regulamentação.

Com efeito, o país alemão iniciou a previdência para os trabalhadores, sob moldes compulsivos, estabelecidos e controlados pelo Estado.

O Chanceler OTTO VON BISMARK introduziu a Lei de 1889 que estabelecia a reforma para os trabalhadores alemães dos sectores agrícola, industrial e do comércio a partir dos setenta anos de idade. Este sistema era baseado nas quotizações dos trabalhadores, nas contribuições dos empregadores e na capitalização das receitas. Era então concedido um subsídio estadual aos pensionistas cujas quotizações não atingissem o nível mínimo de reforma.

No entanto, tratava-se somente de um sistema de solidariedade individual e profissional, pelo que faltaria atingir o objetivo de um sistema de solidariedade nacional.

Desde os primórdios da vida em sociedade que a saúde é uma preocupação da comunidade. Nas sociedades antigas, a doença era atribuída à revolta dos deuses e a maus espíritos, pelo que a preocupação da comunidade com a saúde, associada à crença e à superstição, conduziram ao desenvolvimento de cultos e rituais que, para preservar a saúde do grupo, visavam exorcizar o mal do inferno.

O conceito de Segurança Social correspondente a um sistema de realização de um programa de bem comum, por meio de medidas que permitissem, a qualquer pessoa, ter assegurado um padrão mínimo de nível de vida, ocorreu só no inicio da Segunda Grande Guerra, na medida em que alguns estados começaram a elaborar planos de proteção social da população inteira, que englobariam a assistência e a previdência e estabeleceriam as novas bases, sob a forma de regalias ou direitos, de um certo numero de benefícios considerados fundamentais.

As leis sobre o seguro obrigatório contra os acidentes de trabalho, velhice e invalidez foram conseguidas já no séc. XX, através de fórmulas de seguro contra o desemprego e, em alguns casos, contra a doença, alargando um pouco mais o âmbito da previdência. Estas tarefas ficaram a cargo do Estado, de companhias de seguros e associações de previdência.

O sistema de saúde autónomo assente em esquemas de financiamento públicos ancorados no sistema fiscal geral aparece com o modelo Beveridge que se baseia no relatório de 1942 que lhe havia sido encomendado por Winston Churchill e que propõe um sistema de pensões universal baseado em contribuições de taxa não progressiva com direito a uma pensão mínima.

Este relatório foi um impulsionador do Estado compensador e interventor mas, ao mesmo tempo, de um Estado promotor de uma certa paz social, de níveis acentuados de controlo social. A aceitação das desigualdades passou a resultar cada vez menos de uma certa “naturalidade” ou “predestinação” (até então consolidada como fator explicativo) e passou a significar um motivo de intervenção e de ação concreta junto dos fatores de vulnerabilização e das realidades sociais que os propiciam.

Em Portugal, a organização dos serviços de saúde sofreu, através dos tempos, a influência de conceitos religiosos políticos e sociais de cada época e foi-se concretizando para dar resposta ao aparecimento de doenças. Ricardo Jorge inicia em 1899 a organização dos “Serviços de Saúde e Beneficência Pública” que entrou em vigor em 1903. A prestação de cuidados de saúde era então de índole privada, cabendo ao Estado apenas a assistência aos pobres.

A legislação vigente estabelecia a organização dos serviços prestadores de cuidados de saúde então existentes: Hospitais das Misericórdias, Estatais, Serviços Médico-Sociais, de Saúde Pública e Privados.

Só em 1971, com a reforma do sistema de saúde e assistência (conhecida como “a reforma de Gonçalves Ferreira”), surge o primeiro esboço de um SNS. São explicitados certos princípios, como o reconhecimento do direito à saúde de todos os portugueses, cabendo ao Estado assegurar esse direito, através de uma política unitária de saúde da responsabilidade do Ministério da Saúde.

Outro princípio do SNS foi o da integração de todas as atividades de saúde e assistência, com vista a tirar melhor rendimento dos recursos utilizados, através da noção de planeamento central e descentralização na execução, dinamizando-se os serviços locais.

Foi, no entanto, a partir de 1974 que a política de saúde em Portugal sofreu modificações radicais, tendo surgido condições políticas e sociais que permitiram a criação do SNS, através do qual o Estado asseguraria o direito à saúde (promoção, prevenção e vigilância) a todos os cidadãos. Em 1976, o “despacho Arnault” abriu o acesso aos postos de Previdência Social (mais tarde Segurança Social) a todos os cidadãos independentemente da sua capacidade contributiva.

O SNS apareceu em 1979 e está associado a um período histórico de democratização do país e de desenvolvimento de um sistema de proteção social para toda a população portuguesa.

Nos anos 90 é aprovada a Lei Orgânica do Ministério da Saúde e é publicado o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, que tenta ultrapassar a dicotomia entre os cuidados de saúde primários e diferenciados, através da criação de unidades integradas. As unidades integradas de saúde pretenderam viabilizar a articulação entre grupos personalizados de centros de saúde e hospitais. Procura-se uma gestão de recursos mais próxima dos destinatários.

Em 1999 foi estabelecido o regime dos Sistemas Locais de Saúde (SLS), que são um conjunto de recursos articulados na base da complementaridade e organizados segundo critérios geográfico-populacionais, os quais visam facilitar a participação social e, em conjunto com os centros de saúde e hospitais, promover a saúde e a racionalização da utilização dos recursos.

É no prosseguimento desta linha de atuação que foram criados os Centros de Responsabilidade Integrada. Pretendeu-se que os CRI constituíssem verdadeiros órgãos de gestão intermédia, que, sem quebrar a unidade de conjunto, fossem dotados de poder decisório, de modo a desconcentrar a tomada de decisão.

Entretanto, a aprovação do regime de gestão hospitalar introduziu modificações profundas na Lei de Bases da Saúde.

Acolhe-se e define-se um novo modelo de gestão hospitalar, aplicável aos estabelecimentos hospitalares que integram a Rede de Prestação de Cuidados de Saúde e dá-se expressão institucional a modelos de gestão de tipo empresarial (EPE).

Concluindo, saliente-se que a reforma continuada do sistema de saúde e, como consequência, a estruturação do SNS têm de ser encaradas como um processo de aperfeiçoamento constante, de modo a acompanhar a evolução, necessidades e expectativas da comunidade da saúde.

O SNS envolve todos os cuidados integrados de saúde, compreendendo a promoção e vigilância da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação médica e social. Tem como objetivo a efetivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na proteção da saúde individual e coletiva.

Por isso, hoje em 2023 goza de autonomia administrativa e financeira, estrutura-se numa organização descentralizada e desconcentrada, compreendendo órgãos de âmbito central, regional e local, e dispõe de serviços prestadores de cuidados de saúde primários e serviços prestadores de cuidados de saúde diferenciados. É apoiado por atividades de ensino que visam a formação e aperfeiçoamento dos profissionais de saúde. O SNS tem a componente pública de prestação de cuidados de saúde e é o resultado da aplicação do direito que os cidadãos portugueses gozam sobre a proteção da Saúde. A manutenção e o desenvolvimento deste serviço é, assim, dever constitucional de qualquer governo, aliás um valor alto defendido hoje pela maioria das sociedades europeias. Em Portugal, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tem como objetivo “assegurar o direito de acesso universal e igual a todas as pessoas ao serviço público de saúde, tendo sido incumbida de promover a garantia do direito de acesso universal e equitativo aos serviços públicos de saúde”.