Marlene Miranda

Licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Mestre em Ciência Jurídico-empresariais/Menção dm Direito laboral – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.


Incidências Laborais do Processo Especial de Revitalização é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponível no mercado a partir de 8 de Junho de 2023.

Consulte a obra neste link.


Tema desprezado pela doutrina e até, em grande medida, pela jurisprudência, o regime de pagamento e classificação das dividas da massa insolvente assume capital importância no processo de insolvência, já que, o “volume de dividas da massa insolvente” afeta decisivamente o maior ou menor grau de satisfação dos créditos sobre a insolvência.

            Até à publicação da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, tínhamos por certo que, nem todas as dívidas constituídas após a declaração de insolvência podiam ser consideradas dívidas da massa insolvente e nenhuma divida constituída antes daquela declaração o poderia ser. É essa a conclusão que se retira do n.º 1 do art.º 47.º do CIRE[1] que estipula que, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência. Uma “análise” perfunctória da norma poderia levar-nos à conclusão de que o contrário também seria verdadeiro, isto é, que qualquer divida posterior à declaração da insolvência seria uma divida da massa insolvente, o que, manifestamente, não corresponde à verdade.

Por outro lado, após a entrada em vigor da mencionada lei[2], podem ser consideradas dívidas da massa insolvente determinados créditos constituídos antes da declaração da insolvência, razão pela qual se afigura oportuno revisitar essa matéria.

1 – REGIME DE PAGAMENTO DAS DIVIDAS DA MASSA INSOLVENTE

            Decorre do n.º 1 do art.º 1.º que o processo de insolvência é um processo de execução universal, isto é, um processo que tem em vista a satisfação dos créditos da generalidade dos credores de determinada entidade. Declarada a insolvência, todo o património do devedor passa a integrar a massa insolvente[3]. A finalidade da massa insolvente é a satisfação dos credores, sendo por isso um património de afetação especial e um património separado[4]. Por outro lado, resulta do disposto no n.º 1 do art.º 46.º, e bem assim, do n.º 1 do art.º 172.º, que o pagamento dos credores do insolvente só se realiza, depois de pagas as dívidas da massa insolvente. Nesta medida, importa distinguir os créditos sobre a massa insolvente, dos créditos sobre a insolvência, porquanto, o regime de satisfação de uns, e de outros, é diverso. Com efeito, das citadas normas deflui o princípio da precipuidade das dívidas da massa insolvente, relativamente às dívidas da insolvência. Na verdade, o pagamento dos créditos sobre a insolvência só se realiza depois de terem sido pagas as dívidas da massa insolvente. Por outro lado, e como decorre do n.º 3 do art.º 172.º, o pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar na data dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo, com a única limitação que decorre do disposto do n.º 1 do art.º 89.º – que impede a propositura de ações executivas destinadas à cobrança de dívidas da massa insolvente nos primeiros três meses após a declaração de insolvência[5].

            Vigora ainda, relativamente às dívidas da massa insolvente, a regra da pontualidade[6], que postula que o pagamento de tais dívidas deve ocorrer na data do respetivo vencimento. Assim, e ao contrário do que sucede com os créditos sobre a insolvência, na eventualidade de a massa insolvente ser insuficiente para a satisfação da totalidade das respetivas dividas, não há lugar à elaboração de qualquer rateio, já que as dividas são pagas pela ordem do seu vencimento – «first come, first served». Assim se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-10-2021 (Relator José Alberto Moreira Dias), onde se refere que «as dividas da massa insolvente encontram-se enunciadas a título exemplificativo no art.º 51.º do CIRE e correspondem, grosso modo, a dividas que se constituíram após a declaração de insolvência do devedor e o respetivo pagamento apenas se encontra submetido ao regime da pontualidade previsto no art.º 172.º, n.º 3 do CIRE, cumprindo ao administrador de insolvência pagá-las mal se vençam» e que só seria de realizar um rateio «caso se estivesse perante créditos de diversos credores sobre a massa insolvente que tivessem a mesma data de vencimento ou que, em caso de conflito, as sentenças que dirimiram esse conflito tivessem transitado em julgado na mesma data e caso o produto da venda da totalidade dos bens da massa insolvente não fossem suficiente para satisfazer a totalidade desses créditos» sobre a massa insolvente. Assim, o administrador de insolvência deve pagar as dívidas da massa na data do respetivo vencimento, pela ordem de vencimento, pagando primeiro a que primeiro se venceu, não se procedendo, em caso de insuficiência da massa insolvente para satisfação da totalidade das suas dívidas, a um pagamento proporcional, ou seja, a um rateio.

