Joana de Sousa Varejão

Licenciada e Mestre em Direito e Prática Jurídica pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Pós-graduação em Bioética e em Direito da Igualdade organizadas pelo Centro de Investigação de Direito Privado da FDUL.
Jurista, com especial enfoque na área de contratação pública.


A Violência Doméstica como Causa de Indignidade Sucessória é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponível no mercado a partir de 29 de Junho de 2023.

Consulte a obra neste link.


O Direito das Sucessões prima, como sabemos, pela sua consistente imobilidade. É, sem sombra de dúvidas, um dos ramos do Direito, se não mesmo o ramo do Direito, mais estagnado no que toca à firmeza de visões que se consubstanciam em regimes muitas vezes regressistas. 

Um dos casos flagrantes que exemplifica na perfeição o carácter regressista e imóvel do Direito das Sucessões é o regime da indignidade sucessória pautado no artigo 2034.º CC.  

Incólume às mudanças legislativas e sociais inerentes a qualquer regime, é necessário recuar até ao ano de 1867 para tentar entender a intenção e consciência por de trás da escolha daquelas que se eternariam como causas bastantes para indignar um herdeiro de suceder. Isto porque, à exceção da alínea b) do artigo 2034.º CC, integrada no leque de causas de indignidade sucessória em 1966, as causas de indignidade suficientes para declarar um herdeiro indigno ficaram reféns das razões socialmente consideradas no século XIX. 

Desde então, as causas de indignidade sucessória presenciaram momentos históricos como a abolição da escravatura em todos os territórios portugueses em 1869, a Implantação da República Portuguesa em 1910, a consagração d’A Portuguesa como hino nacional em 1911, o 25 de abril, e em todos estes momentos mantiveram-se intocáveis no que ao alargamento das causas possíveis de indignar um herdeiro diz respeito, tendo apenas excecionado essa intangibilidade aquando a inclusão, como atrás mencionámos, da possibilidade de indignar o condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza.  

Foi, portanto, com base nesta exclamação que nos debruçámos no tema das causas de indignidade sucessória, uma vez que, não nos parecia de todo compreensível a intangibilidade inerente ao regime das indignidades sucessórias, em especial, tendo em consideração a evolução social e legislativa portuguesa dos últimos 50 anos. Aliás, inúmeros foram os aditamentos legislativos no âmbito penal na história mais recente do ordenamento jurídico português, pelo que, não nos fazia (nem faz!) sentido a manutenção das causas de indignidade sucessória tidas como relevantes em tempos tão distantes social e legislativamente. 

Desta feita, propusemo-nos a analisar o enunciado normativo 2034.º CC, de modo a esclarecermos certas dúvidas a que não só a doutrina como também a própria jurisprudência, se têm deparado, designadamente, no que toca à natureza jurídica da figura da indignidade sucessória e, mais importante para o nosso tema, o carácter taxativo ou meramente indicativo do regime da indignidade sucessória.  

Foi com base na convicção segundo a qual o regime da indignidade sucessória estipulado no artigo 2034.º CC se qualifica pelo seu carácter taxativo e, bem assim, impeditivo de qualquer interpretação analógica que o presente artigo criou corpo. Isto porque, ao ter-se como certo o carácter taxativo do sobredito artigo, tem-se igualmente como certo, a exclusão de todos os outros crimes que não se encontrem no leque de causas de indignidade sucessória. E se assim o é, crimes como a Violência Doméstica (e outros) ficam de fora da esfera de intervenção do instituto, criando, como é expectável, situações flagrantes de incongruências legislativas que se refletem, claro está, na sociedade.  

Posto isto e tendo presente, salvo melhor opinião, a intenção do legislador, nomeadamente, em impedir a analogia no que às causas de indignidade sucessória

diz respeito, parece-nos claro que a integração do crime de violência doméstica como causa suficiente para indignar um herdeiro-condenado devia (e deve) ser uma prioridade não só legislativa como acima de tudo social. 

Senão vejamos: como é que se justifica, em pleno século XXI o crime de violência doméstica não constar no leque de causas de indignidades sucessórias? Não é suficientemente grave para qualificar-se como fundamento suficiente para indignar um herdeiro-condenado? Não é suficientemente condenável pela sociedade? Não causa repugna? 

Foi com base neste (e noutros) conjunto de dúvidas e com uma enorme vontade de contribuir para a consciencialização da sociedade portuguesa para esta problemática que nos propusemos a debater a efetiva possibilidade do crime de violência doméstica consubstanciar-se como causa bastante para indignar um herdeiro- condenado, tema que será abordado de forma mais exaustiva e pormenorizada na obra “A Violência Doméstica como Causa de Indignidade Sucessória”, publicada pela editora Almedina.