Catarina Vilarinho

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Mestre em Direito da União Europeia pela Escola de Direito da Universidade do Minho.
Atualmente, exerce na cidade do Porto enquanto Advogada.


Procuradoria Europeia – Análise Crítica é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponível no mercado desde 10 de Agosto de 2023.

Consulte a obra neste link.


O processo de integração na UE trouxe novos desafios e oportunidades para a intervenção estadual contra o crime organizado, pois os Estados-Membros estão cada vez mais dependentes da cooperação transfronteiriça a nível da UE (Luyten e Voronova 2020, 6).

Em 2018 a Comissão Europeia emitiu uma Comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu (COM(2018) 641 final) onde espelhava a necessidade de alargar a competência material da Procuradoria Europeia aos “crimes graves com dimensão transfronteiriça”, revelando a convicção de que a Procuradoria Europeia pode acrescentar valor à luta (Santos 2019, 1027) contra um número de crimes muito mais extenso do que aqueles que consubstanciam a sua competência material atual, nomeadamente crimes cuja repressão só assuma eficácia de modo coordenado.

Mais do que admitir a inevitabilidade do alargamento da competência material da PE, importa apurar quais os crimes a integrar, fruto desse alargamento. Serão todos os constantes do rol do artigo 83.º do TFUE? Se apenas alguns, quais serão os critérios possíveis para fazer a seleção? Indo um pouco mais além, serão os crimes enumerados no referido artigo os únicos que merecem tutela a nível da UE?

A Comunicação da Comissão referia que “(…) os crimes terroristas afetam todos os Estados Membros e a União no seu conjunto, razão pela qual deve ser considerada uma solução a nível europeu”. O crime de terrorismo é de salientar visto que “os direitos lesados pelos atentados terroristas não são os mesmos que os direitos legais afetados por infrações comuns” (Caeiro e Lemos 2013, 153).

Além do terrorismo, o tráfico humano e de drogas consubstanciam uma preocupação e um desafio para as autoridades que o combatem (Relatório da Comissão Europeia, 2016, 4), sendo que um dos principais problemas reside na existência de investigações paralelas, na sua maioria, descoordenadas, que acabam por conduzir ao desperdício de tempo e de recursos, à violação do princípio ne bis in idem e põem em risco as investigações umas das outras (Relatório Eurojust 2021, 19). Apesar dos progressos alcançados ao longo do tempo, é ainda essencial que os Estados-Membros intensifiquem os seus esforços para combater eficazmente os crimes mencionados.

Admitindo que a criação de uma organização europeia como a PE é essencial para o desenvolvimento e reforço da cooperação judiciária em matéria penal (Nato 2016, 320), seria importante considerar a possibilidade de alargar o seu campo de ação. O fundamento legal da PE reside no artigo 86.º do TFUE, que lhe confere poderes para investigar, processar judicialmente e levar a julgamento os autores de infrações contra os interesses financeiros da União. No entanto, este artigo consagra, ainda, a possibilidade de alargar a competência deste novo órgão europeu para incluir a “criminalidade grave com dimensão transfronteiriça”, expressão retirada do texto do artigo 86.º, n.º 4 do TFUE, conceito no qual se enquadram os crimes de terrorismo, tráfico de seres humanos e de droga, segundo o artigo 83º do TFUE. Consequentemente, não existe qualquer obstáculo legal ao alargamento da competência material da PE relativamente aos tipos de crime supramencionados. Além disso, tal alargamento representaria um passo considerável no sentido da criação de um verdadeiro espaço de liberdade, segurança e justiça (Nato 2016, 321).

Compreendendo a UE enquanto “projeto comum de valores e expectativas partilhados” (Caeiro 2019, 4), importa renovar a reflexão sobre a forma de garantir (em concreto e de forma eficaz) a proteção dos valores comuns e transversais a todos os Estados-Membros da União, sendo que tal defesa pode ficar aquém do necessário na falta de uma PE dotada de uma competência material verdadeiramente abrangente (Declaração dos Membros do Conselho Europeu 2015), ressalvando as considerações críticas que se têm apontado no que diz respeito ao cumprimento do princípio da proporcionalidade. (Rodrigues 2019, 21).