            Pensamos porém, que tal rateio poderá impor-se se a massa insolvente for insuficiente para o integral pagamento das dívidas da massa insolvente constituídas ao abrigo do disposto no n.º 12 do art.º 17.º-E e no n.º 2 do art.º 17.º-H do CIRE[7], ainda que tais créditos não tenham a mesma data de vencimento. Na verdade, aquelas dívidas apenas assumem a natureza de dívidas da massa insolvente no momento da declaração de insolvência, isto é, apenas passam a ser exigíveis como tal, na data da declaração de insolvência, que, naturalmente, é a mesma para todas essas dívidas.

            Além de regular o momento em que as dívidas da massa devem ser pagas, o CIRE também prevê a forma como tal pagamento deve ocorrer, isto é, a ordem pela qual os diferentes bens são afetados ao pagamento daquelas dívidas. A esse propósito, o n.º 2 do art.º 172.º prevê que, pelas dívidas da massa insolvente respondem, em primeiro lugar os rendimentos da massa insolvente, incluindo-se nestes, entre outros, juros credores de eventuais aplicações financeiras ou depósitos bancários, rendas recebidas ou outras quantias recebidas em consequência da manutenção da exploração da empresa.

            Na eventualidade dos rendimentos auferidos pela massa insolvente serem insuficientes para o pagamento das respetivas dividas, o excedente será imputado, proporcionalmente, ao produto da venda de cada bem, móvel ou imóvel, salvo no que concerne aos bens objeto de garantia real[8] que, em princípio, responderão apenas, até um máximo correspondente a 10 % do produto obtido com a respetiva venda. A imputação só excederá os 10 %, na medida daquilo que se revelar necessário para o pagamento integral das dívidas da massa insolvente[9] ou na medida do que não impeça a satisfação integral dos créditos garantidos. Deste regime resulta uma clara intenção do legislador em proteger especialmente os credores garantidos, atenta a prioridade de pagamento que a garantia lhes confere. Ao limitar a imputação das dívidas da massa ao produto da venda dos bens onerados com garantias reais, transfere-se essa responsabilidade para os bens desonerados, que seriam afetados ao pagamento de todos os credores da insolvência e que, dessa forma, veem a sua expectativa de ressarcimento diminuir drasticamente.

            As consequências para os credores da insolvência advenientes deste regime legal, impõem que o administrador de insolvência seja especialmente cauteloso e criterioso no uso dos seus poderes de gestão e administração, de molde a evitar onerar a massa insolvente. Ainda assim, numa perspetiva benévola do problema, cumpre sublinhar que tem ao seu dispor meios para conseguir esse desiderato[10].

            De igual modo exige-se aos credores da insolvência que tenham especial atenção à qualificação de uma qualquer divida como divida da massa insolvente, exercendo, assim, uma “fiscalização” ativa sobre a prestação de contas do administrador Judicial, o que, no mais das vezes, não sucede, demitindo-se os credores dessa tarefa. Com efeito, frequentemente, os credores não tomam qualquer posição relativamente à prestação de contas apresentada pelo administrador judicial. A este facto, não é, certamente alheia a circunstância de a prestação de contas ser um apenso do processo de insolvência, do qual os credores da insolvência, mesmo que representados por mandatário, não são notificados pessoalmente. Efetivamente, a notificação dos credores é feita por éditos e por anúncio publicado no Portal Citius escapando ao conhecimento atempado dos credores já que esse conhecimento, tempestivo, implicaria que os credores consultassem, quase diariamente, aquele portal, o que, convenhamos, não é algo que razoavelmente se lhes possa exigir.[11]

            Com efeito, considerando o regime de pagamentos acima enunciado, os credores da insolvência serão, evidentemente, prejudicados pela classificação de um crédito como crédito sobre a massa insolvente – quanto maiores forem as dívidas da Massa insolvente menor será o produto a distribuir pelos credores da insolvência. Evidentemente, os maiores prejudicados serão os credores-trabalhadores já que, atentas as garantias de que beneficia o crédito laboral, particularmente os privilégios creditórios previstos no artigo 333.º do Código do Trabalho, em princípio ocuparão o “primeiro lugar” na fila dos pagamentos A qualificação de um qualquer crédito como crédito sobre a massa insolvente, conduz a alterações na efetividade dos privilégios creditórios referidos e, nessa medida, o regime de proteção do novo financiamentos no âmbito do processo especial de revitalização, introduzido pela Lei 9/2022, que qualifica esse novo financiamento como divida da massa insolvente (ver nota 6), coloca os trabalhadores da empresa a revitalizar, numa situação de enorme desproteção caso a recuperação da empresa falhe e esta venha a ser declarada insolvente, no prazo de até dois anos após a homologação do plano de recuperação[12].

  1.             QUALIFICAÇÃO DE CRÉDITOS COMO CRÉDITO SOBRE A MASSA INSOLVENTE

            Tendo presente a redação do n.º 1 do art.º 47.º poderíamos ser levados à conclusão, errada, de que a data da constituição do crédito é o elemento determinante, para que determinado crédito seja qualificado como crédito sobre a insolvência – no caso dos créditos constituídos antes da declaração de insolvência – ou como crédito sobre a massa insolvente – no caso dos créditos constituídos após a declaração de insolvência[13].

            Assim, atenta a multiplicidade de realidades e a dificuldade de oferecer um conceito único para identificação das dívidas da massa insolvente por via da simples subsunção do crédito a esse conceito previamente gizado, de seguida apresentaremos alguns exemplos que possam servir de orientação na tarefa de qualificação dos créditos, como créditos sobre a insolvência e como créditos sobre a massa insolvente. Na verdade, o CIRE não contém uma definição do que seja um crédito sobre a massa insolvente e apresenta, apenas, uma enumeração exemplificativa das dívidas da massa insolvente no seu art.º 51.º.

            Com efeito, são dividas da massa insolvente os créditos referidos no n.º 12 do art.º 17.º-E, os créditos referidos no n.º 2 do art.º 17.º-H, o direito a alimentos previsto no n.º 1 do art.º 84.º, o crédito previsto no n.º 2 do art.º 142.º e, bem assim, as custas mencionadas no n.º 3 do art.º 140.º. Analisado o teor do art.º 51.º não suscitam quaisquer dúvidas as previsões da alínea a) e b) que qualificam como dívidas da massa insolvente as custas do processo, as remunerações (fixa e variável) do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores.

            Análise mais atenta impõe-se no caso das demais alíneas do n.º 1 do art.º 51.º, particularmente quando a massa insolvente integre uma empresa, pois que, nesse caso, o regime legalmente aplicável privilegia uma liquidação que passe pela venda global da empresa[14] o que implicará a manutenção da respetiva atividade empresarial e, em consequência, os encargos daí resultantes podem ser significativos[15]. Assim, são dividas da massa insolvente as dividas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente (alínea c) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRE). É o caso, por exemplo, dos créditos remuneratórios dos trabalhadores que se encontrem ao serviço da insolvente. Com efeito, a declaração de insolvência não faz cessar, nem suspende, os contratos de trabalho pelo que o administrador de insolvência fica obrigado a assegurar o pagamento dos salários que se vençam após a declaração de insolvência. O mesmo sucede com o preço de serviços prestados à insolvente após a declaração de insolvência, fornecimentos efetivamente recebidos. Considerando a dimensão que estes débitos podem assumir, o administrador deverá avaliar rigorosamente, se a manutenção da atividade da empresa é vantajosa ou não, devendo promover o despedimento de trabalhadores que não se mostrem indispensáveis à manutenção da atividade da empresa[16] e denunciar quaisquer contratos de prestação de serviços duradouros, evitando, assim, a constituição de dívidas da responsabilidade da massa insolvente. Por outro lado, se for caso disso, e cumpridas as condições previstas no art.º 157.º, pode proceder ao encerramento antecipado dos estabelecimentos do devedor ou de algum ou alguns deles. Efetivamente, a proteção dos credores impõe que se evite a continuação de uma exploração que se revele deficitária.

            A lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro veio aditar ao CIRE o art.º 47.º-A que plasmou na letra da lei, aquela que já era a posição maioritária da doutrina e da jurisprudência relativamente à qualificação dos créditos compensatórios dos trabalhadores decorrentes da cessação do respetivo contrato de trabalho nos termos do n.º 2 ou do n.º 3 do art.º 347.º do Código do Trabalho. Efetivamente, apesar do despedimento, por iniciativa do administrador da insolvência ou por força da caducidade do contrato de trabalho, ocorrer já depois da declaração da insolvência a maioria da doutrina entendia que as razões e motivos deste despedimento radicavam nas dificuldades económicas da empresa que conduziram à declaração de insolvência, razão pela qual, apesar de constituídos após a declaração da insolvência, deveriam considerar-se créditos sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente.[17] Por identidade de razões, serão também créditos sobre a insolvência os subsídios de férias, a retribuição de férias não gozadas, proporcionais, de férias, subsídios de férias e subsídio de natal, que se vençam por efeito da cessação do contrato de trabalho na sequência do despedimento por iniciativa do administrador da insolvência.[18] Por outro lado, já será dívida da massa insolvente, o crédito compensatório de que seja titular trabalhador contratado pelo AI ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 55.º e que se enquadrará na previsão da alínea d) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRE.

            Será, também, divida da Massa Insolvente, o imposto municipal sobre imóveis relativo a prédios apreendidos para a massa insolvente, respeitantes ao período dessa apreensão, o mesmo sucedendo com o Imposto único de circulação de viaturas apreendidas, referente a período posterior à respetiva apreensão.[19]

            Nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 51.º, será divida da massa a que resulte de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo Administrador de Insolvência (vide art.º 105.º – ou não seja recusado pelo Administrador de Insolvência (vide alínea f) do n.º 1 do art.º 51.º e art.º 102.º)

            As alíneas g) e h) do n.º 1 do art.º 51.º referem-se a dívidas com origem na atuação do Administrador Judicial Provisório.[20]

            A alínea j) do n.º 1 do art.º 51.º refere-se à obrigação de prestar alimentos nas condições previstas no art.º 93.º e a alínea i) às dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente, onde poderão ser incluídas algumas quantias que devam ser pagas em consequência da resolução em benefício da massa insolvente remetendo para o disposto no.º 5 do artigo 126.º. Efetivamente, operando a resolução de algum negócio em benefício da massa insolvente, e não podendo ser identificados e/ou separados dos demais bens da massa, os objetos que esta haja de restituir ao terceiro (considerando que a resolução tem efeito retroativo devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado – Cf. n.º 1 do art.º 126.º), a restituição do valor correspondente a esse objeto constitui divida da massa insolvente na medida do enriquecimento da massa à data da declaração de insolvência.

Outro aspeto que assume enorme importância prática, sobretudo pelos montantes que habitualmente estão em causa, assenta na situação de alguns créditos fiscais, constituídos após a declaração da insolvência, e que, de acordo com aquele que se nos afigura ser o melhor enquadramento a dar à questão, não deverão ser qualificados como dívidas da massa insolvente. Fazemos referência, especificamente, às liquidações de IVA resultantes da apresentação, pelos credores da insolvência, de pedidos de anulação/regularização do imposto face ao seu não recebimento. Ou seja, é conhecido que na generalidade das insolvências de pessoas coletivas, os credores comuns, habitualmente fornecedores, não logram obter o pagamento dos respetivos créditos e, no sentido de minorar o respetivo prejuízo, solicitam à Autoridade Tributária (AT) a anulação do IVA liquidado nas faturas não pagas pela insolvente. Referimo-nos ao regime previsto no artigo 78.º-A do CIVA. Efetivamente, considerando a incobrabilidade do crédito reclamado no âmbito do processo de insolvência, o credor opta por pedir à AT a anulação do IVA liquidado e não cobrado, deduzindo o imposto correspondente.

            Ora, como o IVA inicialmente liquidado pelo credor foi deduzido pela insolvente aquando da emissão da fatura, impõe-se efetuar a regularização dessas deduções, anulando-as, retificando, a favor do estado, a dedução inicialmente efetuada (cf. art.º 78.º-B, n.º 5 do CIVA). Sucede que, não raras vezes, estes pedidos de regularização são apresentados quando já foi deliberado o encerramento da atividade da insolvente e a liquidação do ativo, e deliberada a cessação, para efeitos fiscais, da atividade da insolvente, o que, de acordo como disposto no n.º 3 do artigo 65.º, determina a cessação das respetivas obrigações declarativas e fiscais. Assim, na prática, o que acaba por acontecer é o seguinte: as “correções” ao IVA deduzido e entretanto anulado têm lugar em liquidações oficiosamente elaboradas pela AT e que, invariavelmente apresentam valores de imposto a pagar. Parece-nos evidente que tais créditos não poderão ser qualificados como créditos sobre a massa insolvente apesar de o facto tributário (a anulação do iva) ser posterior à declaração de Insolvência. Na realidade, aquele crédito não está relacionado com administração e a liquidação da massa, nem se deve a qualquer ato praticado pelo administrador judicial, encontrando o seu fundamento, verdadeiramente, na situação económica deficitária anterior, que conduziu à declaração de insolvência.[21] Note-se que o imposto regularizado refere-se a créditos sobre a insolvência, e a circunstância de tais créditos serem incobráveis decorre da situação de insuficiência económica da insolvente, não podendo ser assacada à massa insolvente qualquer responsabilidade. Nesta medida, não se vislumbra como tal crédito poderá ser considerado divida da massa insolvente como a AT, amiúde, defende. Assim, tal crédito, sendo crédito sobre a insolvência e, constituindo-se após o termo do prazo para a reclamação de créditos previsto no art.º 128.º, deve ser reclamado nos termos do disposto no art.º 146.º. A redação do art.º 146.º é demonstrativa de que, não é porque um crédito é constituído após a declaração de insolvência, que, só por esse razão, deve ser considerado como divida da massa, ao estipular um prazo de três meses para a reclamação de créditos constituídos mais de seis meses após o trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência (cf. alínea b) do n.º 2 do art.º 146.º).             Em suma, a qualificação de um qualquer crédito como crédito sobre a massa insolvente deve ser excecional, já que, o que se espera e deseja é que os credores da insolvência obtenham o maior grau possível de satisfação dos seus créditos. Essa satisfação será tanto menor, quanto maior for o montante global das dívidas da massa insolvente. Este aspeto, não é, de todo despiciendo, e levanta as maiores reservas quanto à bondade, e porque não dizê-lo, quanto ao acerto da solução encontrada pelo legislador para estimular a concessão de financiamento às empresas em dificuldades que se apresentem ao PER. Com efeito, do regime previsto no n.º 12 do artigo 17.º-E e no n.º 2 do art.º 17.º-H pode resultar que a massa insolvente já nasça, ela própria, insolvente o que nos parece subverter os objetivos que presidem ao processo de insolvência


[1] Doravante, todas as normas sem indicação da respetiva origem pertencem ao Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas.

[2] Em rigor, a alínea h) do n.º 1 do art.º 51.º já qualificava como divida da massa insolvente as dividas constituídas pelos atos praticados pelo administrador judicial provisório, e que seriam, assim, anteriores à declaração de insolvência – Cf. n.º 2 do art.º 32.º.

[3] Salvo disposição em contrário, a massa insolvente integrará todo o património que o insolvente detenha à data da declaração da insolvência ou adquira na pendência do processo – cf. n.º 1 do art.º 46.º– exceção feita aos bens absolutamente impenhoráveis que nunca integram a massa insolvente e aos bens relativamente impenhoráveis, que só integrarão a massa insolvente se forem voluntariamente apresentados pelo devedor. Note-se ainda que a lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, aditou ao CIRE o art.º 241.º-A que prevê a possibilidade de bens adquiridos pelo devedor, mesmo depois de finda a liquidação do ativo e encerrado o processo de insolvência, serem apreendidos para a massa insolvente pelo fiduciário, o que pressupõe, evidentemente, que o processo se encontre ainda no período de exoneração do passivo restante.

[4] Cf. SERRA, CATARINA, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2021, p. 62

[5] Princípio da Exequibilidade. Cf. EPIFÂNIO, MARIA DO ROSÁRIO, Manual de Direito da Insolvência, 8.ª edição, Almedina, 2022, p. 299

[6] Segundo MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Princípio da satisfação imediata, Cf. EPIFÂNIO, MARIA DO ROSÁRIO, Manual de Direito da Insolvência, 8.ª edição, Almedina, 2022, p. 298

[7] Resulta do n.º 12 do art.º 17.º-E do CIRE que o preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa prestados durante o período de suspensão de medidas de execução que não sejam objeto de pagamento serão consideradas dívidas da massa insolvente se a empresa vier a ser declarada insolvente nos dois anos posteriores ao termo do período de suspensão. Paralelamente, a lei reconhece igual qualificação aos créditos decorrentes de financiamentos intercalares ou previsto no plano de recuperação aprovado no PER até um valor correspondente a 25% do passivo não subordinado da empresa à data da declaração de insolvência se esta declaração ocorrer no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano como decorre do n.º 2 do art.º 17.º-H do CIRE.

[8] Falamos da hipoteca, do penhor, do direito de retenção e dos privilégios imobiliários especiais que são, porque ligados a coisa identificável, garantias reais.

[9] Princípio da integralidade. Cf. EPIFÂNIO, MARIA DO ROSÁRIO, Manual de Direito da Insolvência, 8.ª edição, Almedina, 2022, p. 299

[10]O Administrador de insolvência deve evitar, tanto quanto possível, que a situação económica se agrave devendo reduzir os encargos da massa insolvente já que quanto maiores forem as dividas da massa insolvente menor será a satisfação dos credores da insolvência. Para tal, e estando encarregue da gestão da massa insolvente, particularmente quando esta é composta por uma empresa, deve lançar mão de todos os mecanismos legais ao seu dispor para tornar a empresa eficiente. O CIRE acautela essas necessidades, admitindo que o administrador faça cessar, de forma célere e desburocratizada (talvez até em demasia!), contratos de trabalho – Cf. art. 347.º do Código do Trabalho –; suspendendo contratos ainda não cumpridos até que o administrador tome decisão sobre o seu cumprimento ou incumprimento, sendo que, caso o administrador recuse o cumprimento quaisquer direitos que possam resultar para a contraparte dessa recusa são considerados créditos sobre a insolvência – Cf. n.º 1 do art.º 102.º do CIRE; permitindo-lhe fazer cessar, por denúncia, com pré-aviso de 60 dias, qualquer contrato de locação em que o insolvente seja locatário e qualquer outro contrato de prestação duradoura de serviço – Cf. art.º 108.º e art.º 11.º do CIRE.

[11] Não desconhecemos que a falta de notificação pessoal dos intervenientes/ credores estará ligada ao interesse da celeridade dos processos mas pensamos que, também nesta sede, “a pressa é inimiga da perfeição”. Tendo em conta a importância dos interesses em presença – o interesse do credor no pagamento do respetivo crédito – a informalidade do processo de insolvência é excessiva. Note-se que, no caso da insolvência de empresas surgem, quase sempre, ocupando a posição de credores, os respetivos trabalhadores, e a proteção deste impõe que os mesmos possam ativa e tempestivamente participar em todos os aspetos do processo de insolvência o que é de difícil compatibilização com a falta de notificações pessoais.

[12] Para uma análise mais aprofundada do regime de proteção do novo financiamento no PER e os seus efeitos sobre os créditos do trabalhador ver “Incidência laborais do Processo Especial de Revitalização”, Almedina, 2023, em curso de publicação.

[13] O desacerto de uma análise simplista que qualificasse como créditos sobre a massa insolvente todos aqueles que se constituíssem após a declaração de insolvência era já apontado por CATARINA SERRA. Cf. SERRA, CATARINA, ob cit., p. 63.

[14] Fruto das alterações que foram sendo introduzidas ao CIRE este conjunto normativo aponta hoje, preferencialmente, para a recuperação da empresa, seja através do processo especial de revitalização (no caso da recuperação pré-insolvência), seja através da aprovação de um plano de recuperação. Com efeito, na sua versão original, o artigo 1.º previa que «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseia na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.» ao passo que hoje, a mesma norma legal, prevê que «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.» Assim, a inversão de prioridades é evidente, passando a privilegiar-se a recuperação da empresa devedora. A liquidação do património só deverá avançar se aquela recuperação não for possível e, mesmo nessa hipótese, tal como resulta do art.º 162.º, deve previligiar-se a venda da empresa como um todo.

[15] CARVALHO FERNANDES, LUÍS A./ LABAREDA, JOÃO, Código da Insolvência e da recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Iuris, 2015, p. 309

[16] Cf. art.º 347.º do Código do trabalho. Sobre esta “forma de cessação do contrato de trabalho” veja-se Vasconcelos, Joana, — Insolvência do Empregador, Destino da Empresa e Destino dos Contratos de Trabalho, in VIII Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Coordenação do Prof. António Moreira, Almedina, 2006; — Insolvência do Empregador e Contrato de Trabalho, in Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Coordenação Prof. João José Abrantes, Almedina, 2014; Ramalho, Maria do Rosário Palma,

— Aspectos laborais da insolvência. Notas breves sobre as implicações laborais do regime do Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas, Questões Laborais, Ano XII – nº 26 – Almedina, 2005; e Miranda, Marlene, Incidência laborais do Processo Especial de Revitalização”, Almedina, 2023, em curso de publicação.

[17] Nesse sentido JOANA COSTEIRA, Revista JULGAR, n.º 48, 2022,

[18] Estando tais créditos sujeitos a TSU, também essa taxa será um crédito sobre a insolvência, apesar de se vencer após a declaração de insolvência, pelo que deve ser reclamada como tal.

[19] Quanto a este aspeto veja-se a Instrução de Serviço n.º 60198/2019 – Série I – DSGCT

[20] Requerida a declaração de insolvência pode, quando haja justificado receio da prática de atos de má gestão ser ordenadas medidas cautelares que podem passar pela nomeação de um administrador judicial provisório – art.º 31.º – cujas competências estão previstas no art.º 33.º.

[21] De forma simplista diríamos que, se o iva recuperado se refere a crédito sobre a insolvência, não pode constituir divida da massa insolvente; aquela divida existe porque a insolvente não pagou os créditos sobre a insolvência e os seus titulares procuraram diminuir o respetivo prejuízo anulando o IVA liquidado nas faturas que não lograram cobrar.